Política
23 junho 2021 às 23h18

Paulo Rangel. "Portugal falhou na uniformização das regras do certificado digital europeu"

O eurodeputado do PSD diz que a presidência portuguesa, que agora termina, teve sucesso na pressão que fez para os estados aprovarem o que era necessário para o Plano de Recuperação e Resiliência ser posto em prática já no verão. E elogia a cimeira estratégica com a Índia.

Que balanço faz da presidência portuguesa da UE, que agora termina?
É uma presidência regular, que teve uma infelicidade grande porque a pandemia atacou muito fortemente nos primeiros meses do ano e prejudicou os trabalhos. Mas a agenda ia ser marcada não por qualquer estratégia portuguesa mas pela conjuntura altamente complexa. E tinha em primeiro lugar a ver com a vacinação em que as coisas não correram bem e não se viu uma proposta efetiva nessa área. Um segundo ponto que não correu como esperado é a questão da circulação e harmonização das regras, o que tem a ver com o certificado digital. A presidência portuguesa devia ter procurado sempre uma uniformização dessas regras, mas falhou. Ou seja pode ser muito útil, mas vai dar origem a que cada estado possa decidir condições diferentes. Isto não devia acontecer, devia haver níveis a partir dos quais as medidas seriam iguais. A sra. Merkel disse que o país que estava na presidência , enquanto os outros proibiram a entrada de britânicos, Portugal permitiu a sua entrada. Ou seja, Portugal resolveu as coisas por si, sem procurar fazer uma ligação com todos os outros. O espaço Schengen está destruído e precisa de ser reconstruído e sabemos que a pandemia está com estes altos e baixos não dá para o reconstruir todo, mas o certificado digital tinha essa função e não vai servir para isso. Isto até vale para o plano nacional porque o Presidente da República até sugeriu que se usasse o certificado digital no plano nacional para facilitar o acesso a eventos desportivos e culturais, só que as pessoas que não têm a vacina, porque ainda não a obtiveram, têm de pagar os testes. E isso é uma discriminação brutal. O Parlamento Europeu tinha posto como exigência na sua proposta de legislação que os testes fossem gratuitos, como são em França, e, no entanto, o Conselho presidido por Portugal não aceitou isso. É verdade que a Comissão disponibilizou 100 milhões de euros para baixar s custos, mas qual é família portuguesa com salário mínimo ou médio, mesmo falando de antigénios, que pode gastar 20 ou 30 euros cada vez que vai fazer um teste. Já não falo dos PCR que são de 90 ou 100 euros.

Citaçãocitacao"O Presidente até sugeriu que se usasse o certificado digital no plano nacional, só que as pessoas que não têm a vacina, porque ainda não a obtiveram, têm de pagar os testes. E isso é uma discriminação brutal"

Sendo o país na presidência devia ter dado o exemplo nas cautelas a adotar com a circulação?
Exatamente. Isto até dá vontade de rir. A presidência portuguesa para atacar uma lei homofóbica do governo húngaro não o pode fazer porque tem de ser neutral, mas depois quando se trata de tratar da liberdade de circulação aí já pode ter uma posição própria que não tem nada a ver com os outros país.

E não houve nenhum sucesso nesta presidência?
Houve uma coisa que correu bem, que tem a ver com o Plano de Recuperação e Resiliência. Embora não dependesse do governo português, foi feito um esforço enorme para que os parlamentos dos 27 estados aprovassem a chamada decisão de recursos próprios, o que era necessário para que pudesse estar a funcionar algures no verão. E isto não era um trabalho fácil porque havia vários estados - o caso da Hungria e da Polónia por causa do problema Estado de Direito e no caso dos frugais [Áustria, Dinamarca, Finlândia e Holanda] porque não gostavam muito deste mecanismo que tem subsídios e não só empréstimos - que estavam relutantes em dar o seu consentimento e queriam adiar. A diplomacia portuguesa e a presidência portuguesa trabalharam bem no sentido de forçar para que as decisões fossem tomadas até maio sobre o PRR para a Comissão ir aos mercados, e já foi, e fossem aprovados os planos de cada país, como já foram, e que possa já a vir dispensar algumas verbas no verão. Foi preciso algum suor para conseguir uma coisa destas.

A cimeira social do Porto não foi também um sucesso?
Foi um flop. Eu avisei a presidência portuguesa que não deveria ter sido feita sobre as condições do mercado de trabalho e o salário mínimo europeu porque nisso não há acordo possível. Os nórdicos nunca aceitarão isso, embora eles tenham um estado social muito mais forte do que o nosso. Nós temos outra vez uma estratégia de Lisboa à Guterres, é um papel muito bonito que não vai servir para nada. A presidência portuguesa de Guterres queria que a Europa fosse a maior potência digital e económica em 2010, à frente dos EUA e da China, que estão muito, muito à frente. Não era má ideia a questão social, mas havia uma área em que era fácil conseguir um consenso para medidas concretas ainda que pequenas, que é a questão da união para a saúde. Nesta questão era difícil os estados fugirem porque toda a Europa está afetada pela pandemia e havia uma conjuntura favorável a aceitar algumas cedência e alguns avanços . Poder-se-ia ter chegado a um mapa sobre a união para a saúde do futuro, uma organização europeia para a saúde.

Na questão da vacinação contra a covid-19 Portugal conseguiu ter algum papel neste campo?
Portugal não teve. Isso estava entregue à Comissão Europeia, mas Portugal não teve nenhuma proposta sobre a campanha de vacinação.

E a cimeira com a Índia foi importante?
Mais uma vez com o infortúnio da pandemia e a Índia no topo o que impediu a vinda do primeiro-ministro Narendra Modi, mas a presidência portuguesa revelou uma grande decisão estratégia quando elegeu a Índia como alvo preferencial. Com a saída do Reino Unido era preciso restaurar o diálogo com a Índia, porque o Reino Unido era o interlocutor europeu e Portugal tem aqui a grande oportunidade de ser um desses interlocutores. Esperemos que as próximas presidências possam explorar a aproveitar. Um ponto que falou rotundamente e é uma vergonha para Portugal é Moçambique . A primeira vez que se agendou aqui no Parlamento Europeu a questão do Moçambique foi devido aos nossos esforço, fui eu que fui o coordenador da resolução que foi aprovada em setembro, depois houve um novo debate em comissão e no plenário e o ministro Augusto Santos Silva foi feito enviado especial a Moçambique em janeiro e nunca foi ao Parlamento reportar qual foi o resultado dessa visita. Os relatos que temos da ajuda humanitária são muito negativos , no sentido de serem muito insuficientes. O ministro Cravinho [Defesa] foi o único que fez alguma coisa. Mas Moçambique é uma vergonha nacional porque com a tragédia em Cabo Delgado, Portugal não ter feito disso uma bandeira, um silêncio total das instituições portuguesas perante esta questão é de facto lamentável e deixa-nos ficar muito mal.

Para a próxima presidência da Eslovénia o que fica, toda a recuperação económica da Europa?
Vão ficar vários dossiers concretos, coisas legislativas que são importantes para o funcionamento da União. A Eslovénia pode-nos agradecer bastante tudo o que fizemos em torno da aprovação do Plano de Recuperação e Resiliência, e um trabalho vastíssimo na área do Estado de Direito, porque Portugal não fez nada quanto à Hungria, apesar de dizer que fez agora uma audição que é só para inglês ver.

paulasa@dn.pt