Beatriz Batarda: "Encaro sempre o espetáculo como se fosse um ensaio"

É Sara em televisão, Beatriz em palco, dois papéis intensos que soma ao longo currículo de cinema e teatro. Beatriz Batarda, camaleónica criatura, desconfortável no momento das palmas.

Estreou recentemente na RTP a série Sara, de oito episódios. Nas últimas semanas, fez a peça Teatro, no TNMII, que vai agora para o Porto, para o Teatro Nacional São João, com digressão pelo país a seguir. Expõe-se em ambos os casos de uma forma intensa. Em Sara, coloca-se a fazer telenovela e brinca com ela própria. E atira-se de cabeça em Teatro, a peça de Pascal Rambert escrita propositadamente para os atores em cena - Beatriz Batarda, Rui Mendes, João Grosso, Lúcia Maria e Cirila Bussuet e uma criança. Aos 44 anos, continua a sofrer antes e depois da interpretação, mas o durante é um tempo de alívio da vida quotidiana.

Como é trabalhar assim tão exposta?

Na verdade, acho que me ponho sempre nesse sítio, mesmo sem usarem o meu nome ou algum dos meus apelidos. Tenho prazer em colocar-me nesse lugar de exposição, entre o põe a máscara e o tira a máscara. No fundo é só isso, não é muito mais complicado do que isso.

Afetivamente, é uma peça bastante violenta, mas também tecnicamente. São textos longuíssimos e muito desconfortáveis.

Sim, o Pascal Rambert escreve discurso. A escrita dele é muito oral. Ele é ator, encenador, coreógrafo, escritor, e tem prazer em escrever um bocadinho nesta linha da escola francesa, uma escrita com ramificações e com mudanças de direção abruptas, depois regressa à linha condutora do pensamento. Ele dá muitas vezes a imagem de si mesmo como um cão que está a farejar e a marcar território em vários sítios estratégicos do seu percurso, no seu passeio. Não é um discurso sempre coerente e lógico, o que me agrada particularmente, porque gosto muito de dar essa qualidade às personagens, trabalhar o lado da contradição do nosso estar, como nós somos contraditórios na vida, na teoria e na prática, nos afetos e na razão. Como tudo é sempre.

É mais difícil fazer uma personagem que não é linear?

Não sei, a mim diz-me mais. É-me mais difícil fazer uma coisa preta ou branca, porque me aborrece, mecanizo, e é muito difícil trazer frescura a uma personagem assim. Quanto mais zonas misteriosas e obscuras eu conseguir construir na base da personagem, mais divertido é para mim em palco sustentar tantos dias de representação, porque há sempre lugares a descobrir. Dentro desse mistério há sempre lugar para jogo, para reinvenção, e assim defendo-me um bocadinho da mecanização, da chamada cantilena. Ele escreve - como eu digo aliás na peça, a determinada altura, a propósito da autora que no fundo é ele, a tal Conceição, para quem estamos a ensaiar o espetáculo - ele escreve tal e qual como essa autora, ou seja, a página não tem espaços, está cheia.

Sem pontuação?

Não há pontuação, não há espaços. É uma mancha de palavras e o ator tem de decifrá-las e construir as ideias dentro daquela mancha. E no fundo essa mancha é uma indicação de ausência de silêncio, de vazio, de respiração.

Quanto mais zonas misteriosas e obscuras eu conseguir construir na base da personagem, mais divertido é para mim

É torrencial.

Funcionaria também com pausas, com silêncios, mas eu percebo que ele não goste, porque a escrita dele é tão emocional, tão freudiana, que se começássemos a pôr pausas e mudanças de velocidade ou de tons de voz ficaria uma chachada, uma coisa muito melodramática e muito sentimentalista, e ele odeia isso. Ele gosta da crueza, da violência do discurso. Como nós nos violentamos uns aos outros, muitas vezes sem consciência de que o estamos a fazer. Quanto mais o ator estiver no momento da agressão sem consciência de que está a interpretar uma agressão, para ele é melhor porque assim não fica carregado, sublinhado ali.

Nessa circunstância está a contracenar com o Rui Mendes.

