Internacional
19 outubro 2021 às 22h14

"Perguntam-nos como é possível pactuar com o Vox quando eles pactuam com os herdeiros da ETA"

Alcaide de Madrid desde 2019, José Luis Martínez-Almeida veio a Lisboa assistir à tomada de posse de Carlos Moedas como autarca da capital portuguesa. Ao DN afirmou estar convicto de que o PP vai ser governo e critica aliança entre o PSOE e independentistas catalães e bascos.

Numa entrevista recente ao ABC, Carlos Moedas referiu que há quem diga que ele tem algo de Martínez-Almeida. Isso pode ser entendido como os dois terem uma idade próxima, virem do mesmo campo político - centro-direita - e serem presidentes de capitais . Também podemos dizer que partilham a fórmula de tirar os socialistas do poder, tanto em Espanha como em Portugal?

Acabo de estar com Carlos Moedas e conversámos a esse respeito. Creio que a vitória de Moedas em Lisboa e o resultado eleitoral do Partido Popular na comunidade de Madrid pode antecipar uma mudança do ciclo político, tanto no governo de Portugal como no governo de Espanha. Ao mesmo tempo comentámos que temos coincidências: muito pouca gente pensava que Moedas iria ser o presidente da Câmara de Lisboa e muito pouca gente pensava que eu iria ser alcaide de Madrid; vimos da mesma família política; e cabe-nos demonstrar que merecemos a confiança que nos foi dada. Creio que Carlos Moedas está mais do que capacitado para o poder fazer.

Os dois partidos estão no mesmo grupo no Parlamento Europeu, são ambos conservadores, mas o Partido Social Democrata - o nome dirá ainda alguma coisa - ainda é mais centrista do que o PP espanhol. Para um partido ser verdadeira alternativa aos socialistas e à esquerda é importante uma afirmação clara de que é de direita?

Nós somos uma afirmação clara de que há alternativa às políticas socialistas. Em Espanha, neste momento, o PP demonstrou que as maiorias se constroem com todo o centro-direita. Esse espaço eleitoral fragmentou-se, o que fez com que tivéssemos menos força política, mas creio que partidos como o PSD ou o PP têm a capacidade de aglutinar todas aquelas políticas de todas as pessoas que se situam à direita e no que entendemos como social-democracia. Portanto, somos capazes de pôr em marcha políticas liberais que podem chegar a um grande número de pessoas. Neste momento, temos de ter a capacidade de chegar ao maior número de pessoas possível e isso através do postulado liberal, pessoas que se sintam confortáveis dentro de um projeto que albergue diferenças, mas que seja um projeto comum e um projeto amplo.

Gosta mais da designação de direita liberal do que da de direita conservadora?

Nós consideramos que temos de agrupar todas as grandes famílias no âmbito do centro-direita - pessoas liberais, pessoas que são mais conservadoras -, sobretudo temos de ter a capacidade de nos conectar com uma ampla maioria social que se pode sentir dentro desses postulados, mas sabendo que ser-se liberal implica, por exemplo, certas políticas económicas e sociais. Não queremos que a palavra conservador seja estigmatizadora, somos conservadores no sentido em que temos de conservar aquilo que é o melhor que temos e, portanto, ser conservador não é pejorativo confrontado com ser progressista.

Em Portugal fala-se muito de uma linha vermelha em relação aos partidos mais à direita como o Chega, que apesar de tudo tem uma influência mais pequena que o Vox. Em Espanha, para obter essa maioria ampla de direita, o Vox é um parceiro como os outros?

Os nossos adversários políticos perguntam-nos como é possível irmos pactuar com o Vox quando eles estão a pactuar com forças independentistas catalãs e com forças como o Bildu, herdeiras do que era a ETA, portanto não temos que receber lições sobre pactos e acordos daqueles que estão a fazer acordos com forças políticas, que são legítimas, mas contrárias ao nosso modelo constitucional de 1978 e que dizem abertamente que querem acabar com esse modelo constitucional. Em segundo lugar, o que nós acordamos com o Vox são determinadas políticas, e eu, em relação à cidade de Madrid, o que tenho acordado com o Vox não toca em questões que preocupam habitualmente setores da esquerda. Estou a falar de direitos civis, da violência de género, e desafio os meus adversários a dizerem o que mudou nessas áreas como consequência dos meus acordos com o Vox. Agora, se me perguntar se concordo em fazer pactos com o Vox para termos impostos mais baixos, sim; se estou de acordo em fazer pactos com o Vox no que respeita a reforçar a segurança da cidade, sim; se estou de acordo em fazer pactos com o Vox para determinadas infraestruturas públicas, sim. O que dizemos a todos os que nos criticam e têm acordos com forças contrárias ao regime constitucional de Espanha é que nos expliquem em que é que os nossos acordos com o Vox impactam o nosso modelo constitucional e o nosso modelo de convivência.

