A direita brasileira e o pós-Bolsonaro
Vitória à justa de Lula da Silva nas presidenciais de outubro; exílio voluntário do ex-presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos no fim de dezembro, em vésperas da tomada de posse do sucessor; invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília, em janeiro, por manifestantes bolsonaristas, descontentes com o resultado eleitoral. Não se pode negar que a política no Brasil tem estado agitada nos últimos meses, e a opinião pública muito dividida em relação a este regresso do ex-metalúrgico ao poder, duas décadas após a sua primeira eleição. Mas o que prometem estes quatro anos até às novas presidenciais continua a gerar dúvidas. Bolsonaro, antigo capitão do Exército que, depois de muitos anos como deputado polémico, mas pouco relevante, se fez eleger presidente em 2018, tem hipótese de regressar ao país, liderar a direita e, de novo encarnando o sentimento anti-Lula e anti-esquerda de boa parte dos brasileiros, ser candidato em 2026?
Certamente não há uma resposta única. Mas num recente almoço-debate no Cícero Bistrot, um novo restaurante lisboeta que quer ajudar a reforçar as relações luso-brasileiras, Christian Lynch, coautor do livro Populismo Reacionário: Ascensão e Legado do Bolsonarismo, ofereceu a sua visão dos próximos tempos, nomeadamente a saída de cena do ex-presidente, que aqui cito: "A expectativa geral era a de que Bolsonaro, mesmo derrotado, como figura máxima da direita, se tornasse líder da oposição a Lula. Isso não ocorreu porque ele preferiu preocupar-se em fugir da Justiça, fazendo-se morto e conspirando por um golpe que o mantivesse no poder. Preferiu fugir do Brasil com medo da prisão, que tornou-se mais provável com a intentona reacionária de 8 de janeiro".
Doutorado em Ciência Política e professor em várias universidades brasileiras, Lynch, refletindo sobre as consequências desse afastamento de Bolsonaro, acrescenta: "O resultado é que, diante do vácuo de liderança e da perspetiva de ser declarado inelegível, a liderança da oposição já vem sendo disputada pelos governadores de São Paulo e Minas Gerais, e pelo ex-vice-presidente, atual senador, general Mourão. Com a criminalização do extremismo depois da intentona, a direita brasileira, já enraizada, deve tender a se tornar menos radical e populista. No céu da política brasileira, Bolsonaro parece ter sido antes um cometa, que uma estrela".
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Entre um presidente assumidamente de esquerda e um Congresso dos Deputados dominado pela direita, prevê-se um marcar recíproco de terreno já a pensar em 2026, sendo certo que é sobre Lula que pesa a maior responsabilidade de atenuar as divisões internas e de relançar a economia brasileira em condições externas bem mais difíceis do que aquelas que encontrou em 2003, quando à quarta tentativa chegou finalmente ao poder. Mas o regresso a uma certa normalidade institucional, com esquerda e direita a competirem, mas sem radicalismos, só pode ser uma boa notícia para o Brasil. Veremos se se confirma a análise bem argumentada de Lynch, que falava enquadrado pelas pinturas do modernista brasileiro Cícero Dias que decoram o Cícero Bistrot e são da coleção privada de Paulo Dalla Nora Macedo, dono do restaurante e entusiasta destas trocas de ideias luso-brasileiras à mesa.
Diretor adjunto do Diário de Notícias