O maravilhoso Rui Mendes.

Fico pasmada com a ideia de que ele tem 82 anos, não se sente essa idade no palco.

Ele é um jovem. O público não sentirá e nós no palco não sentimos de certeza. Esquecemo-nos porque ele não deixa sentir. Eu tenho uma história bonita com o Rui, não é a primeira vez que trabalhamos juntos. Já fui mulher do Rui Mendes, no Teatro Aberto.

Apesar dos 40 anos de diferença?

Eu fazia-me mais velha. Desde o espetáculo Rock "n' Roll, do Tom Stoppard, ficou sempre uma ligação de outro tempo. Parece que houve ali uma ligação qualquer de outro tempo, noutro lugar. Voltámos a trabalhar juntos, já me fez o enorme favor de entrar numa encenação minha do Como Queiram, do Shakespeare, em que ele fazia duas personagens maravilhosas, um pastor e um duque. É um prazer trabalhar com ele, ele é maravilhoso.

A contracena é uma coisa muito curiosa. É o papel da Beatriz e é o papel do Rui. Como é a ligação?

Mas é sempre ficção, isso é muito importante frisar. Apesar de os nossos nomes terem sido emprestados ao texto, eu nunca vejo aquele texto como biográfico.

Nem seu nem dele?

Muito menos meu, porque eu não me vejo daquela maneira, aquela peste, aquele furacão. Não me é natural trabalhar aquela energia, não é uma energia que me seja natural nem fácil. Encaro aquilo sempre como ficção. É uma personagem. São duas figuras de um teatro ficcional que trabalham juntas há muitos anos, há 20 ou 30 - tenho 44, não pode ser muito mais do que isso -, e que têm uma ligação muito íntima. Há ali uma sugestão de que ele possa talvez ser ou meu sogro ou meu pai, porque a rapariga que faz de minha filha trata-o por avô. Se calhar é só um avô dos afetos e não um avô de sangue, isso não é explicado e é indiferente. O que interessa são os afetos que nós construímos, as famílias que nós construímos. Esse afeto é muito fácil de chegar lá, essa cumplicidade é muito fácil de ter por perto, porque existe isso entre nós. Nós temos um entendimento muito na zona do humor. O Rui é um homem inteligente que está sempre aí, mesmo nos afetos ele resguarda-se muito nessa zona do humor. Há uma cumplicidade, uma espécie de marotice, um despique, mesmo em cena.

Não se identifica com a personagem, mas há aquela entrada fulgurante, quando chega do trânsito, e aquilo é tão real, tão parecido com o que nós vivemos todos os dias.

Principalmente quando se vai fazer uma peça ao Teatro Nacional. Há sempre uma manif na Avenida ou no Rossio, desde os taxistas... Todos os dias há ali qualquer coisa, entre os tuk-tuks e os franceses.

Aí não foi preciso imaginar que seria outra pessoa?

Esse é mesmo o meu dia-a-dia. Não aquele ódio, não o tenho. Estou bastante agradecida aos turistas. Agradecia mais se mimassem mais a cidade, mas também era bom que a cidade se mimasse a ela própria, nomeadamente que fosse lavada de vez em quando, porque aquela Baixa é um nojo. Saio do teatro, vou para o parque e os pés colam no chão, a porcaria das ginjinhas e das cervejas que bebem na rua e tudo vai para o chão, e agora também as praxes, coisa boa, reacionária.

Boa?

Era irónica, são uns neo-hábitos.

Na série Sara, realizada pelo Marco Martins, uma ideia original do Bruno Nogueira, seu marido, põe-se outra vez no limite.

Não sei se sei fazer o intermédio, nunca explorei muito isso.

Estou bastante agradecida aos turistas. Agradecia mais se mimassem mais a cidade, mas também era bom que a cidade se mimasse a ela própria

Há ali uma ideia base - a Sara não consegue chorar e desespera por não conseguir. A Beatriz consegue chorar em palco, como se vê em Teatro.