Portanto, não excluem novos pactos com o Vox se necessário?

Os pactos virão depois das eleições, mas, na minha opinião, não se deve ir para eleições a pensar com quem é que terei de fazer acordos. Vamos para eleições a pensar no maior número de eleitores a votar em nós e no nosso programa de governo. Por exemplo, as eleições de 4 de maio na Comunidade de Madrid que foram as que supõem também uma mudança do rumo político, como pode acontecer em Portugal. Há a pergunta recorrente de se nós íamos fazer acordo com o Vox depois das eleições regionais. Ora, o PP partiu a pensar que ia somar mais do que as três forças da esquerda - PSOE, Mais Madrid e Podemos. Os cidadãos entenderam a mensagem que queríamos transmitir, que éramos capazes de nos conectar com a maioria deles e que essa maioria nos ia permitir governar de acordo com o nosso programa eleitoral. Por isso, não podemos falar antes sobre os pactos, tem de se deixar para depois porque se falamos antes, não estamos a transmitir aos cidadãos a necessidade de que a maioria vote em nós para podermos governar.

Creio que está otimista em relação a o PP vir a ser governo em Espanha. Será sempre uma opção entre Pablo Casado e Isabel Díaz Ayuso ou Ayuso é um projeto para o futuro?

Não há qualquer dúvida de que Pablo Casado vai ser o próximo candidato do PP à presidência do governo e que vai ser o próximo presidente. Terminámos há apenas duas semanas uma convenção nacional onde todo o partido se uniu em torno de Casado que, há três anos, apanhou o PP numa situação muito difícil. Isabel Díaz Ayuso foi designada por Pablo Casado como candidata à presidência da Comunidade de Madrid e ganhou. Se me perguntar se me parece que Díaz Ayuso tem muita relevância política, concordo totalmente. Quanto mais figuras tivermos do calibre de Díaz Ayuso, mais facilidade teremos de contactar com os espanhóis e lhes explicar o projeto de Casado. Creio que um partido ter excesso de talento é melhor do que não ter talento.

Para nós, portugueses, é difícil de entender o sistema autonómico espanhol, e o caso de Madrid é um exemplo porque é uma cidade e é uma comunidade. Como é a repartição de funções entre o Alcaide e a Presidente da Comunidade?

É um sistema de competências com uma explicação muito simples: as competências que tem a Câmara de Madrid são as mais próximas dos cidadãos, as que têm maior capacidade de dar soluções aos seus problemas quotidianos. Quando um madrileno põe um pé fora de casa, o que quer é que a administração tenha limpado as ruas, que haja bons transportes públicos, que as zonas verdes estejam em bom estado de manutenção, ou seja, questões que podem parecer muito comezinhas, mas que são muito importantes para os cidadãos. Já a Comunidade tem competências que têm que ver com a saúde, educação, serviços sociais e coordenação de todos os municípios que constituem a Comunidade Autónoma de Madrid. Basicamente, as competências da Comunidade de Madrid - e que a Câmara não tem - são verdadeiramente importantes para os cidadãos, enquanto na Câmara temos as competências fundamentais em tudo o que respeita ao funcionamento interno da cidade.

Qual é a sua visão do separatismo catalão? O problema está em vias de solução ou mantém-se?

O problema mantém-se, até porque os próprios separatistas catalães dizem que se tem de manter. O problema não é dizerem-no, o problema é que o dizem a partir da sua posição de apoiantes do Governo de Espanha. Neste momento, aqueles que intentaram contra a unidade de Espanha e que ao mesmo tempo dizem o que o Governo deve fazer, fazem parte do conjunto daqueles que sustentam o Governo da nação. A situação é preocupante e o que há que transmitir a todos os catalães é que tudo se decide entre todos. É uma regra básica da democracia e do Estado de direito. Não se pode falar de independência e de direitos à margem das regras de convivência que estabelecemos todos em 1978.

Não vê uma ação positiva de Pedro Sánchez nos últimos anos ao tentar acalmar um pouco as coisas?

O problema da atuação de Pedro Sánchez como chefe do Governo é que até agora não conseguiu que os movimentos independentistas catalães digam que não o vão fazer. No dia em que o disserem poderemos começar a pensar que Pedro Sánchez deu um passo nesse sentido.

O Podemos também fez umas declarações muito fortes contra a continuidade da monarquia espanhola. É uma situação que pode dividir ainda mais os espanhóis do que a questão da Catalunha?

