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27 setembro 2022 às 22h13

Segurança em Lisboa. Planos na gaveta, um vazio de ação e polícias quase só para a TV

Um ano depois das eleições autárquicas não há ainda medidas significativas para a segurança da cidade. Carlos Moedas exige mais polícias e esquadras, mas a reorganização da PSP de Lisboa, aprovada em 2014, não saiu do papel e 70% dos residentes denunciam que as suas áreas são "escassamente policiadas".

Valentina Marcelino e Artur Cassiano

Há várias "cidades" que "coabitam dentro da cidade de Lisboa" e só um "conhecimento mais profundo pode fundamentar a tomada de decisão sobre como intervir no sentimento de segurança em cada área" da capital: "com que mensagem, para que público e recorrendo a que medidas".

Esta é uma das principais conclusões do estudo sobre "O sentimento de segurança e a vitimação na cidade de Lisboa", feito pelo Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova, a pedido da câmara municipal.

Apesar de registar que 80% dos inquiridos se sentem seguros na cidade, este estudo, que tem por base um inquérito a uma amostra representativa de residentes, revela que 69% dos inquiridos mencionam questões relacionadas com a segurança como uma preocupação.

Entre estes, 23% refere-se à falta de segurança, num sentido genérico, como um dos problemas centrais de quem habita em Lisboa; 10% refere o tráfico e o consumo de droga, e mais de 16% das respostas revelam a preocupação com os assaltos e a violência nas ruas.

"Com elevado grau de certeza é possível dizer que o sentimento de insegurança figura entre os problemas de vida urbana que os inquiridos mais identificam", sinalizam os investigadores da Universidade Nova.

A razão mais apontada para esta perceção é de que "a área de residência é escassamente policiada (70,3%)". Dos que ainda observam policiamento, 41% afirma que esse patrulhamento é "pouco frequente".

A confirmação que a falta de policiamento preocupa os lisboetas vai ao encontro do que pensa o presidente da autarquia, Carlos Moedas - e a sua pressão levou a PSP a ativar uma esquadra móvel nas zonas com maiores ajuntamentos noturnos -, mas não teve, ainda, resposta suficiente de quem pode decidir: o Ministério da Administração Interna (MAI) e a PSP.

Em 2014 foi aprovado e publicado em deliberação da CML o "Plano de Reorganização do Dispositivo Operacional da PSP em Lisboa", um acordo do governo, autarquia e PSP, mas não saiu da gaveta.

"Do ponto de vista da CML, aquilo a que a cidade está vinculada é ao acordado oficialmente em 2014, plasmado na nossa Deliberação n.º 244/CM/2014, que continua a vigorar", frisa o vereador com este pelouro, Ângelo Pereira.

"Constatamos que, passados oito anos, infelizmente não foi cumprida a obrigação de colocar mais polícias a patrulhar as ruas, que até agora só foi ativada uma unidade móvel da PSP, e que durante estes últimos quatro anos foram encerradas 14 esquadras e apenas duas novas foram abertas, estando por construir as seis novas esquadras que estão previstas no Plano para substituir as que encerraram", afiança.

As críticas à "falta de policiamento" e à falta de uma "estratégia de segurança" para a cidade são transversais e atingem também os empresários da noite.

"É preciso morrer alguém para se falar de segurança em Lisboa. Fala-se uns dias, surgem uns planos, depois passa. Até morrer alguém outra vez", sublinha José Gouveia, da Associação Nacional de Discotecas.

A noite e a diversão noturna têm sido os focos mediáticos da insegurança em Lisboa, com notícias de assaltos e mortes, como a do agente da PSP, Fábio Guerra.

"Sentimos que a Polícia Municipal tem vontade e vem para a rua, mas tem poderes limitados. A PSP veio agora com a unidade móvel, que é mais um placebo sem lógica nenhuma, com apenas dois polícias. A PSP prefere estar nas operações stop, numa autêntica pesca de peixe morto. Onde é preciso estar não está. Não há qualquer policiamento. Bastava uma patrulha de mota a fazer toda a zona entre as docas e o Cais do Sodré - são apenas três minutos - para se sentir segurança. De três em três minutos havia um polícia à porta. Mas não há. Quando era a pandemia havia dezenas de motas a mandar as pessoas para casa", assinala este responsável.

"Um polícia vale mais que dois ou três seguranças. Estamos dispostos a pagar bem. Até pode ser três ou quatro vezes mais caro. Dois gratificados na zona da 24 de julho faziam a diferença", diz.

Ricardo Tavares, da Associação Portuguesa de Bares, Discotecas e Animadores, lamenta a "falta de diálogo" da Câmara para se chegar a "acordos equilibrados que sirvam o interesse de todos, de quem se quer divertir, dos operadores e dos moradores" e garante que têm "estado na linha da frente" a fazer propostas.

"Temos tentado junto à CML que alguma coisa mude. Por exemplo, manter as esplanadas do tempo da pandemia, que serviram também para conter ajuntamentos que são sempre uma oportunidade para assaltos e violência. Servem de medida de segurança. Os gangues desapareceram, mas agora voltaram às dezenas. Mas há juntas de freguesia que não querem esplanadas e a noite ficou mais desorganizada e com maior risco", afirma.

Em 2018, na sequência do caso do Urban Beach, o ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e o ex-presidente da CML, Fernando Medina, anunciaram o plano "Noite + Segura"com um conjunto de medidas preventivas, como a videovigilância em todos os acessos de espaços noturnos, registo de ocorrências contraordenacionais e criminais através de uma plataforma informática partilhada entre CML, PSP e outras entidades envolvidas.

