Eleições a 24 de janeiro. Marcelo recandidata-se em dezembro

No último dia legal para o fazer, o Presidente da República marca a data das eleições presidenciais, das quais, com toda a probabilidade, será um dos protagonistas. O dia escolhido foi 24 de janeiro de 2021. Marcelo Rebelo de Sousa só deverá anunciar a recandidatura em dezembro, a poucas semanas da ida às urnas.

O Presidente da República assinou nesta terça-feira (24 de novembro) o decreto de convocação das presidenciais e publicou um comunicado no site da presidência a anunciar a data. Na verdade, trata-se da mera escolha da data em que se realizam as eleições no seu habitual ritmo de cinco em cinco anos. Algumas vozes se levantaram no sentido de um adiamento das presidenciais por causa da pandemia, cuja segunda vaga está longe de abrandar e coloca o país num elevado grau de incerteza. Mas Marcelo já tinha sido claro a rejeitar essa possibilidade: "Não há a maleabilidade que pode existir na marcação de datas de outras eleições. Portanto, em qualquer caso, dito de outra maneira, uma alteração da data das eleições presidenciais implicaria uma revisão da Constituição. Mas eu não penso que seja esse o caso e não desejo que seja esse o caso."

Na altura que foi questionado sobre a matéria, explicou que a data da realização da eleição está ligada ao termo do mandato presidencial. "O Presidente da República cessa funções no dia 9 de março, neste caso, 9 de março de 2021. E, portanto, as eleições têm de ser marcadas num período tal que permitam uma segunda volta, se for caso disso, e permitam um espaço de tempo para outras tramitações processuais antes do fim do mandato do Presidente em funções."

Se nenhum dos candidatos à Presidência da República obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, excluindo os votos em branco, uma segunda volta terá de acontecer até ao 21.º dia subsequente, ou seja, ainda em fevereiro.

E quem entra na corrida?

Marcelo, 71 anos

O Presidente da República não deverá falar sobre a data de convocação das eleições - a não ser que o faça no contexto de alguma visita para explicar a escolha - precisamente porque está na posição especial de inquilino de Belém e de futuro recandidato ao cargo. É também esse o motivo pelo qual não anunciou que se abalança a um segundo mandato há mais tempo, porque entendeu sempre que deveria convocar o ato eleitoral apenas na pele de Chefe do Estado.

Dezembro será, por isso, o mês eleito para anunciar que volta a pedir a confiança dos portugueses, a quem se esforçou para dar o "afeto" durante grande parte deste primeiro mandato, para que lhe renovem um segundo mandato. Talvez o volte a fazer em Celorico de Basto, onde tem raízes familiares e afetivas do lado paterno e onde se lançou há cinco anos rumo a Belém. Com o país refém de uma crise sanitária, económica e social, Marcelo tem agora o argumento do dever moral para não desmobilizar desta batalha pela recuperação.

O caminho da reeleição seria mais fácil - o próprio Marcelo dirá que gosta dos desafios - se na equação das eleições presidenciais não entrassem a socialista Ana Gomes e André Ventura, líder do Chega, partido de extrema-direita.

Ana Gomes porque vai dividir o eleitorado do PS, sem uma indicação de voto do partido, vai partir-se entre Marcelo e a candidata rebelde. Figuras como António Costa ou Carlos César, secretário-geral socialista e presidente do PS, já expressaram o seu apoio ao atual Presidente, mas há outras como Pedro Nuno Santos, ministro dos Transportes, ou Manuel Alegre que puxam pela antiga embaixadora em Jacarta e ex-eurodeputada.

André Ventura, cuja candidatura visa ter palco para uma maior projeção à escala nacional que lhe permita ter um crescimento eleitoral nas próximas legislativas, porque irá tentar morder nas canelas de Marcelo e roubar-lhe os votos mais à direita. As sondagens têm apontado que assim é, que Marcelo ganhará de forma confortável, mas será penalizado por ter dois concorrentes que à sua maneira entram no seu espaço eleitoral.

Ana Gomes, 66 anos

A ex-eurodeputada lançou-se na corrida a Belém à revelia do líder do seu partido. E foi precisamente por aí que começou, com críticas ao PS na hora de dizer que ia a jogo. "Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato como as presidenciais", disse alto e bom som a 10 de setembro, censurando o facto de o seu partido não ter um candidato em nome próprio.

