Sociedade
17 maio 2022 às 22h17

Ministério da Defesa. Holding pública gastou 330 mil euros em advogados, consultores e móveis para se renovar

Renovada em 2020 e com o jurista Marco Capitão Ferreira, atual secretário de Estado da Defesa, na presidência do Conselho de Administração, a IdD - Portugal Defence, a holding estatal das indústrias de Defesa já gastou 60 mil euros em advogados e 260 mil numa consultora.

A holding do Ministério da Defesa, IdD - Portugal Defence, criada para promover as empresas e indústria nacional e renovada em 2020, ainda não prestou contas públicas da sua atividade.

A 13 de junho desse ano, o governo anunciou a reforma da gestão das participações públicas na área de economia da Defesa e escolheu Marco Capitão Ferreira, atual secretário de Estado da Defesa, para assumir a presidência do Conselho de Administração. Nenhum relatório e contas ou de atividades foi ainda publicado.

A IdD é responsável pela gestão da carteira de participações do Estado na indústria de Defesa: 100% das ações da Arsenal do Alfeite e da Empordef - Tecnologias de Informação S.A.. Detém também 59,8% da empresa "Extra - Explosivos da Trafaria", 45% da "Naval Rocha - Sociedade de Construção e Reparações Navais", 35% da "OGMA - Indústria Aeronáutica de Portugal", 18% da "EID - Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica" e 17,5% da "EDISOFT - Empresa de Serviços e Desenvolvimento de Software".

Uma pesquisa no portal dos contratos públicos, base.gov, indica que a nova equipa liderada por Marco Capitão Ferreira, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, firmou desde a sua tomada de posse, dois contratos com a mesma sociedade de advogados, a Pais de Vasconcelos & Associados - Sociedade de Advogados, no valor total de 39 900 euros.

Um, logo em setembro de 2020, por "serviços de assessoria jurídica em matéria de Direito Comercial e Direito das Sociedades, para apoio nas questões nas questões desta natureza que resultam ou envolvam o processo de reestruturação da IdD".

Outro, já em fevereiro deste ano, na mesma linha, por "prestação de serviços de assessoria jurídica em matéria de direito comercial, direito das sociedades e de contratação pública, para apoio no processo de reestruturação.

Ao mesmo tempo que contratou a Pais de Vasconcelos em setembro de 2020, pagou outros 19 950 euros ao jurista David Figueiredo Martins, por "serviços de assessoria jurídica em matéria de Direito do Trabalho, para apoio nas questões desta natureza que resultam ou envolvam o processo de reestruturação da IdD".

Ou seja, os aspetos jurídicos desta reestruturação custaram ao Estado só neste período 59 850 euros.

Também a mudança de instalações da sede da IdD para o Palácio Bensaúde, onde já está a Inspeção-Geral da Defesa Nacional e o Balcão da Defesa, teve um custo significativo.

De acordo ainda com o portal base.gov a "empreitada para obras de adaptação" custou cerca de 130 mil euros.

Mais surpreendente é o valor de 9 100 euros gastos já em abril deste ano só em "mobiliário de escritório para arquivo, sala de reuniões e sala do Presidente do Conselho de Administração".

Inquirido sobre esta despesa, designadamente sobre que valor exato tinha sido despendido no gabinete ainda de Marco Capitão Ferreira o porta-voz oficial da empresa esclareceu: "Com o objetivo de rentabilizar o património imobiliário público, a IdD mudou-se do Restelo Business Center, onde pagava renda, para o Palácio Bensaúde, propriedade do Ministério da Defesa Nacional. Nas novas instalações existiam espaços que anteriormente não tinham aproveitamento e que, por isso, foram transformados para criar uma sala de arquivo e uma sala de reuniões, tendo sido necessário proceder à aquisição de equipamentos. A distribuição aproximada do seu valor é a seguinte: 3000 euros para a sala de reuniões (divisória em vidro, porta de alumínio, mesa e cadeiras); 5000 euros para a sala de arquivo (armários com altura total, prateleiras e portas, estantes com 160 prateleiras); e 1100 euros para a sala do Presidente do Conselho de Administração (mesa de reuniões e cadeiras)"

Assim, conclui esta fonte oficial, "esta mudança visa precisamente rentabilizar o património existente afeto à Defesa Nacional, sendo, portanto, uma medida de boa gestão".