Com muitas dores nas costas, porque puxa pelo músculo todos os dias, o músculo emocional e o músculo real, físico. Acordo de manhã quase sempre com a sensação de que enterrei alguém na véspera, porque o corpo vive esse momento e o cansaço fica impregnado.

Aí está uma das grandes diferenças entre o teatro e o cinema - todos os dias voltar ao combate.

Sim, voltar ao mesmo sítio, reinventar. Eu tenho sempre a meta, para mim própria, de encarar cada espetáculo como se fosse um ensaio. Não encaro espetáculos como produtos, objetos fechados, encaro sempre como algo em transformação, mutável, respeitando o texto e a estrutura da encenação, e percebendo o que o encenador está a fazer em termos de linha dramatúrgica para o espetáculo todo. Respeitando isso para nunca deixar nenhum colega em xeque, não perturbar o trabalho da outra pessoa. Mas permito-me a mim, naquilo que me diz respeito, redescobrir o texto sempre como se fosse um ensaio - uma nova cor, um novo caminho, uma nova solução. Às vezes do ponto de vista do pensamento da personagem, às vezes coisas mais técnicas do corpo ou da voz, do som, da respiração, da velocidade. Porque eu aborreço-me muito, como dizia no início.

Mas tem consciência dessas nuances?

Sim, e às vezes podem ser um bocadinho irritantes porque o espetáculo pode sofrer com isso, irritantes para quem está a ver ou para o encenador que já viu melhor, ou que já gostou de outras soluções. Para os colegas... não sei, nunca perguntei, tenho medo de perguntar.

Tem medo da resposta?

É isso.

Em cinema, a cena é filmada várias vezes no mesmo dia, não tem de levantar-se no outro dia a pensar que vai outra vez para o combate.

Às vezes... por exemplo, a cena dos primeiros episódios da Sara, aquela cena grande que se passa em Sintra, da filmagem de um filme de época, estivemos uma semana ali à chuva. Porque depois voltamos àquele décor mais à frente - o décor foi todo filmado de uma vez.

Mas normalmente uma cena é filmada numas horas, com sorte não volta ao mesmo.

Sim, fica arrumada, a não ser que haja uma grande desgraça. Antigamente, quando se usava bobinas, havia essa possibilidade - quando se estragavam ou havia um acidente a levá-las para Lisboa, para a Tobis. Lembro-me de uma história dessas, de ter de se refazer toda a semana porque as bobinas foram à vida. Agora já não acontece isso.

Nesta série, contracena com grandes atores e grandes amigos. Além do Bruno Nogueira há o Nuno Lopes, o realizador Marco Martins.

Eternos amigos.

A ideia é do Bruno mas como aparece a série? Foi falada consigo? Aquilo é feito para si?

Sim, é. As coisas começam normalmente porque são impulsionadas por questões muito práticas. Neste caso foi assim. Volta e meia, a RTP convoca o Bruno para trazer ideias e projetos novos, e ele andava a cozinhar um projeto novo. Surge esta ideia inspirada nas minhas resmunguices.

"Estou farta de chorar"?

Sim, "não aguento mais" e "que profissão tão estúpida". Tenho recorrentemente essas crises, a amar e a odiar aquilo que faço. E a discussão de fazer ou não televisão e para quê, vale a pena ou não? Será que interessa ou que não interessa? A partir daí começa a surgir na cabeça do Bruno esta ideia e ele escreve uma primeira sinopse. Em conversas entre amigos, o Marco também apanhou este entusiasmo e junta-se de repente, do nada, o grupo, os do costume, e ainda bem porque é uma pandilha muito maravilhosa. A partir daí não há razão para eu não fazer nem questionar. Eu só dizia: eu faço, deem-me. Nem fazia muitas perguntas.

Eles tiveram vários trabalhos de televisão em conjunto mas a Beatriz nunca participou. Já tinha estado com a "pandilha" em cinema.

Já tínhamos todos trabalhado juntos em teatro e em cinema, com o Marco, o Bruno, o [José] Raposo, o Miguel Guilherme, o Nuno [Lopes], a Rita [Blanco], o Albano [Jerónimo]. Há uma cumplicidade imediata que facilita muito. Uma partilha também no sentido de humor, porque o humor não é igual para toda a gente, há coisas que fazem rir umas pessoas, outras que fazem rir outras. E nisso estamos em sintonia.

