Internacional
28 maio 2022 às 22h13

Da América Latina para Campo Maior: "O nosso embaixador é o melhor café expresso do mundo"

Na primeira iniciativa do género desde o início da pandemia, a Casa da América Latina levou os embaixadores latino-americanos em Portugal a conhecerem o Grupo Nabeiro. Uma oportunidade de criar ligações pessoais que se espera possam abrir a porta a novos negócios.

Foi com uma das quatro bicas que ainda bebe por dia e o sorriso que o caracteriza que o comendador Rui Nabeiro, de 91 anos, recebeu em Campo Maior um grupo dos embaixadores latino-americanos em Portugal. Estes foram numa visita organizada pela Casa da América Latina atrás dos grãos de café que crescem em alguns dos seus países e descobriram uma família que vai para lá dos elementos que se sentam no conselho de administração do Grupo Nabeiro ou da Delta e parece estender-se a cada um dos trabalhadores. E uma empresa que, apesar do sucesso, procura sempre reinventar-se.

O aroma do café recebe quem chega ao Centro de Ciência do Café, que foi inaugurado em 2014, logo ao lado do ex-líbris do grupo, a maior fábrica de torrefação da Península Ibérica - com capacidade até 150 toneladas por dia. No centro conta-se a lenda do pastor Kaldi, que viu como as suas cabras ficavam agitadas quando ingeriam as folhas de um arbusto, e de como o café se espalhou pelo mundo. Das estufas com humidade elevada, em que crescem alguns desses arbustos - Campo Maior está longe de ter o clima tropical onde estes podem crescer ao ar livre - até à história de como, durante o reinado de D. João V, o café que tinha origem na Etiópia foi introduzido no Brasil (atualmente o maior produtor do mundo) e de como os cafés se tornaram lugares de tertúlia, o centro oferece uma verdadeira viagem a quem o visita.

"O café, seja qual for a forma como o bebemos, é uma forma de união", diz Cecília, que faz a visita guiada aos embaixadores, lembrando que "vamos beber café?" é sinónimo de um encontro, mesmo que não seja para beber café. "Ter os embaixadores hoje aqui é efetivamente, para nós, uma oportunidade de darmos aquele abraço, de estreitar os laços que são importantíssimos para o comércio e as relações pessoais e da empresa", explicou ao DN João Manuel Nabeiro, filho do fundador e membro do conselho de administração. O atual CEO é o filho deste, Rui Miguel Nabeiro.

A Delta importa anualmente 27 mil toneladas de grãos de café de dezenas de países, entre os quais Brasil (que foi a primeira aposta após a perda do monopólio em Angola, com o 25 de Abril), Colômbia, México ou Peru, cujos embaixadores participaram nesta iniciativa. "A América Latina é uma das nossas principais origens. Todos estes países têm contribuído muito significativamente para o enriquecimento dos nossos blends", acrescentou Nabeiro. Os blends, as misturas de diferentes cafés, podem incluir até 12 dessas origens. "O nosso embaixador é o melhor café expresso do mundo", disse Miguel Ribeirinho, responsável pelo desenvolvimento do negócio internacional, na apresentação da empresa.

"Fiquei impressionado com o tratamento que é dado aqui ao café para agregar valor", disse ao DN o embaixador do Brasil, Raimundo Carreiro, que aproveitou a visita posterior à fábrica para tirar fotos ao lado das sacas de café do Brasil. Além do tradicional café, a Delta tem vindo a desenvolver novos produtos, como o GoChill, uma bebida fria com leite, e até apostou no aproveitamento das borras para a produção de cogumelos, a Nam.

"Vou impressionado por duas coisas: o trabalho forte que fez esta família para desenvolver a empresa, mas sobretudo porque a base desse trabalho é a relação com os empregados. Pude perceber que todos os que aqui trabalham, sentem-se parte da família. E isso é um aspeto importantíssimo para crescer", afirmou o embaixador peruano, Carlos Gil de Montes, que admitiu alguma emoção ao encontrar as sacas de café peruano no armazém da fábrica. O Peru é o segundo maior exportador de café orgânico do mundo e, por curiosidade, uma das lojas da Delta fica mesmo por baixo da embaixada na Avenida da Liberdade.

Também foi a relação com os funcionários que o embaixador da República Dominicana, Miguel Ángel Prestol, destacou. "O que mais me chama a atenção na empresa, além dos bons resultados industriais, é a forma como mantém relações com o seu pessoal, de maneira harmónica. E a projeção social que vejo. Não é uma empresa que está longe da sociedade", disse, desejando que o seu país possa tornar-se numa das origens do café que chega a Campo Maior. "Temos a capacidade instalada para esses fins e a qualidade do café dominicano é reconhecido em muitos países", referiu.

Há um mês no cargo, o embaixador paraguaio, Julio Duarte Van Humbeck, estava feliz pela sua primeira visita ao "Portugal profundo", especialmente ao Alentejo natal do primeiro europeu a pisar o solo do seu país, no início do século XVI, Aleixo García. O Paraguai não produz café, mas isso não significa que a visita a Campo Maior não tenha sido importante para o embaixador. "Não temos produção de café, mas fiquei a sonhar com um casamento entre o café português, que é muito bom, e a stevia paraguaia", indicou, referindo-se à planta que é usada como substituto do açúcar.

Se na estufa a humidade era elevada, no armazém junto à fábrica esta tem de ser baixa, para que os grãos de café verde que chegam de todo o mundo não se estraguem. No local, que inclui um entreposto aduaneiro (onde a mercadoria não foi ainda desalfandegada) há normalmente reserva de café para três a cinco meses de produção. Os grãos saem das sacas para serem lavados numa máquina recém-adquirida e dali seguem para a torrefação - cujo tempo depende do tipo de grão - e para a moagem, dando lugar aos diferentes tipos de blends, e depois para o embalamento, incluindo as cápsulas que transformaram o consumo doméstico.

"Tratam muito bem o café colombiano", contou o embaixador deste país, Alejandro Zaccour Urdinola, que apesar da ligação que já existe com o grupo também sai com muitas ideias da visita. "Há muitos laços que se podem aprofundar, laços que não devem ser só económicos, mas também culturais e pessoais."

E é isso que a secretária-geral da Casa da América Latina quer ouvir. "Não somos a AICEP, mas pretendemos complementar o trabalho da AICEP", tinha dito Manuela Júdice no autocarro que levou alguns dos embaixadores até Campo Maior. Esta foi a primeira visita pós-pandemia, mas antes já tinha havido cerca de 20 a vários pontos do país e a promessa é continuar a haver mais.

Além do café, todos os embaixadores saíram maravilhados com outra área em que o Grupo Nabeiro está a dar frutos: o vinho. Rita Nabeiro, neta do comendador, é a responsável pela Adega Mayor, cujo edifício desenhado pelo arquiteto Siza Vieira se destaca no meio das vinhas que o seu avô decidiu plantar em 1997 para recuperar a produção que se tinha perdido quando o Alentejo era o celeiro de Portugal. As primeiras garrafas foram produzidas em 2003 e hoje saem de Campo Maior um milhão de garrafas, sendo que 30% da produção é para exportação. A adega recebe ainda 10 mil visitas, com a aposta feita no enoturismo.

susana.f.salvador@dn.pt