Os outros contratos de maior valor feitos durante a liderança do atual secretário de Estado foram um de 189 mil euros com a consultora Ernst & Young, para "aquisição da prestação de serviços de desenvolvimento de website para a economia de defesa" e outro com a mesma empresa, de 74 450 euros para "prestação de serviços de criação de um sistema de Business Intelligence".

Por outros 74 700 euros foram comprados "serviços de assistência ao utilizador e gestão de infraestrutura informática" à empresa Bitwoci.

O último contrato que foi publicado nesta plataforma, dia três do corrente mês, diz respeito à "aquisição de serviços de imagem e comunicação estratégica" à empresa Solos, no valor de 19 800 euros.

Questionada sobre porque ainda não está sequer publicado o relatório de contas de 2020, cujo prazo legal de apresentação era 31 de maio de 2021, fonte oficial da IdD refere que "o relatório e contas de 2020 foi entregue às tutelas em outubro passado e aguarda marcação de assembleia geral para análise e aprovação por parte do acionista Estado, processo que se atrasou em virtude da mudança de governo".

Sublinha ainda que "devido à situação pandémica provocada pela COVID-19, os normais prazos de prestação de contas do ano de 2020 foram alargados para setembro / outubro 2021".

Fonte oficial do gabinete da Ministra da Defesa, Helena Carreiras, confirma: "Tendo o XXIII Governo tomado posse a 30 de março, a assembleia geral da referida empresa pública, na qual o relatório em causa será apreciado e votado (e posteriormente publicado), será agendada com a brevidade possível", diz o porta-voz.

Igualmente desta assembleia-geral depende a ratificação da nomeação da sucessora de Marco Capitão Ferreira, a jurista Catarina Nunes, sua antiga vogal que o tem acompanhado nas participadas estatais de defesa nos últimos anos.

"A Dra. Catarina Nunes foi nomeada formalmente para o cargo de PCA da IdD Portugal Defence de acordo com os procedimentos legais previstos no código das sociedades comerciais e encontra-se em pleno exercício do cargo. Nomeação a ser ratificada pelo acionista Estado na próxima assembleia geral da sociedade", afiança o porta-voz da holding.

O atual secretário de Estado e Catarina Nunes têm ainda em comum o facto de terem transitado de gabinetes de ministros. Marco Capitão Ferreira entrou no governo pela mão do ex-ministro da Defesa Socialista, Nuno Severiano Teixeira, de quem foi assessor jurídico e entre 2008 e 2011 foi administrador da Empordef (Empresas Portuguesas de Defesa), a antiga holding que geria as participações do Estado nas indústrias de Defesa e que foi extinta em dezembro de 2019.

Com o ex-ministro da Defesa João Gomes Cravinho (atual ministro dos Negócios Estrangeiros), este jurista foi designado para a Comissão Liquidatária da Empordef, para presidente do Conselho de Administração da Empordef Tecnologias de Informação (ETI) e para administrador não-executivo das OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal), esta última marcada pela saída, em rutura, do tenente-general Luís Araújo (ex-chefe de estado-maior da Força Aérea.

Quando assumiu a liderança da IdD escolheu para o seu núcleo duro Catarina Nunes, que era assessora de Cravinho. Esta jurista, quadro do ministério da Economia, acompanhou Capitão Ferreira na liquidação da Empordef e foi ainda designada para as OGMA, como administradora não executiva.

Uma das suas primeiras funções foi coordenar um gabinete de acompanhamento das novas políticas de defesa da União Europeia, área em que se especializou, juntamente com a dos fundos comunitários para a defesa, outra matéria que a holding se propõe a promover no nosso país.

