O ano do Coelho
Tendo Pedro Passos Coelho aparecido em cerimónia de homenagem a um empresário com um discurso escrito em que nada se destacou da dita homenagem ao dito empresário, logo apareceram milhares de órfãos à direita suspirando pelo regresso de um líder que, testado na oposição, sofreu uma das derrotas mais pesadas do PSD, nas autárquicas de 2017, valendo pouco mais de metade dos votos do rival PS. Foi por isso que teve de ceder a liderança a Rui Rio, por mais que os passistas tudo tivessem feito por outro regresso, o de Santana Lopes.
O discurso de Passos Coelho, é bom recordar, foi assertivo e pertinente nas críticas que fez ao (des)governo de António Costa mas ficou muito longe de mostrar uma ideia para o país capaz de mobilizar para lá dos que repetem, cada vez que ele fala, que o país precisa dele. Tanto mais que a maioria deles deixaria de apelar ao regresso do ex-líder e ex-primeiro-ministro se tivessem na chefia alguém capaz de federar os seus interesses.
Já muito foi escrito sobre o que esta aparição e a reação dos crentes diz sobre o estado em que se encontra a direita, sendo certo que ela revelou igualmente a pouca importância que tem hoje o líder mais forte que a direita teve em toda a democracia. As intervenções de Cavaco Silva eclipsam-se com muita facilidade. Pouco que diga quem possa levar ao regresso do PSD ao poder parecerá sempre muito mais do que a mais bem preparada entrevista de quem já nada tem para oferecer ao partido.
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A história está carregada de percursos feitos com altos e baixos, políticos que conseguem grandes vitórias, mesmo depois de grandes derrotas. Diz tanto sobre o valor político de Passos Coelho a derrota em 2017, como a forma convicta e destemida com que liderou um governo de salvação nacional nos anos da troika ou a vontade que demonstra de querer voltar a ser primeiro-ministro. A urgência de um regresso rápido como pede o seu pessoal político é que faz muito pouco sentido à luz da real situação do país. Em ano de presidenciais e autárquicas, com uma crise sanitária em vias de resolução e uma crise económica e social que ainda vai crescer fortemente, não é chegado o tempo para nenhum D. Sebastião. O país está longe de querer ser salvo.
Há, à direita, um potencial de crescimento que só está a ser aproveitado pela linha extremista do Chega, mas o PSD não vale muito mais com outro líder qualquer do que vale com Rui Rio. Percebe-se que o PS também não crescerá para lá dos resultados conseguidos em 2019, estando dependente da boa vontade das esquerdas mais radicais, e isso faz que a direita tenha de aceitar André Ventura como parceiro natural de uma coligação de poder, que até há bem pouco tempo nunca iria para a direita do CDS. E não foi Rio que abriu esta porta, ela foi aberta por Passos Coelho nas eleições autárquicas em que lançou Ventura na alta-roda e o manteve lá, mesmo depois das tiradas racistas que levaram o CDS a afastar-se.
Para Passos Coelho regressar no final do próximo ano será preciso que a derrota de 2017 se repita, noutra circunstância soará a puro oportunismo. Mas tudo pode acontecer, sendo possível que Rio ainda dispute as legislativas de 2023, importa saber: chegará lá? Chegando, perderá as eleições e cede o lugar ao regressado? Não sabendo ler as cartas nem lançar búzios, para os supersticiosos que andam na política à procura de D. Sebastião fui consultar o horóscopo chinês. É verdade, 2023 será novamente o ano do Coelho, a última vez que isto aconteceu foi em 2011, o ano em que Pedro ganhou as eleições. Se não tiverem mais nada, agarrem-se às superstições.
Jornalista