Sociedade
27 outubro 2021 às 22h14

Se EMA aprovar remédio contra a covid, já há 10 milhões de doses para entrarem no mercado

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) recebeu um pedido de avaliação de um medicamento para tratar doentes infetados. Os resultados apontam para baixa hospitalização e mortalidade. A diretora médica do laboratório disse ao DN que a molécula era investigada há muitos anos, que os resultados são robustos e que estão a tratar da sua entrada em países pobres.

Depois do aparecimento das vacinas e de se perceber cada vez mais que o SARS-CoV-2, na origem da covid-19, poderá ficar entre nós por muito mais tempo, a única descoberta pela qual todos anseiam é a de um medicamento que possa tratar direta e eficazmente a doença. O laboratório MSD pediu nesta terça-feira à Agência Europeia de Medicamentos (EMA - sigla inglesa) uma avaliação de autorização de entrada no mercado de um remédio - molnupiravir - para combater a covid-19, depois de ter feito o mesmo junto das autoridades internacionais do medicamento dos EUA, do Reino Unido e da Suíça.

Se tudo correr bem - ou seja, se a autorização for dada -, como espera a diretora médica do MSD em Portugal, o laboratório já tem prontas "10 milhões de doses para rapidamente responder aos pedidos do mercado, estando já a trabalhar para a produção de 2022".

Mas, e como sublinhou ao DN Paula Martins de Jesus, uma vez que "a acessibilidade equitativa é fundamental para o ADN da nossa empresa, também já estamos a trabalhar em parceria com empresas de genéricos para que estas, através de acordos de licenciamento, possam produzir o medicamento e distribuí-lo aos países de baixos rendimentos".

Paula Martins de Jesus garante que os resultados alcançados "são robustos e seguros", demonstrando "uma baixa hospitalização e mortalidade em doentes com doença moderada e ligeira", mas com fatores de risco que podem levar ao agravamento da doença, como maiores de 60 anos, doença oncológica ativa, obesidade, insuficiência renal crónica, diabetes, etc.

Segundo explicou diretora do MSD, o molnupiravir já estava a ser testado como fármaco antivírico há muitos anos e, precisamente, para combater vírus de origem ARN. Portanto, "a nossa grande vantagem foi o facto de os estudos pré-clínicos estarem feitos, depois tivemos de avançar para os estudos da fase II, encontrar as doses adequadas, e para os de fase III. E o nosso objetivo foi fazer sempre avaliações intermédias para percebermos até onde tínhamos chegado e o que deveríamos fazer a seguir".

Exemplificando: "Quando chegámos à fase II percebemos que o grande potencial deste medicamento não se destinava aos doentes que já se encontravam hospitalizados e com doença grave, para estes certamente que haverá outro medicamento. O grande potencial era para os doentes em fase moderada ou ligeira da doença, por isso concentrámos os estudos neste grupo e chegámos aos resultados que agora estão a ser avaliados por várias autoridades dos medicamentos."

No entanto, a diretora médica do laboratório, sustentou que o uso do molnupiravir tem um requisito fundamental: "ser usado precocemente." Ou seja, "assim que for feito o diagnóstico por PCR o tratamento deve começar a ser administrado até cinco dias depois, e durante cinco dias, com duas tomas diárias". Se assim for, aquilo que os estudos indicam agora é que o doente pode até nem vir a ter sintomas ou fazer desaparecer formas graves da doença.

Os estudos de efetividade do medicamento começaram com 1550 doentes dos EUA, Europa, África e Ásia, depois afunilaram para um grupo de 775, continuando, no entanto, os restantes a serem acompanhados nas várias fases, mas o importante, sublinha Paula Martins de Jesus é que "temos uma representatividade global enorme. Na Europa participaram no estudo cinco centros de investigação, e em todo o mundo 140 centros."

Paula Martins de Jesus considera que os números falam por si: "Para os doentes tratados com o molnupiravir a taxa de hospitalização é de 7,3%, não se tendo registado nenhuma morte até 29 dias após o tratamento, enquanto para os doentes que tomaram o placebo é de 14.1% para taxa de hospitalização, havendo a registar oito mortes. São resultados robustos", diz, reforçando que no processo "não foram feitos cortes cegos de etapas. Houve excelente colaboração entre nós e as autoridades dos medicamentos, a quem íamos passando todos os resultados, porque isso também foi o que nos pediram, dado tratar-se de um fármaco para necessidades médicas urgentes. Portanto, não esperamos grandes obstáculos nesta avaliação".

A diretora em Portugal não sabe quanto tempo levará a EMA até à aprovação do fármaco: "Acreditamos que será o tempo necessário para autorizar um medicamento eficaz e seguro que irá ter resultados positivos em todos os que dele necessitarem."

Um dado importante é que os estudos vão continuar. "Temos um novo estudo, a partir deste que começou em agosto, para obter dados que nos faltam para sabermos se este medicamento também é eficaz em profilaxia. Sabemos que uma em cada quatro pessoas de um agregado familiar com um infetado também fica doente e estamos a tentar perceber, através de administração profilática, se conseguimos impedir que haja mais doentes em casa. Mas ainda não temos resultados."

O foco agora "é a Europa e a submissão que fizemos nesta semana. Estamos muito confiantes. Como disse, os estudos foram muito bem delineados e ao longo do tempo tivemos sempre colaboração extrema das autoridades. Portanto, não esperamos problemas na autorização".

A diretora do MSD conta que o molnupiravir começou a ser testado depois de 2003, após o primeiro coronavírus que originou a pandemia de SARS. "O molnupiravir foi desenvolvido pela DRIVE (Drug Innovation Ventures at Emory) - entidade sem fins lucrativos da Universidade de Emory, de Atlanta, nos EUA - como um antivírico contra vírus de ARN, como o SARS-CoV-1, o MERS ou o influenza". Mas, a dada altura, a universidade percebeu que precisava de uma parceria para desenvolver mais estudos, e foi quando se juntou à Ridgeback Biotherapeutics, que foi à procura de mais evidência do potencial desta molécula."

Quando a pandemia de covid-19 surgiu, "sabíamos ter uma responsabilidade grande em contribuir com esforços antipandemia. Tínhamos um legado importante no combate a doenças infecciosas, nas vacinas e em antivirais. E começámos a pensar em várias frentes, tendo ficado claro que a pandemia não iria combater-se só com vacinas. Ia ser necessário um medicamento antiviral. Fomos à procurar na nossa biblioteca de moléculas, mas também de parcerias com a academia e com outras empresas que pudessem ter moléculas promissoras. Foi nesse sentido que contactámos a Ridgeback Biotherapeutics, que trabalhava o molnupiravir, e estabelecemos uma parceria para a produzirmos".

Após a aprovação da EMA, o laboratório acredita que a entrada em cada país só dependerá das autoridades locais. Em Portugal, as autoridades têm toda a informação.