A floresta tem horror ao vazio. Sobretudo o da política
Entretemo-nos com a notícia de que as máscaras para proteção do fumo são inflamáveis. Grandes são as notícias com as quais podemos arregalar os olhos. Distraímo-nos com as picardias entre ministro da Administração Interna e presidente da Câmara de Mação sobre quem tem mais razão nas falhas de combate ao fogo. Boas são as polémicas que nos fazem abanar com a cabeça de espanto. Rezamos para que o calor que se sente na Europa não chegue a Portugal. Inúteis são as preces de quem aponta aos céus não resolvendo os problemas que só são solúveis na terra.
Porque é aqui que reside o busílis deste problema - na terra. Na terra em sentido restrito, do lugar onde plantamos as árvores que não devíamos plantar. E na Terra como o planeta cujo clima está a mudar, ao ponto de esta semana termos tido temperaturas de mais de 40 graus em Paris e 20 e poucos em Lisboa. Qual pescada agarrando a sua própria cauda, assim estamos: quanto mais o clima muda, menos está adaptada a ele a floresta que temos em Portugal. E não há destino mais certo do que incêndios florestais num país mediterrânico, despovoado, e com floresta artificial e industrial, como Portugal.
Mas sim, continuemos a discutir máscaras, a distrair-nos com polémicas, a orar. São tão inúteis umas como as outras. Não resolvem nada, mas, por outro lado, ajudam-nos a perceber como estamos impreparados para este assunto. São sintomas da irresponsabilidade com que temos vindo a tratar dele - governos e governos a fio.
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Estes incêndios evitam-se. Com outra floresta. Com outros meios. Já o disseram muitos. Mas nada se faz.
Não há ninguém inocente - e portanto não vale a pena procurar culpados ou bodes expiatórios. Seria negligência se não soubéssemos praticamente tudo o que há para fazer, e a evitar. Da floresta aos fogos. Seria possível responder sempre que não foi por mal, se não houvesse relatórios sem fim, avaliações, projetos, diagnósticos, para ir do fim para o princípio. Sendo assim, não pode senão ser falta de noção. Ou excesso de algum interesse.
Estes incêndios não se apagam, previnem-se. Com outra floresta. Com outros meios. Já o disseram muitos. Mas nada se faz. Ou foge-se deles ou resiste-se a eles - mas não com máscaras em materiais inflamáveis. Nisso, este episódio recente é também uma metáfora: inflamáveis são as máscaras como o nosso campo abandonado, como as nossas aldeias rodeadas de matos desordenados que parecem paus de fósforo, é a nossa floresta de eucaliptos e pinheiros plantados a perder de vista, sem ordenamento nem travão.
O problema da floresta portuguesa é precisamente ser o combustível dessa indústria de madeira que aqui funciona praticamente sem regras. Já alguém lhe chamou assim: o petróleo português. Seja. Continue sem rei nem roque, e passaremos mais um verão em chamas, assim venha ele, quente.
Mas a verdade é que lá, nas terras abandonadas, no interior deserto, pouco mais há a fazer do que plantar árvores que cresçam por si próprias. Este é o único negócio viável para quem tem um pedaço de terra herdada lá de longe, sem tempo para tratar dela nem dinheiro para a cuidar. Podemos acusá-los de alguma coisa? Que apoios têm para mudar o rumo das coisas?
São demasiadas perguntas que ficam por responder, anos e anos. E, nesse silêncio, continuam a crescer os eucaliptos, os pinheiros, e outras árvores combustíveis ao máximo. Depois de 2017, já há mais eucaliptos no terreno do que havia antes. Como uma reportagem do DN revelou, em janeiro deste ano, "a aldeia de Nodeirinho está de novo cercada por um manto de eucaliptal". Cerca de 90% das árvores regeneram-se. As outras despontam, nas sementeiras. A natureza tem horror ao vazio. Sobretudo o que lhe é deixado pela política. Ou a falta dela.