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21 JAN 2019
21 janeiro 2019 às 06h26

Uma questão de ADN: Mick Schumacher, o próximo filho de campeão nas pistas da F1?

A pressão de carregar nas pistas o apelido de um campeão não impede muitos pilotos de tentar seguir o caminho dos pais. Há histórias de sucesso, mas também grandes desilusões.

Rui Frias

Resguardado em ambiente de grande secretismo desde o acidente de esqui que sofreu nos Alpes franceses no final de 2013, não se sabe se Michael Schumacher tem ou não consciência da carreira que o filho Mick tem percorrido no mundo das corridas de automóveis nos últimos anos - e que o levaram a assinar contrato com a Ferrari por estes dias, com o sonho da Fórmula 1 no horizonte.

Sabe-se, sim, que não era esse o cenário preferido pelo heptacampeão de F1 para o futuro do filho. Disse-o ainda antes desse trágico domingo de esqui na estância de Meribel, questionado um dia sobre a possibilidade de Mick querer seguir-lhe o rasto nas pistas. "Preferia mantê-lo afastado das pistas, talvez num campo de golfe. Pude ver com Jacques Villeneuve ou com Damon Hill, e até com o meu irmão Ralf, o peso que um apelido pode ter", justificou Michael, o recordista de títulos na história da Fórmula 1.

Mick não seguiu o conselho, porém. Ainda antes do acidente a que assistiu de perto, pois acompanhava Michael nessa tarde de esqui, o filho mais velho do campeão alemão já mostrava destreza ao volante dos karts. Então, usava ainda o apelido de solteira da mãe, Betsch, para afastar os olhares curiosos e as comparações com o pai, o homem que bateu uma longa lista de recordes históricos na Fórmula 1. Mas desde que Michael Schumacher ficou em clausura, após meses de coma induzido, Mick assumiu o apelido, procurando honrar o legado do progenitor.

A carreira de Mick passou a estar, naturalmente, sob atenção mediática permanente. O peso histórico é enorme, mas o filho de Michael vai alimentando as expectativas: depois de vice-campeão do mundo nos karts, em 2014, foi galgando fórmulas na hierarquia do automobilismo mundial e no ano passado tornou-se mesmo campeão da Fórmula 3 europeia. Agora, aos 19 anos, ganhou um lugar na academia de jovens pilotos da Ferrari, que acolhe talentos com potencial de se tornarem estrelas futuras da F1, num ano em que vai correr o campeonato que serve de antecâmara para a elite, a Fórmula 2.

"É mais um passo na direção certa, à procura do sonho de correr na Fórmula 1", celebrou o alemão, que procura percorrer os trilhos já traçados por outros filhos de antigos campeões e ex-pilotos antes dele. Dos Rosberg aos Villeneuve, dos Hill aos Brabham, dos Piquet aos Verstappen, há várias amostras de ADN que se replicam na categoria rainha do automobilismo. E, entre essas, há algumas histórias de sucesso para alimentar o sonho de Mick Schumacher, mas também vários casos de desilusão.

Apelidos que se repetiram como campeões, em gerações diferentes, na história da Fórmula 1, só há mesmo dois: Hill (de Graham e Damon) e Rosberg (de Keke e Nico). Depois, há filhos que conseguiram justos prémios para o legado dos pais, como Jacques Villeneuve, e outros que não suportaram o peso das comparações, como Michael Andretti ou Nelson Piquet Jr.

Recordamos aqui os exemplos mais famosos, aos quais Mick procurará juntar em breve o dos Schumacher.

Os Hill

Damon (filho): 115 GP, 22 vitórias, 20 poles, 42 pódios, 360 pontos, 1 título mundial (1996)
Graham (pai): 176 GP, 14 vitórias, 13 poles, 36 pódios, 289 pontos, 2 títulos mundiais (1962, 1968)

Conhecido como o Senhor Mónaco, pelas cinco vitórias na corrida monegasca, o britânico Graham Hill foi um dos grandes nomes do circo da F1 na década de 1960. Ganhou dois títulos mundiais, o primeiro em 1962 ao volante de um BRM e o segundo em 1968 com um Lotus, e conseguiu um feito inédito de ganhar a tripla coroa do desporto automóvel: o GP do Mónaco, as 24 Horas de Le Mans e as 500 milhas de Indianápolis. Fundou a equipa Embassy Hill, mas não teve tempo para suceder também como proprietário: morreu em novembro de 1975, aos 46 anos, quando o avião que ele próprio pilotava se despenhou no regresso de França ao Reino Unido.

