Porque é que Trump diz que a III Guerra Mundial vai começar no Montenegro?
É o mais recente país da NATO, com apenas 640 mil habitantes, mas a sua adesão à Aliança foi criticada pela Rússia. Presidente dos EUA disse que os montenegrinos "são pessoas muito agressivas" numa entrevista que gerou desconfiança.
O presidente norte-americano, Donald Trump, continua a defender uma aproximação ao homólogo russo, Vladimir Putin, depois da polémica cimeira a dois em Helsínquia. Tendo a reunião sido à porta fechada, só na presença dos tradutores, muito se especula sobre o que foi discutido. Daí a estranheza das declarações de Trump sobre Montenegro, cuja adesão à NATO foi criticada pela Rússia.
Numa entrevista à Fox News, gravada na segunda-feira ainda em Helsínquia e emitida na terça-feira, o jornalista Tucker Carlson lembra que um ataque a qualquer membro da NATO é um ataque a todos e pergunta ao presidente norte-americano porque é que o filho deve ir defender Montenegro, o mais recente membro da aliança, se houver um ataque.
Trump disse compreender: "Montenegro é um país pequeno com pessoas muito fortes. São pessoas muito agressivas. Podem ficar agressivas e, parabéns, estamos na Terceira Guerra Mundial", acrescentou.
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"Nós não temos qualquer intenção de começar a Terceira Guerra Mundial, somos demasiado pequenos para isso", disse o chefe da diplomacia do Montenegro, Srdjan Darmanovic, à CNN. "Foi engraçado ouvir isso, como uma piada, mas somos uma nação pacífica", reiterou, explicando que Trump terá falado de Montenegro apenas como exemplo.
A alguns também não escapou a ironia de Trump acusar os montenegrinos de serem agressivos quando, na cimeira da NATO de maio de 2017, em Bruxelas, foi o presidente norte-americano que empurrou o primeiro-ministro Dusko Markovic para fora do seu caminho.
Em fevereiro deste ano, um homem (mais tarde identificado como um sérvio que serviu no exército jugoslavo nos anos 1990) atirou uma granada contra o edifício da Embaixada dos EUA em Podgorica, antes de se suicidar. Nas suas redes sociais foram encontradas mensagens contra a adesão do Montenegro à NATO.
Um país com 640 mil habitantes
Montenegro é um país nos Balcãs com cerca de 640 mil habitantes, que conquistou a independência da Sérvia em 2006. Num comunicado de resposta a Trump, o governo lembrou que Montenegro foi o único país que "não foi palco de combates durante a desintegração da ex-Jugoslávia", na década de 1990, que fez cerca de 130 mil mortos. "O país acolheu e protegeu 120 mil pessoas afetadas" por esses conflitos, foi "o primeiro a resistir ao fascismo", indicou.

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A relação do país com a Rússia é complicada (a Sérvia é tradicionalmente um aliado de Moscovo) e a situação piorou com a adesão à NATO - os russos opuseram-se à adesão, considerando que a expansão da NATO para os Balcãs era inaceitável. Está também no processo de adesão à União Europeia.
"A adesão [à NATO] foi uma mudança estratégica. Era sobre juntarmo-nos ao clube ocidental, abraçar valores ocidentais, não apenas por segurança. Para o Montenegro e a Aliança foi uma grande realização, um enorme sucesso", disse ao The Guardian o ex-embaixador de Montenegro na NATO, Vesko Garčević, que foi o responsável pelas negociações de adesão do país no ano passado.
"Ter o presidente dos EUA, o membro mais poderoso da Aliança, a questionar o princípio de solidariedade da NATO só pode funcionar a favor da Rússia", acrescentou o ex-embaixador.
Em 2016, os montenegrinos alegaram que os russos estiveram por detrás de um plano para matar Milo Sjukanovic, que era então primeiro-ministro e agora é o presidente. Entre os 14 homens envolvidos no plano, que foi travado pelas autoridades, haverá dois russos, que continuam em fuga. Moscovo negou qualquer envolvimento.
"O Montenegro tem estado sob pressão contínua da Rússia há mais de uma década. A Rússia até tentou assassinar o presidente deles. Os comentários de Trump enfraquecem a NATO, dão à Rússia licença para causar problemas e por isso aumentam os riscos de um renovado conflito nos Balcãs", escreveu no Twitter o general Wesley Clark, antigo comandante supremo da NATO.
O general lembrou ainda que só numa ocasião, nos quase 70 anos de história da NATO, é que o artigo 5.º foi usado - depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA. E que Montenegro ainda hoje está a enviar tropas para o Afeganistão (já o fazia, ainda antes de aderir à NATO).
Os comentários de Trump sobre Montenegro surgem depois de a cimeira da NATO, em Bruxelas, ter ficado marcada pela pressão do presidente norte-americano para os países da Aliança destinarem 2% do PIB nacional à defesa. Um objetivo que todos acordaram deve ser cumprido até 2024, mas Trump quer mais e mais cedo.
Encontro com Putin
Trump continua entretanto a defender os seus esforços para criar uma relação com o presidente russo, Vladimir Putin. Isto depois de ter sido criticado por não ter questionado publicamente Putin, na cimeira a dois em Helsínquia (Finlândia), sobre a alegada interferência russa nas eleições norte-americanas de 2016, parecendo confiar mais nele do que nos serviços de informação dos EUA.
"Olha, o facto é que nos demos muito bem", disse Trump numa entrevista à CNBC, gravada na quinta-feira e emitida nesta sexta, indicando contudo que os dois não estão de acordo em tudo. "Eu tive uma reunião que durou mais de duas horas. Nem tudo foi conciliatório nessa reunião", afirmou Trump, sem elaborar. "Discutimos uma série de coisas boas para ambos os países, francamente", acrescentou, dizendo depois que se as coisas não correrem bem "vou ser o pior pesadelo dele".
O presidente já deu instruções à sua equipa para convidar Putin a visitar Washington, no outono, com Moscovo a indicar que estará aberto a conversar sobre o tema.
Entretanto, Putin terá dito numa reunião com embaixadores e diplomatas russos em Moscovo, na quinta-feira, que propôs a Trump a realização de um referendo no leste da Ucrânia, nas regiões de Donetsk e Luhansk, controladas por rebeldes pró-russos desde a anexação da Crimeia, em 2014. A informação foi avançada pela Bloomberg, que cita duas pessoas que estiveram no encontro. O presidente russo terá concordado não falar dessa proposta publicamente até o homólogo norte-americano pensar nisso.