Não, e por uma razão: a monarquia, com Filipe VI, está firmemente alicerçada e consolidada. A imagem de Filipe VI leva a uma união forte em Espanha. Creio que a grande maioria dos espanhóis aprecia e valoriza o trabalho que tem feito desde que foi coroado Rei de Espanha em 2014. Foram tempos muito complicados também, os que lhe couberam viver. Portanto, estou certo que o Podemos, neste caso, chocou contra um muro que não vai conseguir derrubar, que é o de Filipe VI e da monarquia.

Em Portugal , durante muitos anos, ouvimos que muitos espanhóis que eram republicanos eram também "juancarlistas" e aceitavam a monarquia porque apreciavam o papel do rei na transição democrática e na reação ao golpe do 23-F. Pode-se dizer, a favor da monarquia, que os republicanos já são "filipistas"?

Não, o melhor que podemos dizer é que não há juancarlistas nem filipistas, mas sim que a maioria dos espanhóis valoriza a monarquia como uma instituição essencial para a estabilidade de Espanha e do nosso sistema institucional. Creio que se não houvesse monarquia em Espanha, o nosso modelo de convivência ver-se-ia extremamente debilitado e submetido a tensões dos diferentes partidos políticos nas situações complicadas. Portanto, eu não creio que os espanhóis fossem juancarlistas ou agora sejam filipistas, acho que o povo espanhol percebe que a monarquia é uma instituição útil que garanta a estabilidade do modelo constitucional de 1976. Penso que uma muitíssimo ampla maioria de espanhóis, independentemente do que seja o seu pensamento político, se identifica com um modelo de convivência e de estabilidade que nos deu 40 anos muito bons. E, a monarquia, dentro desse modelo, é uma pedra angular. É certo que se dizia haver muitas pessoas que eram republicanas, mas que eram juancarlistas e agora filipistas. Eu creio que agora, nas sondagens, aparece uma maioria de espanhóis que entende a monarquia como fator de estabilidade fundamental.

Quando faz as suas viagens - oficiais ou particulares - como vê a imagem de Espanha no exterior? É a de uma nação democrática, forte, poderosa, com pujança cultural, capaz resiste às tensões internas?

Em primeiro lugar, Espanha é uma nação importante ao longo da História, especialmente na influência da construção ibero-americana, que são umas relações de respeito, afeto e carinho, e, nesse sentido, são relações para permanecer. É certo que perdeu a capacidade de influência no âmbito da União Europeia: Espanha é o quarto país da UE e Madrid a segunda capital. No entanto, não estamos na posição que deveríamos ter no âmbito da tomada de decisões e da influência de um país com essas características. Em segundo lugar, em relação ao vínculo com o Atlântico e com os Estados Unidos, todos vimos que o presidente Biden não tem muita consideração pelo Governo de Espanha e particularmente por Pedro Sánchez, e creio que isso não é bom. Em terceiro lugar, deprecia-se o facto de, no âmbito da Ibero-América, Espanha desempenhar um papel protagonista. Creio que numa posição que a UE tem de ter em relação a isso, Espanha tem de liderar, o que não acontece. Portanto, creio que não temos a influência que deveríamos na UE. Portugal também tem as suas áreas de influência, e não pode ser de outra maneira. Creio que nenhum português entenderia se não exercesse a liderança nas suas zonas de influência.

Crê que com o PP no governo e com o governo de Portugal eventualmente da mesma cor política, as relações podiam ser melhores ou já estão a um nível insuperável?

Entendo que as relações entre Portugal e Espanha são boas independentemente dos governos e, neste caso, os governos são do mesmo sinal ideológico, mas quando não eram, como no caso do Governo de Mariano Rajoy e do de António Costa, o nível das relações e de cooperação era também bom. Independentemente dos governos, Espanha e Portugal consideram-se nações irmãs, que partilham o mesmo espaço geográfico e têm intensíssimas relações históricas, culturais e de carácter afetivo. Nesse sentido, Espanha e Portugal entender-se-ão sempre bem à margem dos governos que tiverem.

Com base na sua experiência como alcaide, qual é o conselho que daria a Carlos Moedas como presidente da Câmara de Lisboa?

Com o currículo que Carlos Moedas tem, por onde passou e pelos cargos de responsabilidade que teve, ele está perfeitamente qualificado para ser o presidente da Câmara de Lisboa e creio que vai fazer um trabalho extraordinário. Mas sim, aí dou-lhe um conselho: que esteja na rua, em proximidade com as pessoas. Um presidente que ande na rua tem de escutar as pessoas, estar consciente dos seus problemas... É muito fácil fecharmo-nos num gabinete rodeado de papéis e estar todo o dia em reuniões com os colaboradores, mas o que qualifica verdadeiramente um presidente da Câmara é passar o máximo de tempo possível na rua e creio que ele o vai fazer.

leonidio.ferreira@dn.pt