Numa avaliação de risco feita a pedido do Governo, a PSP identificou 23 espaços de diversão noturna em Lisboa cuja atividade era "suscetível de alteração da ordem pública".

Questionado sobre este plano, o MAI não tem relatórios de acompanhamento da execução desta política pública, mas garante, genericamente, que "foram implementadas medidas de caráter preventivo, envolvendo a adequação de vias de acesso e locais de estacionamento para viaturas de emergência, reforço da iluminação, restrições horárias da venda ambulante de comida e bebida, distribuição de panfletos, sensibilização para a venda de bebidas alcoólicas a menores ou maior vigilância policial".

Nem os empresários da noite, nem quem a frequenta, veem polícias, mas o MAI diz que "a PSP mantém ações permanentes e regulares nesses locais, reforçando o policiamento de visibilidade e proximidade".

Avança o gabinete de José Luís Carneiro que, depois de uma "paragem na implementação e avaliação do programa, imposta pela pandemia, ele irá agora ser retomado - no quadro da Estratégia Integrada de Segurança Urbana que está em preparação - para promover a segurança, paz e tranquilidade públicas e prevenir a criminalidade nas zonas de diversão noturna".

Será a secretária de Estado Isabel Oneto a coordenar esta estratégia, a mesma governante que, com Eduardo Cabrita, tinha coordenado o "Noite + Segura".

Para provar a visibilidade, foi notada a presença no passado sábado, do diretor nacional da PSP, Magina da Silva, numa destas operações de prevenção na zona do Cais do Sodré, acompanhado pelas televisões.

"A intensidade da violência usada para cometer crimes graves e violentos, com recurso a armas brancas e armas de fogo está a aumentar", alertou.

Questionada pelo DN sobre os dados concretos de Lisboa em que o diretor se baseou para esta afirmação, a PSP não respondeu. Assim como não esclareceu nenhuma das questões colocadas pelo DN sobre a segurança em Lisboa, nem sobre a sua atividade.

O vereador do PCP, João Ferreira, tem a convicção de que, com a perda do "policiamento de proximidade", aumentou o "sentimento insegurança" em Lisboa. E o problema não é de agora. Já tem, pelo menos, dez anos. "O encerramento de esquadras desde 2012 gerou um claro sentimento de insegurança, porque dificultou um policiamento de natureza mais preventiva e menos reativa. Acabou aquilo que deve acontecer: o policiamento de proximidade", considera.

A conclusão é simples: "Quando as esquadras fecham, as zonas da cidade onde elas existiam não ficam mais seguras".

A lista de encerramentos é extensa e percorre toda cidade. "Tivemos o encerramento de esquadras na Praça do Comércio, Cais do Sodré, em Alcântara, no Bairro do Cabrinha, no Rossio, na Mouraria, na Gomes Freire, em Santa Marta, em Arroios, e esta é uma zona onde existe um claro sentimento de insegurança, no Rêgo, em Marvila, em Chelas, no Bairro do Condado, Bela Vista, Alta de Lisboa, Carnide... tudo isto foram esquadras que encerraram em Lisboa nos últimos anos", lembra o vereador comunista. Tal como elenca as esquadras que foram fechadas, João Ferreira não deixa esquecer as promessas de quem as encerrou. "Na altura diziam que as esquadras fechavam, mas que os polícias continuavam à mesma na rua. Mas não foi isso que aconteceu", constata.

O resultado depois destes anos, sublinha, é que "nem esquadra, nem, em muitos destes sítios, polícias ou pelo menos com a regularidade desejável".

João Ferreira reconhece que Carlos Moedas até tem admitido que esta situação "é um problema, até tem defendido a reabertura de esquadras, embora tenhamos nós muitas dúvidas de que seja por via daquelas carrinhas, ditas esquadras móveis, que o problema se vá resolver". O presidente da câmara, diz o vereador do PCP, precisa de perceber que, "nalguns casos, é mesmo necessário reabrir as esquadras que encerraram". E há um exemplo, a esquadra de Carnide, que, para João Ferreira, não faz sentido que se mantenha fechada: "A esquadra fechou por falta de condições, mas o espaço é da câmara! Portanto, a câmara tem mais é de fazer as obras e criar as condições para que a esquadra reabra rapidamente".

Beatriz Gomes Dias, do BE, pede, tal como o PCP, uma "resposta de proximidade, uma polícia de proximidade", mas entende que só "respostas aos problemas sociais, com políticas sociais robustas, ajudam a reduzir algumas perceções de insegurança que possam existir em determinados territórios da cidade".

A vereadora bloquista verifica que há várias Lisboas numa "cidade desigual e que é policiada de forma desigual". Ou seja, "há territórios onde se pede um policiamento como se houvesse um estado de exceção e noutros é um policiamento mais de proximidade e pedagógico."

Rui Tavares, do Livre, recorre às estatísticas para dizer que "Lisboa é uma cidade segura", mas alerta que "há categorias da criminalidade a que é preciso estar atento" e que surgem nos relatórios de Segurança Interna. "Alguma delinquência grupal, juvenil, alguma criminalidade com origem no discurso do ódio. Vemos uma preocupação cada vez mais maior dos Serviços de Segurança com a extrema-direita e é preciso estar atento. Temos que estar atentos", alerta.

Inês Drummond, vereadora do PS, referiu apenas que "a segurança não é um problema grave que se coloque em Lisboa".

Ao longo da semana, o DN avalia o estado da cidade de Lisboa, um ano após a eleição de Carlos Moedas para liderar a câmara. O tema de amanhã será Habitação e Turismo.