Há aquele alter ego, o Albano Jerónimo, o seu "agente", que introduz ali alguma dúvida: é ele, é ela?

Não vamos estragar isso?

Eu não sei a sequência, só vi quatro episódios.

Não sei se vou ser uma spoiler mas ele não é agente nenhum, ele é o alter ego dela, é o diabo que está dentro dela.

O grilo falante?

Um grilo falante, aqui não como uma consciência sensata mas ao contrário, uma consciência instigadora do mal. É importante que seja um homem. Falámos muitas vezes sobre isso no processo, embora eu não tivesse tido nada que ver com a escrita. Num país como o nosso, ainda, eu sentia muito - agora menos, se calhar com a idade estou mais pacificada - que para poder conquistar um lugar, existir, ter voz, tinha a necessidade de me masculinizar, de tornar até o meu discurso um bocadinho agressivo e, nesse sentido, um bocadinho mais masculino, para poder ser ouvida e tida em conta. Hoje sinto que já não preciso, se calhar.

Eu tenho sempre a meta, para mim própria, de encarar cada espetáculo como se fosse um ensaio.

Será que a sociedade também mudou?

Não, acho que não. Avaliando por aquilo que está a acontecer à nossa volta, a tendência será para piorar.

A Sara é instigada pelo Albano Jerónimo, o agente...

...é ela, ele diz "nós" e eu respondo "eu"...

... e vai fazer uma telenovela. A Beatriz nunca fez telenovela.

Ainda não.

Não põe de parte essa hipótese?

Não.

Fazem uma sátira bastante divertida ao mundo das telenovelas.

Não é só à telenovela, fazemos isso em relação a muitos fenómenos, às próprias correntes do cinema de autor. Dentro do cinema de autor há muitos percursos, uns mais concretos e coerentes, outros, enfim... É um disparar para todas as direções, para a publicidade, para as locuções, para o ensino. Não se ensina representação daquela maneira, como nos dois primeiros episódios ela dá aulas à Nikki. Não é assim que se ensina as pessoas a serem atores, muito menos com aquele linguajar fino que a Sara utiliza. É uma espécie de expurgo para todos os lados, ninguém tem perdão, um bocadinho à Gil Vicente.

Há um pormenor que é um gague familiar: a Sara tem uma madrasta, interpretada pela Leonor Silveira, sua prima irmã e grande amiga.

É uma irmã.

Ela é figura central da novela, a má da novela, ela que é a atriz do Manoel de Oliveira. E o Manoel de Oliveira acaba por entrar também.

E é ela que dispara na direção do Manoel de Oliveira. Aliás, só podia ser ela, só ela tem legitimidade para o fazer com humor e com amor - porque o humor tem de ter amor, se não deixa de ser humor para ser só maldade. É feito com muito amor, a maneira como ela brinca com ela própria e com a obra do Manoel de Oliveira. Acho muita graça a ela ser a cabeça-de-cartaz da novela e ser obcecada com as audiências, não só por causa de ser a atriz do Manoel de Oliveira mas também porque trabalha no ICA há muitos anos a defender o cinema português pelo mundo fora. É bastante irónico. Ela aceita fazer isso porque é deveras inteligente e descomplica esses rótulos.

E depois tem o Nuno Lopes sempre a querer...

... muita atenção sobre o seu rabo.

As calças que têm de realçar o rabo dele, e ele a pôr a Beatriz na penumbra, na escuridão. Vai-se tornando mais divertida ao longo dos episódios.

A série tem essa qualidade de surpreender, de conseguir visitar vários registos, muitas vezes até num só episódio, com fluidez, e tem uma curva muito bonita. Agora vai entrar numa zona mais fácil de consumir na televisão, e de repente vai sofrer outra reviravolta e acaba noutro tom. Não acaba neste tom ligeiro. Mas não se pode estar a dizer.

Nasceu em Londres a 11 de abril de 1974. Quis estar presente na Revolução?

