Portugal passou a barreira das 120 mil mortes e não conseguirá baixar desta fasquia tão depressa

O INSA identificou quatro períodos de mortalidade excessiva em 2022. Ao todo, mais 6135 óbitos. O professor Carlos Antunes, analista da Faculdade de Ciências de Lisboa, discorda dos critérios de contabilização, diz que houve apenas três períodos e que o número de excesso de mortes ronda apenas os 2500.

Ana Mafalda Inácio
Envelhecimento continua a aumentar e covid-19 vai continuar a contribuir para a mortalidade excessiva

Em 2022, morreram 124 602 pessoas. Mais uma vez, um total que ultrapassou a barreira dos 120 mil óbitos. É assim desde 2020, quando a pandemia trouxe mais mortes por covid-19. O professor e analista de dados da Faculdade de Ciências de Lisboa, Carlos Antunes, diz haver dois fatores que explicam a mortalidade acima deste número e que nem tão depressa o país conseguirá fazer baixar esta fasquia. "A reserva de morbilidade crónica, digamos assim, que é a percentagem de pessoas com doenças crónicas que podem falecer, está a aumentar, porque a população idosa também aumentou, e, ao mesmo tempo, porque há mais uma causa adicional de morte, a covid-19", explica ao DN.

Segundo o professor de Ciências, "estes dois aspetos indicam-nos que a mortalidade irá continuar a aumentar mais do que estava a aumentar no período pré-pandemia", sublinhando: "Não acredito que Portugal volte a ter nos próximos anos uma mortalidade inferior a 120 mil óbitos anuais. A única exceção até poderá ser este ano de 2023, mas será uma situação residual, porque a covid-19 vai continuar a contribuir mais para a mortalidade do que a gripe. Além do mais, é preciso ter em atenção que todos os anos, e sem contar com a covid, morrem no país mais mil pessoas do que no ano anterior. Por isso, é de esperar que o número de óbitos nos próximos anos não baixe da linha dos 120 mil óbitos."

De acordo com os dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) - referentes à análise e monitorização da mortalidade, a qual é feita desde 2007 -, do total de óbitos, 6135 estão sinalizados como mortalidade excessiva e distribuídos por quatro períodos.

O primeiro ocorreu logo no início do ano, de 17 janeiro a 6 fevereiro, com mais 891 óbitos do que o normal - segundo o INSA "12% de excesso em relação ao esperado e temporalmente coincidente com uma onda de covid-19 e um período de temperaturas baixas".

O segundo ocorreu entre 23 de maio e 19 de junho, em que se registaram mais 1744 óbitos, "21% de excesso em relação ao esperado e temporalmente coincidente com uma vaga de covid-19 e um período de temperaturas anormalmente elevadas para a época do ano", explica o mesmo instituto.

O terceiro período foi registado de 4 de julho a 7 agosto, com mais 2401 óbitos, "25% de excesso em relação ao esperado, e temporalmente coincidente com períodos de calor extremo".

O quarto e último período ocorreu entre 28 novembro e 18 dezembro, com mais 1099 óbitos, "15% de excesso em relação ao esperado, e coincidente com um período epidémico da gripe".

No comunicado, é ainda referido que "os especialistas do INSA concluíram que a maioria dos períodos de excessos de mortalidade identificados, a nível nacional e regional, terão estado potencialmente associados a fenómenos amplamente conhecidos por poderem ter impactos na mortalidade, particularmente, as epidemias de gripe e covid-19 e os períodos de calor e frio extremo".

No entanto, os epidemiologistas e autores desta análise consideraram que os impactos devido à gripe e à covid-19 "terão sido inferiores aos observados noutros invernos, por menor incidência de gripe e menor gravidade da pandemia, embora os impactos observados no verão, devido a temperaturas extremas, tenham sido superiores aos observados em anos anteriores (ainda que dentro do esperado para a magnitude e duração dos períodos de calor registados)".

Relativamente às regiões do país com excesso de mortalidade, a análise do INSA dá conta de que tal foi observado em todas, "embora com diferente duração e magnitude. A região Norte foi aquela em que se identificou um maior número de semanas de excesso de mortalidade (18) distribuídas por quatro períodos, observando-se excessos de mortalidade no grupo etário dos 15 aos 24 anos de idade (estes provavelmente devidos a causas acidentais, embora os dados disponíveis não permitam confirmar esta hipótese) e nos grupos etários acima dos 65 anos, existindo um gradiente crescente com a idade em relação ao número de semanas em excesso de mortalidade, dos 65 aos 74 anos houve excesso de mortes em 6 semanas; dos 75 aos 84 anos este excesso registou-se em 9 semanas e, nos mais de 85 anos, o excesso de mortes foi registado em 22 semanas.

Faculdade de Ciências só conta 2586 óbitos excessivos

Para o professor e analista da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o número de excesso de óbitos identificado pelo INSA "não está correto". "Na minha análise este valor é de 2586 óbitos". Porquê? "Porque a metodologia de contabilização usada pelo instituto é diferente da minha e considero que tem erros", argumenta.

"A estimativa que fazem da linha de base para o número de mortes está subestimada porque não incorpora o envelhecimento da população e nem a nova causa de mortalidade, a covid-19. Se incorporassem estes dois indicadores, a linha de base seria mais elevada do que aquela que está a ser tida em conta".

E dá um exemplo: "A linha de base do INSA dá 304 óbitos por dia. A minha, com os dois indicadores que referi, dá 350. Ora, isto acontece porque a estimativa de excesso de mortalidade está elevada e a estimativa da mortalidade normal está baixa", reforçando: "O INSA está a sobrestimar e excesso de mortalidade, porque está a subestimar a mortalidade."

Carlos Antunes defende ao DN que, após ter lido o relatório do instituto, concorda que, em 2022, "houve períodos de excesso de mortalidade, mas não foram quatro. Foram apenas três". O analista considera que "o período identificado em janeiro pelo INSA, não é um período de excesso de mortalidade", precisamente pelos critérios acima explicados. Mas concorda que "o período de maio a junho e de junho a agosto está associado a ondas de calor e que o período de dezembro está associado a uma vaga de frio e à sazonalidade da gripe". O professor sustenta mesmo que em termos de análise de mortalidade tudo varia com metodologia usada.

Por isso, é que "a análise do Eurostat é diferente da de outros organismos, a do INE e a do INSA também". Uma coisa parece certa, Portugal está abaixo dos 100 mil nascimentos, mas a mortalidade deverá manter-se nos próximos anos acima dos 120 mil óbitos.