exclusivo
24 MAI 2019
24 maio 2019 às 06h28

Campanha trocada por miúdos. Sustos, gafes e tricas entre "amigos"

Há quem diga que foi uma campanha chocha, incapaz de mobilizar o exército clássico de abstencionistas nas eleições europeias. Terá sido assim?

Paula Sá e João Pedro Henriques

Os temas nacionais, como sempre, sobrepuseram-se aos europeus, mesmo quando os candidatos os trouxeram ao debate. Aconteceu um grande susto com Santana Lopes e Paulo Sande, muitos temas contaminaram a campanha e até houve tricas entre "amigos". Paulo Rangel atacou o CDS e depois pediu desculpa, Pedro Marques e António Costa dispararam contra PCP e Bloco por causa do euro. A caravana passou e o que ficou para 26 de maio? Que desafios e mensagens levaram os candidatos e líderes ao terreno? As mensagens. Vira o disco e toca o mesmo

Pedro Marques

Os socialistas exploraram os sucessos da governação no emprego e nas contas públicas dizendo que podem exportar para a Europa a solução governativa em vigor em Portugal desde 2016. Implicitamente, levar o governo a votos, numa espécie de sondagem gigante destinada a dar balanço para as legislativas. António Costa empenhou-se o máximo que pôde, até por causa dos défices de afirmação do cabeça-de-lista, Pedro Marques. O discurso socialista também implicou, obviamente, ataques ao adversário direto, o PSD. Usaram o programa do PPE (Partido Popular Europeu, a família europeia do PSD e do CDS) para falarem em cedências "securitárias" à extrema-direita na questão das migrações. Costa arvorou-se neste aspeto como uma espécie de pivô internacional para uma grande aliança contra o crescimento da extrema-direita - aliança que, no seu entender, pode ir dos liberais ao Syriza de Alexis Tsipras. O PS também explorou insistentemente até à exaustão o facto de o candidato alemão do PPE a presidente da Comissão Europeia, Manfred Weber, ter em tempos defendido sanções para Portugal. Quanto à esquerda, ver Tricas entre "amigos".

Paulo Rangel

Como é óbvio, o PSD tinha de fazer o contraponto ao PSD. Paulo Rangel, o cabeça-de-lista, que já vai na terceira corrida ao Parlamento Europeu, andou na estrada a tentar provar que o governo tem muita parra mas pouca uva. A falta de investimento e a degradação dos serviços públicos foram as suas bandeiras. O ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho quebrou o silêncio a que praticamente se impôs para ir ao terreno dar-lhe apoio. Mas mais do que isso. Foi Passos quem desferiu o ataque mais feroz a António Costa, ao classificar a política do governo de "truques de ilusionismo". Rangel tentou sempre desvalorizar o adversário do PS Pedro Marques e centrou muito do seu combate político no líder socialista. A última etapa da campanha foi muito de rua, no contacto com as pessoas. Diz, quem o seguiu de perto, que fez das canetas de brinde uma muleta preciosa para chegar aos eleitores. Seis ou sete candidatos eleitos no domingo vão fazer toda a diferença para as legislativas. O score do partido nestas eleições fará toda a diferença na mobilização da máquina laranja nos próximos meses.

Nuno Melo

Os centristas apostaram numa campanha de proximidade. Nuno Melo, cabeça-de-lista do CDS, teve quase todos os dias a seu lado Assunção Cristas, a líder que o ajudou a bater o terreno. Os ataques ao governo também foram constantes. Os fundos estruturais, a sua utilização por Portugal e o eventual corte no futuro, serviu de prato para criticar o governo e o cabeça-de-lista do PS, Pedro Marques, ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas. O CDS conseguiu-se demarcar do PSD, sem nenhum ataque ao partido de Rui Rio, com uma mensagem política simples: "somos o único partido de direita" a concorrer nas eleições. A verdade é que ainda mais à direita outros andaram na corrida. O partido, que nas anteriores eleições europeias, correu de braço dado com os sociais-democratas procura agora reforçar a sua presença. A eleição de um segundo eurodeputado seria uma vitória doce para Cristas.

Marisa Matias

Contra uma "campanha de ataques pessoais", a candidata do Bloco de Esquerda fez uma campanha alternativa. Mas a "aliança bizarra" nestas europeias entre o primeiro-ministro, António Costa, e a "direita liberal" do presidente francês, Emmanuel Macron, foi duramente criticada por Marisa Matias, mais do que uma vez, que chegou a pedir a Costa que esclarecesse qual o caminho que queria seguir: se aquele que foi conseguido em Portugal, de recuperação de salários e direitos, ou a sua antítese. Ainda assim, a bloquista centrou-se mais nos temas europeus e a sua ligação às políticas em Portugal. E o combate às alterações climáticas foi a sua grande bandeira.

João Ferreira

João Ferreira partiu para esta campanha com uma missão difícil entre mãos: manter o score da CDU em 2014 (três eurodeputados eleitos, algo que não tinham desde 1999). O cabeça-de-lista da CDU procurou basicamente fazer passar a mensagem de que os três eleitos da CDU fizeram mais do que os outros deputados todos juntos. Outra nota dominante foi a de que não fazem falta no Parlamento Europeu mais eurodeputados que não se opõem ao pensamento dominante na EU - ou seja, mais deputados do PS, PSD e CDS. O sucesso na criação de emprego das medidas de devolução de direitos e rendimentos postas em prática pela geringonça em Portugal foi também um argumento usado para defender que o essencial que a União Europeia defende está errado, sendo portanto necessário reforçar o poder de quem, internamente, lhes faz frente. Vezes sem conta, o candidato comunista pôs PS, PSD e CDS todos no mesmo saco.

