Suécia. Quando eu conheci o dono do IKEA
Mala de viagem (171). Um retrato muito pessoal da Suécia.

Cheguei a Älmhult na véspera da abertura da nova loja do grupo IKEA, que substituiu a original de 1958 quando já tinham passado 15 anos sobre a fundação da empresa, em 1943, por Feodor Ingvar Kamprad, que na época apenas tinha 17 anos de idade. Kamprad pertenceu à juventude nazi, opção que o levou a arrepender-se, mais tarde, descrevendo o período como a "loucura da juventude" e "o maior erro" da sua vida. Na minha viagem à Suécia, acercava-me a curiosidade pelo facto de saber que o empresário era o maior colecionador da obra do ceramista português Ferreira da Silva. Este meu amigo falara-me sobre as deslocações do dono do grupo IKEA às Caldas da Rainha, no âmbito da produção exclusiva da fábrica SECLA. Por ocasião da abertura da nova loja, o empresário regressou à Suécia, já que residia na Suíça, para onde emigrara. Nessa inauguração, ele próprio fez questão de receber os primeiros clientes. Sabendo desse acontecimento, eu tinha-me registado ainda em Portugal, enviando correspondência para o secretariado, com o objetivo de participar na conferência de Imprensa a realizar, no dia da inauguração, pelo dono da empresa. E assim fui à procura de descobrir mais da Suécia, anos mais tarde de uma pequena visita anterior aquando da minha estada na Dinamarca. Importa lembrar que, a partir dos anos 60, Kamprad expandiu a empresa para fora da Suécia, consolidando contactos com indústrias que passaram a ser subsidiárias em termos de produção. Foi neste contexto que entrou a participação da empresa portuguesa SECLA. Kamprad deslocou-se às Caldas da Rainha quando florescia a produção industrial e se criara o "Studio", pensado para um laboratório da cerâmica de autor. Por lá passaram muitos dos melhores artistas portugueses, coordenados pela húngara Hansi Staël, cujo trabalho interveio no curso da produção em série com propostas inovadoras, tanto a nível do "design" da cerâmica utilitária, como da conceção da cerâmica artística e decorativa, contribuindo indelevelmente para a transformação da SECLA numa referência nacional, exportando para um vasto número de países e colaborando com marcas de prestígio no mercado internacional. Em 1960, designadamente, a SECLA esteve presente numa exposição em Nova Iorque (The Architectural League of New York) sobre as tendências do "design". Kamprad ficou absolutamente impactado com o dinamismo e a criatividade desse conjunto de artistas, com especial destaque para Ferreira da Silva. Dele, levava tudo o que havia no "Studio". Eu estava diante de um homem cuja tez era marcadamente escandinava, com cabelo loiro já grisalho, olhos claros e um olhar fixo naquele grupo de entusiastas, onde me integrara. Nunca eu tinha estado perante um multibilionário, mas o seu sorriso acalmou-me. Quando pude intervir, disse que era originário de Portugal, nascido na cidade da SECLA, pretendendo com a minha presença saber mais da sua relação com a fábrica portuguesa. O empresário lembrava-se, com dificuldade, dessas visitas a Portugal - "A minha vida tem sido muito intensa, expandimo-nos muito." Quando lhe falei de Ferreira da Silva, exclamou com entusiasmo: "Ah, aquele que calçava socas e usava um lenço ao pescoço. Artista enorme, que pintor maravilhoso, de quem trouxe muitas peças cerâmicas." E, de repente, soltou: "É infelizmente português, caso contrário estaria a par de um Picasso, em número de obra e reconhecimento internacional." Tentei saber do paradeiro das peças adquiridas por ele na SECLA, mas o empresário foi evasivo: "Estão por todo o mundo." Fui o último dos presentes a intervir, mas o empresário ainda disse, a concluir, que, provavelmente, era o homem mais rico da Europa e que tinha tanto trabalho a fazer que não tinha tempo para morrer. A empresa atingira a presença em quatro dezenas de países. Kamprad confirmou a sua reputação de frugalidade, dizendo que vivia humildemente. De súbito, ele levanta-se e cumprimenta cada um de nós, com elegância e usando um dos seus lemas: "De estômago vazio não se vendem sofás." Respondo: "Nem se regressa a Portugal." O grupo seguiu para o restaurante da loja, sem a companhia do empresário, que seguira para as instalações administrativas. Ele morreria pouco tempo depois, em 2018, na sua casa de Småland, talvez rodeado de peças icónicas do meu amigo Luís Ferreira da Silva, o "Picasso Português", que morrera dois anos antes do dono do grupo IKEA. Porém, o artista português foi vítima de gente que, em Portugal, se aproveitou da sua genialidade. Tomara que Kamprad o tivesse levado para correr mundo.
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Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.