21 SET 2019
21 setembro 2019 às 00h18

A campanha eleitoral e a justiça

Ainda falta muito para o fim da campanha, era excelente que os partidos abandonassem a ridícula frase feita "à justiça o que é da justiça e à política o que é da política" e tivessem a coragem e a decência de dizer que soluções defendem para melhorar esse pilar básico de qualquer democracia e que se deixassem de mentiras e hipocrisias.

Pedro Marques Lopes

Não me recordo de uma campanha eleitoral tão pouco crispada, com tão poucos insultos e dislates e, sobretudo, tão esclarecedora sobre as diferentes propostas dos vários partidos. Espero que a forma como está a decorrer seja um espelho do momento atual da nossa comunidade e que as guerrilhas twitteiras, facebookianas e de caixas de comentários de jornais não sejam mais do que formas de escape.

Um bom exemplo da forma como a campanha está a correr bem foi ouvir o debate entre os líderes dos principais partidos portugueses, organizado e preparado de forma excelente pelas rádios TSF, Renascença e Antena 1, e perceber que seis pessoas conseguem discutir civilizadamente e expor as suas ideias.
Há quem diga que a razão para isto estar a acontecer é a de sabermos antecipadamente quem irá ganhar as eleições e não estarem em confronto visões diametralmente opostas para o futuro do país. No mesmo sentido, ajuda virmos de um período de acalmia social, com uma diminuição significativa do desemprego e não nos deparamos com ameaças populistas ou extremistas sérias.

Não mudei de opinião sobre a possibilidade de um aprofundar do desequilíbrio entre centro-esquerda e centro-direita trazer, no futuro, um problema para o nosso sistema político-partidário. No entanto, não só, neste momento, as pessoas não o sentem, como a perceção de que, mesmo isso acontecendo, não há grande risco para a estabilidade e a preservação dos princípios básicos do funcionamento da nossa democracia parece evidente. Infelizmente existe e deveria levar a uma mobilização do centro-direita em redor dos partidos que representam esse espaço, mas as pessoas pensam o que pensam e não o que gostaríamos que pensassem.

A verdade é que, tirando o período do PREC, nunca tivemos umas eleições em que os possíveis vencedores apresentassem visões radicalmente diferentes do caminho a tomar. Foi, aliás, esse consenso nos temas estruturantes para a comunidade que nos permitiu a implementação sem sobressaltos de institutos tão relevantes para o desenvolvimento do país como a Educação Pública ou o Serviço Nacional de Saúde, que a nossa adesão ao projeto europeu não tivesse tido oposição, que as crises económicas - que num país pequeno e pobre são sempre muito duras - tivessem sido ultrapassadas sem tumultos sociais graves.

Não tenho qualquer dúvida em subscrever uma frase de um texto do Francisco Assis, no Público, quando diz que não acredita "que a democracia portuguesa possa vir a beneficiar com uma hipotética polarização do confronto ideológico e político". Diria que foi decisivo para o extraordinário desenvolvimento de Portugal nos últimos quarenta anos a inexistência desse conflito de forma marcada e que a sua vinda para a nossa comunidade não traria rigorosamente nada de bom.

Essa possível polarização tem vindo a ser alimentada por um pequeno grupo de pessoas reunidas nas páginas de opinião do Observador e amplificadas nas redes sociais, sem qualquer tipo de respaldo na opinião pública, diga-se. A cartilha varia entre a invenção de que os consensos que existem de facto na nossa comunidade são uma espécie de lavagem cerebral produzida por uma imaginária oligarquia e insultos e ataques de carácter a torto e a direito (até eu tenho tido direito à minha quota de difamações, mentiras e insultos). Ideias alternativas ou apresentação de modelos alternativos para o país dessa gente nem pitada. A razão é simples: sabem que se disserem o que realmente pensam, ninguém os seguiria. Então apostam no confronto pelo confronto, esperando criar um clima que simplifique a luta, um "nós contra eles". É por isso que todo o discurso desses colunistas não passa de um "se a esquerda não gosta, nós gostamos", "se a esquerda gosta, nós detestamos". O primarismo da coisa é tão evidente que chega a atingir níveis hilariantes.