Damon tinha apenas 15 anos quando o pai morreu e não tinha começado ainda a sua própria carreira nas pistas. Teve de a patrocinar através de empréstimos e com poucos patrocinadores, apesar do apelido, e foi com alguma surpresa que chegou à F1, como piloto de testes da Williams, em 1991, após uma carreira discreta nas fórmulas anteriores. A chegada de Alain Prost à Williams em 1993 foi a sorte grande de Damon Hill, depois de o francês, alegadamente, ter vetado outros nomes para companheiro de equipa.

No ano seguinte, foi companheiro de Ayrton Senna, até o brasileiro morrer na fatídica curva de San Marino. E ficou então como aposta principal da equipa de Frank Williams para o título, entregando-se a uma acesa rivalidade com o alemão Michael Schumacher nas pistas. Depois de perder para Schumacher em 1994 e 1995, Hill chegou finalmente ao título em 1996, tornando-se o primeiro filho de um ex-campeão a conseguir repetir o feito do pai.

Os Rosberg

Nico (filho): 206 GP, 23 vitórias, 30 poles, 57 pódios, 1594,5 pontos, 1 título mundial (2016)
Keke (pai): 114 GP, 5 vitórias, 5 poles, 17 pódios, 159,5 pontos, 1 título mundial (1982)

O estilo exuberante de Keke Rosberg ao volante valeu-lhe uma legião de admiradores e no início dos anos 1980 o finlandês coroou mesmo a sua passagem pelas pistas da Fórmula 1 com um título mundial apesar de só ter vencido um Grande Prémio (França) nessa temporada. Tendo começado a carreira na F1 relativamente tarde, aos 29 anos, Keke cativou adeptos e responsáveis de equipa com a destreza de uma condução agressiva que convenceu Frank Williams a contratá-lo para a época de 1982. Nesse ano, Rosberg ganhou o campeonato com cinco pontos de vantagem sobre Didier Pironi, que sofreu um grave acidente e pôs fim à carreira, no GP Alemanha, a três provas do final. De resto, a época trágica já registara a morte de Gllles Villeneuve, durante a qualificação para o GP da Bélgica.

Mais de três décadas depois, foi a vez de Nico conseguir também chegar ao título de campeão do mundo, ao volante de um Mercedes, batendo aquele que é o grande nome da atual geração da F1, Lewis Hamilton. Nico Rosberg celebrou o título naquela que era já a sua 11.ª temporada na categoria rainha do automobilismo, na qual tinha entrado em 2006 pelas portas da Williams, a escuderia pela qual o pai tinha sido campeão em 1982. Alcançado o sonho, Rosberg anunciou a retirada poucos dias depois da celebração do título, no final de 2016,

Os Villeneuve

Jacques (filho): 163 GP, 11 vitórias, 13 poles, 23 pódios, 235 pontos, 1 título mundial (1997)
Gilles (pai): 67 GP, 6 vitórias, 2 poles, 13 pódios, 107 pontos

Para lá dos Hill e dos Rosberg, os Villeneuve são os únicos outros exemplos de pai e filho que conseguiram ganhar corridas na Fórmula 1. O pai, Gilles, foi um dos mais idolatrados pilotos da sua geração. Figura da Ferrari no final da década de 1970 e início de 1980, ganhou seis corridas ao volante de um carro vermelho e foi vice-campeão do mundo em 1979. Morreu aos 32 anos, durante a qualificação para o Grande Prémio da Bélgica de 1982, sem conseguir festejar um título.

O estilo de Gilles perdurou na memória coletiva ao longo de muito tempo e a carreira do filho Jacques, que tinha 10 anos quando da morte do pai, veio reavivar o encanto em torno do apelido Villeneuve na F1. Depois de se tornar o mais novo campeão da IndyCar, em 1995, o hype mediático em redor do jovem canadiano estava no auge e Jacques mudou-se para a Fórmula 1, à procura do título que escapara ao legado de Gilles. Conseguiu-o em 1997, após luta acesa com o Michael Schumacher que terminou com os dois a colidir na última corrida, levando à desistência do alemão.

Os Piquet

Nelson Jr (filho): 28 GP, 0 vitórias, 0 poles, 1 pódio, 19 pontos
Nelson (pai): 204 GP, 23 vitórias, 24 poles, 60 pódios, 485,5 pontos

Um dos mais celebrados e respeitados pilotos dos anos 1980, o brasileiro Nelson Piquet ganhou 23 corridas e três títulos mundiais nessa década: dois com a Brabham (1981 e 1983) e outro com a Williams, em 1987, aos 35 anos. Ficou famosa a sua rivalidade com o britânico Nigel Mansell, com quem se envolveu em alguns acidentes que lhe retiraram a hipótese de pelo menos mais um título, em 1986, quando os dois eram colegas de equipa na Williams. Manteve-se na F1 até 1991, ganhando a sua última corrida no GP do Canadá desse ano, aos 39 anos.