O susto

A1, entre Soure e Pombal, por volta das 17.00 o carro capotou. Pedro Santana Lopes ficou encarcerado, Paulo Sande saiu pelo seu próprio pé. Líder da Aliança e cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu iam a caminho de uma iniciativa de campanha em Cascais. Acabaram os dois no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Sande teve logo alta, Santana ainda ficou internado um dia para observação. O susto foi valente e o antigo primeiro-ministro não deu ar da sua graça nesta reta final da campanha.

O acidente trouxe novamente a debate o modo como são desenhadas as campanhas, a intensidade das agendas, na era digital. Um debate se ainda se justifica os quilómetros percorridos e o perfil das iniciativas, muitas delas viradas para dentro dos partidos, em almoços e jantares-comício.

"Aliens" na campanha

Houve dois temas que entraram na campanha de supetão. O primeiro abalou mais a pré, mas andou a angustiar sobretudo a direita nos primeiros dias oficiais de combate eleitoral. António Costa agarrou na guerra com os professores e na sua "vitória" para atacar PSD e CDS. Os dois partidos andaram em suspenso sem saber como o tema os teria penalizado. As sondagens vieram em plena campanha e mostraram que o eleitorado pendeu para o lado do governo. Nos primeiros dias houve algum desalento nas caravanas, mas sociais-democratas e centristas conseguiram superar os "maus dias" e andar na estrada como se nada fosse.

De mansinho, a página do Patriarcado de Lisboa, no Facebook, partilhou um post com um apelo ao voto no Basta!, de André Ventura. A referência foi retirada, depois de o DN questionar a diocese, mas causou ainda estrondo. Os partidos, mesmo os mais à esquerda, preferiram não afrontar a Igreja e aceitaram por bem a retratação do Patriarcado.

As gafes

Campanha que é campanha não existe sem gafes. Paulo Rangel protagonizou uma delas, ou talvez não, quando disse que o voto no CDS era um "voto fútil". O antigo parceiro de coligação para as europeias, que andou com ele na estrada nas anteriores eleições, sentiu-se: "Não falo de futilidade em relação ao voto de quem quer que seja porque respeito todos os adversários. Em democracia não há votos fúteis. A expressão voto fútil acaba por ser um insulto." O cabeça-de-lista do PSD percebeu que tinha passado das marcas e, num debate, pediu desculpa ao agora adversário centrista.

Nuno Melo também meteu os pés pelas mãos, mas noutra dimensão. Ao colar o caso Berardo ao primeiro-ministro, confundiu as fundações do empresário e acabou a retratar-se. Um episódio que acabou por não ganhar grande dimensão, mas que foi somado a outro que ainda vinha da pré-campanha quando afirmou que o partido espanhol Vox não é de extrema-direita.

Tricas entre "amigos"

À esquerda

A CDU passou a campanha inteira a estabelecer contraste com o PS, fazendo questão de, sempre que possível, meter os socialistas no mesmo saco do PSD e do CDS. Nas questões europeias isso é de facto possível: nada cola comunistas com socialistas. Para o PCP, o PS está - com o PSD e o CDS - do lado de tudo o que é errado (PAC, euro, etc). Os bloquistas às vezes fizeram o mesmo - mas sem a mesma intensidade. A dois dias do fim da campanha, o PS começou a responder, desafiando comunistas e bloquistas a dizerem se de facto são pela permanência de Portugal no euro ou pela saída. Uma ação concertada dentro do PS, iniciada por Pedro Marques e depois corroborada por António Costa. "Julgava que os partidos que há três anos e meio, connosco, construíram esta solução governativa, já tinham percebido de que mais vale estarem comprometidos com uma solução de governo do que se manterem arredados numa mera posição de protesto. Infelizmente, vejo que aprenderam em Portugal, mas ainda não aprenderam na Europa", disse Costa, num jantar-comício em Setúbal, quarta-feira à noite. "O voto de protesto pode lavar a consciência, mas o voto de protesto não resolve nenhum problema a nenhuma portuguesa e a nenhum português. O voto de protesto em nada contribui para derrotarmos a direita conservadora que o PSD e o CDS representam aqui em Portugal, e que temos de derrotar na Europa."

À direita

As tricas foram menores, à exceção da gafe de Rangel sobre o "voto fútil" no CDS. Houve mesmo uma espécie de trégua, embora sub-repticiamente os centristas tenham por todos os meios tentado convencer o eleitorado de centro-direita de que o "voto útil" só mesmo no CDS. No domingo se verá, entretanto, que efeito terá ou não o surgimento do novo partido de Pedro Santana Lopes, o Aliança, nos eleitorados potenciais do PSD e do CDS. Na extrema-direita surgem agora duas forças, o PNR, que já existia, e a coligação Basta!, liderada pelo advogado que se revelou na política quando Pedro Santana Lopes o convidou para ser candidato do PSD em Loures, André Ventura, conhecido sobretudo como comentador de futebol na CMTV. O PNR tem-se queixado que o Basta! lhe anda a roubar as ideias.

Conclusão

Para domingo estão convocados 10,7 milhões de eleitores: 9,3 milhões registados no continente nacional e 1,4 milhões registados no estrangeiro. A abstenção em 2014 rondou os 66% e agora pode facilmente ir para os 71%, dado que o universo dos portugueses registados no estrangeiro aumentou brutalmente (de 244 mil para 1,4 milhões), sendo que neste universo específico dos emigrantes a abstenção foi em 2014 de 98%.

Está em causa a escolha de 21 eurodeputados portugueses, num total de 751 (com Reino Unido) ou 705 (sem Reino Unido). Atualmente, oito são do PS, seis do PSD, três da CDU, dois foram eleitos pelo MPT (mas Marinho e Pinto, um deles, rompeu com o partido, recandidatando-se agora pelo PDR), uma pelo BE e outro pelo CDS.