Instada a indicar as ações de maior relevo que foram executadas pela nova equipa, ainda liderada por Marco Capitão Ferreira, nestes quase dois anos, o porta-voz da IdD sugere que se consulte "a área de notícias no site da IdD Portugal Defence, em particular a newsletter RADAR".

Em 2021, é destacado o "primeiro estudo sobre Economia de Defesa em Portugal", o Seminário Internacional sobre Economia de Defesa Europeia"; o lançamento "ainda em modo piloto, da primeira turma da Academia do Arsenal, para atender às necessidades do cluster naval, um projeto que conta com o apoio do PRR"; a assinatura de um protocolo para o lançamento da Academia Aeronáutica, na OGMA, replicando o modelo para o cluster aeronáutico"; e a participação no "desenvolvimento do EU Cyber Academia and Innovation Hub".

Já no primeiro trimestre do corrente ano, é salientado que "a idD está a acompanhar de perto os desenvolvimentos sobre o Fundo Europeu de Defesa para 2022, organizando um conjunto de iniciativas para esclarecer as entidades nacionais sobre boas práticas para integração de consórcios e para encontro de oportunidades" e que "no campo da internacionalização, a IdD esteve presente na 14th European Space Conference, na WDS 2022, na Arábia Saudita, e na ISDEF 2022, em Israel, para promover a Economia de Defesa Nacional e desenvolver contactos que possam trazer negócio para Portugal".

Neste mês de maio, no passado dia 12, a IdD organizou um Industry Day Portugal - Reino Unido com a ADS Britânica (Aerospace, Defence Security & Space) no Forte de S. Julião da Barra, em Oeiras, com o propósito de fomentar a cooperação entre as entidades dos dois países".

A agenda disponível no site até final de julho, regista essencialmente deslocações a feiras internacionais em vários países.

De acordo com um relatório sobre "remunerações por género" disponível no site oficial da holding, relativo a 2020, os membros do Conselho de Administração (atualmente com quatro elementos) têm um salário médio de 4 608 euros.

Os estatutos foram alterados a 29 de junho de 2020 - quando a empresa, com Marco Capitão Ferreira a comandar se transformou em " IdD - Portugal Defence".

Foi atribuído à holding o poder de "assessorar as transações de equipamentos militares, nomeadamente no âmbito da execução da Lei Programação Militar (LPM), em articulação com a Direção-Geral de Recursos de Defesa Nacional".

Com base nesta nova função, o ex-ministro da Defesa fez um contrato com a IdD para ser esta fazer a gestão do programa de aquisição dos seis navios patrulha oceânicos para a Marinha, cujo pagamento pode chegar a cerca de cinco milhões de euros durante os 10 anos do plano.

Contudo, este trabalho, que já é assumida como certo pela IdD na sua página oficial da internet, suscita algumas dúvidas legais, conforme o DN já noticiou, por se tratar de verbas da LPM cuja execução e acompanhamento, segundo a Lei do Orçamento, estão limitados aos organismos centrais do Ministério de Defesa Nacional, que não é o caso da IdD.

Por outro lado este contrato ainda não tem o visto do Tribunal de Contas. "O processo está em análise, tendo dado entrada em 1 de fevereiro e sido devolvido a 8 de fevereiro. Foi recebida resposta em 7 de março e novamente devolvido em 17 de março para esclarecimentos, cuja resposta se aguarda",sublinhou fonte oficial.

A IdD integra do setor empresarial do Estado e tem a direção acionista e tutela financeira do Ministério das Finanças e a tutela setorial do Ministério da Defesa.

O DN indagou a Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM), a 13 de abril passado, sobre se tinha algum parecer ou relatório relacionado com a renovada IdD.

Passadas três semanas sem resposta, o DN foi remetido para o gabinete do Ministro das Finanças, Fernando Medina, no passado dia dois de maio, tendo colocado a mesma questão, em relação à qual também ainda não obteve esclarecimentos.