Um legado que se revelou demasiado pesado para Nelson Piquet Jr., quando o filho mais velho de Piquet chegou à Fórmula 1. Primeiro como piloto de testes da Renault, em 2007, e depois com direito a um dos dois lugares da equipa no ano seguinte, ao lado do espanhol Fernando Alonso. Conseguiu apenas um pódio, na Alemanha, e deixaria a F1 no ano seguinte, envolvido em suspeitas de ter provocado propositadamente o seu acidente no GP de Singapura de forma a beneficiar o colega Alonso, que ganharia a corrida.

Os Andretti

Michael (filho): 13 GP, 0 vitórias, 0 poles, 1 pódio, 7 pontos
Mario (pai): 128 GP, 12 vitórias, 18 poles, 19 pódios, 180 pontos, 1 título (1978)

Uma das mais famosas, senão a mais famosa, famílias ligadas ao desporto automóvel. Filho de imigrantes italianos que atravessaram o Atlântico rumo aos Estados Unidos na primeira metade do século passado, Mario Andretti conquistou o universo das corridas norte-americanas antes de se mudar para a Fórmula 1, à qual só chegou, a tempo inteiro, já com 35 anos, em 1975, depois de algumas corridas esporádicas em anos anteriores - entre as quais a que lhe valeu a primeira vitória no circo, no GP do EUA em 1971, com um Ferrari. Ganhou o título mundial em 1978, com um Lotus, e voltou aos EUA em 1981, para se manter em competição na Indy Car até para lá dos 50 anos.

O filho Michael também começou por ter sucesso nas corridas em solo americano, mas a sua transição para a Fórmula 1 foi um fracasso. Contratado pela McLaren, em 1993, para ser colega do brasileiro Ayrton Senna, Andretti não conseguiu mais do que um pódio ao longo da temporada e voltou para os EUA. Mais tarde, acusou a equipa de o sabotar para o substituir pelo finlandês Mika Hakkinen.

Os Brabham

David (filho): 30 GP, 0 vitórias, 0 poles, 0 pódios, 0 pontos
Gary (filho): 2 GP, 0 vitórias, 0 poles, 0 pódios, 0 pontos
Jack (pai): 126 GP, 14 vitórias, 13 poles, 31 pódios, 261 pontos, 3 títulos (1959, 1960 e 1966)

O australiano Jack Brabham é um dos grandes nomes dos primeiros tempos da história da Fórmula 1. Campeão mundial por três vezes, em 1959, 1960 e 1966, foi também o único piloto de todos os tempos a ganhar o campeonato com um carro de uma equipa montada por si, a Brabham, no seu último título. Manteve-se a ganhar corridas até 1970, quando obteve o seu último triunfo no GP da África do Sul, aos 44 anos e 16 anos depois da sua estreia na F1.

Dois dos seus filhos, David e Gary, chegaram também à categoria rainha do automobilismo, mas sem ponta do sucesso do pai. Gary só fez mesmo duas tentativas frustradas de qualificação, em 1990, pela Ligier, enquanto David ainda participou em duas temporadas, em 1990 e 1994, mas sem sucesso.

Os Verstappen

Max (filho): 81GP, 5 vitórias, 0 poles, 22 pódios, 670 pontos
Jos (pai):106 GP, o vitórias, 0 poles, 2 pódios, 17 pontos

Além daqueles filhos de campeões ou figuras lendárias (como Villeneuve), a Fórmula 1 teve e continua a ter vários exemplos de filhos de antigos pilotos a chegarem ao Mundial. O mais famoso, atualmente, é o holandês Max Verstappen, um dos mais aclamados nomes da grelha de partida e que fez história ao tornar-se, em 2015, o mais jovem de sempre a participar numa corrida de Fórmula 1 - ainda menor de idade, com 17 anos e 166 dias - e, no ano seguinte, o mais jovem a ganhar um Grande Prémio, com o triunfo em Espanha na estreia pela Red Bull

Filho de Jos Verstappen, que disputou oito temporadas na F1 entre 1994 e 2003, Max já ultrapassou o registo do pai, que apenas conseguiu subir ao pódio por duas vezes em 106 corridas. Max já soma cinco vitórias e é considerado um dos pilotos com mais potencial para se juntar ao grupo dos campeões no futuro.

Poderá Mick adicionar o apelido Schumacher a esta lista de pais e filhos? É o que o mundo do automobilismo aguarda ansiosamente para ver nos próximos tempos.