"Devo dizer que não contava. Durante meses e meses esperei que o meu próprio partido, o Partido Socialista, apresentasse um candidato próprio, saído das suas fileiras ou da sua área política. Não compreendo nem aceito a desvalorização de um ato tão significante como a eleição para a Presidência da República."

Insistiu: "Como pode o socialismo democrático não participar nesta eleição? Como pode dispensar-se de estar genuinamente representado numa competição democrática para o mais alto cargo do país?" Fazê-lo numa altura em que "vivemos tempos estranhos" de grave crise económica e social, assim como de crise ambiental e de carácter global, e numa altura em que, aliado a tudo isto, "sabemos que há forças antidemocráticas a espreitar oportunisticamente". Uma farpa clara ao opositor André Ventura.

Nem o facto de ser "amiga" de outra candidata, Marisa Matias, nem de considerar que Marcelo teve um "bom" mandato a desmobilizaram. Entra na corrida, disse, para chamar à participação "milhares e milhares de portugueses desiludidos, que foram deixados para trás pela crise, pelo desemprego, pela doença, pela pobreza ou pela exclusão, têm de voltar a acreditar que a democracia vale a pena, que só em democracia e com solidariedade poderá haver esperança".

André Ventura, 37 anos

Os portugueses "estão a entender cada vez mais que só há um candidato de direita" nas próximas presidenciais, em 2021: "Sou eu." Foi assim que André Ventura foi o primeiro a anunciar que seria um dos candidatos às presidenciais de 2021, ainda em junho. Afirmava então, e sem rebuço, estar convencido de que iria a uma segunda volta com Marcelo Rebelo de Sousa. Altura em que ainda não sonhava com a candidatura de Ana Gomes e que depois o levou a garantir (e desgarantir) que se ficar atrás da socialista se demitirá da liderança do Chega.

É a Marcelo que irá apontar as baterias, sem esquecer Ana Gomes, que apesar de um quadrante político divergente tem pontos de contacto político, como a luta intransigente à corrupção.


Para Ventura, as presidenciais assumem-se como uma "luta de regimes": "Neste momento, temos duas perspetivas de regime, a de Marcelo, que simboliza este regime, e a minha, que simboliza um regime diferente. É a primeira vez que acontece em democracia alguém dizer que quer outro regime. Nós dizemo-lo, não temos medo, as sondagens dizem que há um número crescente a apoiar esta ideia, e não vamos desistir dela."

Marisa Matias, 44 anos

A candidata do Bloco é uma repetente. A eurodeputada volta à corrida, depois de ter conseguido em 2016 surpreender e ficar em terceiro lugar, com 10% dos votos, só atrás de Marcelo e Sampaio da Nóvoa. Foi mesmo o melhor resultado de sempre do BE numas presidenciais, duplicando o que foi obtido pelo anterior líder do partido, Francisco Louçã.

No arranque, Marisa Matias diz estar "convicta" de que, nas presidenciais, vai ficar à frente do líder do Chega. Isso aliás, afirma, deveria ser um objetivo de todos os candidatos de esquerda. Diz-se "republicana, laica e socialista" e, para as presidenciais de janeiro, considera que a sua candidatura representará as pessoas que "à esquerda não baixam os braços e constroem soluções para o país".

Na apresentação formal da candidatura, garantiu que avança "contra o medo". As bandeiras que ergueu foram as da "igualdade e da liberdade", mais uma vez contra o "medo que nos destrói e divide", quando a "República une". "Luto ao lado dos que se revoltam contra a injustiça e sou de uma esquerda que não se verga às ordens dos mercados."

João Ferreira, 42 anos

Tal como Marisa, o candidato comunista João Ferreira bisa a candidatura a Belém, e tal como ela é eurodeputado. "A candidatura que assumo e que agora aqui apresento, a Presidente da República é e será um espaço de luta comum: da juventude, dos trabalhadores e do povo. É minha e é vossa. É nossa. Assumo-a com honra, com determinação, com a consciência da responsabilidade e do dever", diz o candidato do PCP, acrescentando que se "dirige a todos e a cada um independentemente das escolhas eleitorais que fizeram no passado", disse no dia em que entrou oficialmente na corrida.

O candidato comunista não esconde as críticas ao opositor Marcelo. "É notório que o atual Presidente da República está empenhado numa rearrumação de forças políticas, assente no branqueamento da política de direita e dos seus executores, promovendo a sua reabilitação, na forma da chamada política de 'bloco central', formal ou informalmente assumida, que marcou o país nas últimas décadas".