Tudo isto, porém, não quer dizer que as várias forças políticas não tenham soluções diferentes para os problemas do país e que divirjam dos métodos a aplicar. Também não me parece que existam dúvidas de que uma campanha em que isso fica claro é muitíssimo melhor do que uma em que se grite, se insulte o adversário ou se perca o tempo com dichotes e ataques pessoais.

Há, e no melhor pano cai a nódoa, um tema em que chega a ser chocante o pouco debate e a falta de clareza de posições: o estado da justiça.
Os líderes políticos enunciam lugares-comuns e fogem do tema como o diabo foge da cruz (então António Costa consegue atingir níveis de hipocrisia de bradar aos céus). Elogie-se Rui Rio, que tem denunciado os variadíssimos problemas como a impunidade e a recorrente incompetência do Ministério Público, a vergonha de assistirmos a violações constantes do segredo de justiça sem que nem um dos divulgadores tenha sido condenado, as constantes sentenças e acordos inexplicáveis, o arrastar de processos que mais não parecem do que meios para condenar em público o que não se consegue atingir pelo regular funcionamento da justiça. É curioso, aliás, notar que em privado a frase "Rio pode estar enganado em tudo, menos na justiça" é dita por todos os campos políticos, nomeadamente pelos seus opositores internos.

Ainda falta muito para o fim da campanha, era excelente que os partidos abandonassem a ridícula frase feita "à justiça o que é da justiça e à política o que é da política", e tivessem a coragem e a decência de dizer que soluções defendem para melhorar esse pilar básico de qualquer democracia e que se deixassem de mentiras e hipocrisias. É que o estado da justiça é, sem dúvida rigorosamente nenhuma, o maior problema institucional do nosso país.

A campanha está a correr bem, correria ainda melhor se os políticos mostrassem que conhecem este problema e que estão preocupados. Mesmo correndo o risco de aparecerem, de repente, mil investigações sobre tudo o que é partido e político.

O ridículo mata

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, para uma festa temática, maquilhou a cara para se parecer com o Aladino. Passados 18 anos, as fotografias dessa festa foram divulgadas e ele foi acusado de racismo. Justin Trudeau pediu desculpa por ter cometido essa falha, afirmando que agora percebia que a sua conduta era racista. Sou daqueles que pensam que a liberdade de expressão não é um valor absoluto e que a conversa de esta estar em causa pela suposta ditadura do politicamente correto não passa de uma desculpa de quem acha que se pode insultar, difamar e ofender pessoas com uma orientação sexual não maioritária ou de outras raças. Simplesmente, quando se chega a estes exageros ridículos, é a luta de quem acha que esses direitos devem ser protegidos que fica em causa. É que o ridículo mata até as batalhas mais justas.

O melhor do Almodóvar

Como admirador de toda a filmografia do Pedro Almodóvar, é-me difícil dizer qual o filme de que mais gostei. Até agora o meu coração balançava entre a A Lei do Desejo, Saltos Altos e Tudo sobre a Minha Mãe, sem que isto chegue para desmerecer praticamente todos os outros, bem pelo contrário. Com Dor e Glória, o grande Almodóvar dá cabo do meu top. Este filme é uma obra-prima. Um exercício genial de contenção, uma capacidade única de exprimir todos os sentimentos em cada segundo, uma direção de atores de uma subtileza tocante. Tudo isto numa história já milhões de vezes contada. A cereja no topo do bolo é o desempenho de Antonio Banderas. Bem sei que a vidita é o que é e um homem precisa de ganhar dinheiro, mas por que diabo andou este tipo a fazer xaropadas em Hollywood? Quem perder este filme pode estar certo de que perde um filme único.