Mas não estava cá. Mas posso dizer que ainda nasci no antigo regime, para não querer voltar.

Filha de Eduardo Batarda, pintor, e de uma terapeuta que não tem nada que ver com a mãe da peça Teatro.

Não, a minha família não tem nada que ver com aquela família, não há bruxas dessas.

Veio para Portugal, com os pais.

Cheios de esperança.

Fez o Liceu Charles Lepierre, estudou design no IADE mas o teatro meteu-se pelo meio disto.

Primeiro meteu-se o cinema, com o João Botelho, quando eu tinha 12 anos. Não foi uma coisa que eu tivesse levado muito a sério, foram buscar-me à escola no recreio. Procuravam uma criança parecida com uma atriz que lá tinham, foi uma coisa a olho.

Nos Tempos Difíceis, de 1988.

E depois com o Oliveira. A Leonor Silveira estava a filmar o Vale Abraão em Peso da Régua e eu fui fazer-lhe companhia. Foi nessa altura que o Manoel me convidou para participar nesse filme e depois convidou-me para o filme A Caixa.

Aí já com um papel mais relevante?

Sim, mas também por causa da Leonor Silveira. Ele disse-me: "Tinha pensado neste papel para a Leonor Silveira mas ela é demasiado bonita para o papel e por isso convido-a a si." E eu aceitei, encantada. Primeiro pedi autorização à Leonor.

Começou então a entregar-se ao teatro?

O Luís Miguel Cintra desencaminhou-me, felizmente, para a Cornucópia.

E a partir daí resolveu que tinha de aprender a sério e foi para Londres estudar, e teve a medalha de ouro no curso de teatro da Guildhall School of Music and Drama. Participou em séries inglesas. Os seus filmes e peças de teatro são uma lista longa. Continua a ser duro o momento de entrar no palco?

Sim, o antes e o depois. O durante é maravilhoso.

Como se pairasse numa imponderabilidade?

É um alívio de nós próprios, para mim é um alívio de mim própria.

O Luís Miguel Cintra desencaminhou-me, felizmente, para a Cornucópia.

O que quer dizer isso?

É um momento em que descanso de mim, em que me permito estar noutro lugar, noutra realidade, noutro tempo, noutras inquietações, noutras preocupações, noutras dores que não são as minhas. E essas são muito mais fáceis de viver.

Já a vi fazer tragédia grega e apeteceu-me ir ao palco buscá-la, dizer "não te magoes mais".

Há um lado um bocadinho masoquista e isso é que acho um bocadinho estúpido na profissão. Mas o que se há de fazer? Ao mesmo tempo dá muito prazer e é como digo na peça, é como uma droga. Não que eu consuma, mas imagino que seja assim, é aditivo. É muito empolgante sentir-se que se pode estar perto de qualquer coisa como o gesto do belo, que está para além do gesto do quotidiano, do dia-a-dia, da mesquinhez, do pequenino. De repente é-nos permitido um gesto que é um rasgar e que se aproxima de qualquer coisa elevada, não propriamente deus porque não acredito, mas uma coisa elevada, um sítio onde paira a poesia. E isso é um privilégio.

E as palmas?

Eu sofro um bocadinho nesse momento

Vi-a a agradecer no final do teatro...

... a morder-me toda...

... achei bizarra a maneira como estava.

Depende dos dias. Há dias em que consigo sorrir mas às vezes não consigo.

Porquê?

Não sei, não sei explicar. Não é género.

As palmas podiam ser uma recompensa, um conforto.

Mas lembram-me de que estão ali, que estavam ali, e preferia não me lembrar, prefiro esquecer que estavam ali.

Durante a peça esquece-se de que estão ali pessoas?

Sim e não. Vou sabendo, é para eles que estou a contar a história, mas gosto do acordo "eu sei que estás aí mas não interagimos". A parte da interação deixa-me sempre um bocadinho mais desconfortável. Mas é a vida. Eu devia sorrir mais, eu sei, aliás quando dou aulas ensino isso aos meninos, mas é difícil pôr em prática, não sei porquê.

Dar aulas é bom?

Adoro.

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