Fez questão de sublinhar que o Presidente da República não pode ser um espectador e um mero comentador político da realidade com mais ou menos afetos: "Os vastos poderes do Presidente da República podem e devem ser usados para impulsionar soluções para os problemas que o povo e o país enfrentam" e deixar novas críticas a Marcelo: "Exige uma genuína ligação à vida e não uma falsa empatia que se esboroa quando os assuntos são tão sérios como a dificuldade de se viver com os baixos salários, pensões, reformas e prestações sociais."

Tiago Mayan Gonçalves, 43 anos

Tiago Mayan Gonçalves foi militante do PSD e esteve envolvido no movimento Porto, o Nosso Partido, pelo qual Rui Moreira foi eleito presidente da Câmara. Foi, depois, um dos fundadores da Iniciativa Liberal (IL) e agora apresenta-se como candidato presidencial apoiado por este partido.

Diz querer ser uma voz de alerta e tem feito do atual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o seu principal "alvo". No seu discurso diz que quer captar votos de qualquer lado. "Qualquer cidadão que preze genuinamente a liberdade terá em mim uma proposta muito válida e eu penso que a melhor proposta para essa defesa é essa visão do exercício do mandato presidencial. Pode ser um cidadão vindo de qualquer lado, sinceramente, não me vou pôr em nenhum espetro", disse numa entrevista ao DN e à TSF.

1. A campanha eleitoral em pandemia

Os próximos cinco anos em Belém não serão um passeio no parque para o futuro Presidente da República, que, muito provavelmente, continuará a ser Marcelo Rebelo de Sousa. Mas mesmo antes de os portugueses darem o seu veredicto nas urnas, a campanha eleitoral será logo um desafio para todos os candidatos.

Será a primeira vez que a nível nacional decorrerá uma campanha e uma eleição num contexto de pandemia e, previsivelmente, ainda de fortes restrições. Como se irão movimentar os candidatos? Que ações serão permitidas? Haverá comícios? Ou toda a campanha viverá de iniciativas pontuais pensadas para a cobertura mediática e virada para as redes sociais?

As candidaturas terão de pensar ao milímetro o que fazer e não fazer, apesar de terem todo o respaldo constitucional e legal para promover as ações de campanha que entenderem, desde que respeitando as normas ditadas pelas autoridades de saúde. As eleições regionais dos Açores, embora num território mais pequeno e com características próprias, foram um bom ensaio para o que aí virá em janeiro, incluindo todo o procedimento de votação.

2. A pandemia, as crises e o Orçamento

Quando se sentar em Belém, o próximo inquilino terá bem presente a fotografia geral do mundo, a da Europa e, claro, a de Portugal, que comungam da crise sanitária, económica e social. Mesmo que a pandemia se comece a resolver com as vacinas prometidas para o início do ano, sobram as outras duas para condicionarem o poder político, gerarem novas dinâmicas de oposição ao Governo e motivarem a expectável conflitualidade social. O próximo Presidente sabe que poderá ter a braços, mais tarde ou mais cedo, uma crise política para gerir.

Uma crise que poderá começar com a dificuldade de aprovação do Orçamento do Estado para 2022, atendendo a que o de 2021 está já a ser o cabo das tormentas para o Governo de António Costa. A pressão do desemprego, da falência de empresas e até do Estado, em que o SNS se encontrar no pós-pandemia, darão lastro à oposição, seja À esquerda seja à direita, para forçar uma crise se a entenderem como benéfica para os seus interesses eleitorais.

3. Presidência portuguesa da UE e autárquicas

De janeiro a junho, Portugal assume a presidência da União Europeia, num momento em que ainda os fundos do plano de recuperação e resiliência podem ainda não estar a ser canalizados para os 27. Será um momento desgastante para o Governo, que vai merecer um olhar muito atento do Presidente da República.

Quatro meses após a presidência portuguesa ocorrem novas eleições, no caso as autárquicas. Eleições muito importantes para tentar alterar correlações de força entre partidos. O PSD assume que é o momento para tentar começar a viragem política do PS para o centro-direita, por isso a luta por maior número de autarquias vai assumir uma dimensão nacional e envolver fortemente os líderes dos partidos. Se existir uma mudança de rosa para laranja do mapa autárquico, é mais uma pressão para que a crise política estale. E mais uma altura de tensão para Belém.

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