Dinheiro
16 janeiro 2022 às 00h39

"Tsunami inflacionista". A onda que "sabemos que vem aí, ainda sem se ver"

Pedro Pimentel, diretor-geral da Centromarca, fala num "tsunami inflacionista", fruto da disrupção das cadeias de abastecimento.

Se 2020 tinha sido um "ano hipocondríaco", 2021 foi um "ano bipolar", com um confinamento inicial, avanços e recuos e um final "muito forte" que permitirá ao retalho alimentar voltar a fechar "em alta", com um crescimento esperado de 4% acima dos 10,353 mil milhões de de 2020. A análise é do diretor-geral da Centromarca, que aponta a inflação como uma das principais preocupações para 2022. "Muito daquilo que é o impacto dos aumentos de custos vai começar a sentir-se. Sabemos que a onda vem aí, já a ouvimos, mas ainda não a sentimos", alerta Pedro Pimentel.

Para o responsável, estamos perante um "tsunami inflacionista", provocado pelo aumento do custo dos combustíveis e da energia, que, por sua vez, arrasta tudo o resto num efeito de bola de neve, com os preços dos transportes e das matérias-primas e outros produtos a multiplicarem-se "brutalmente". Cereais, óleos e muitos dos materiais de embalagem, como o cartão e o alumínio, estão hoje a preços "absolutamente incomportáveis", garante, suscitando um "problema sério de gestão" às empresas, que não sabem muito bem por quanto mais tempo se irá prolongar a situação.

A grande preocupação é com o efeito da inflação ao nível do poder de compra dos portugueses. "As empresas têm que refeletir os aumentos de custos, não há como não o fazer, mas o receio é que, depois, não consigam vender" e, por isso, assegura, estão a ser "muito comedidas" na forma de passar esses aumentos para o lado do consumidor. Em contrapartida, cresce o "receio" que os aumentos que estão a implementar "não cheguem para cobrir a onda que vai crescendo também ao nível dos custos".

Consciente de que a reposição salarial não irá acompanhar estes aumentos de preços, o diretor-geral da Centromarca admite que a situação terá um "impacto sério" junto das famílias e, em especial, das que têm rendimentos mais baixos, naturalmente.
"Nenhuma empresa consegue suportar aumentos de custos contínuos sem os refletir de alguma forma, mas toda a gente tem a noção que quanto mais o reflexo se transmitir ao mercado, menos o mercado terá capacidade para comprar os nossos produtos e o feitiço vira-se contra o feiticeiro", explica o dirigente, que fala num "exercício difícil", mas, sobretudo, num exercício "que as pessoas se tinham desabituado de fazer", já que, desde finais dos anos 80, que "não se lidava com uma tempestade desta dimensão". De qualquer forma, Pedro Pimentel é perentório: "Não dá para fugir do problema".

E, por isso, as perspetivas para 2022 não são as mais risonhas, com as empresas ocupadas nesse "exercício um bocadinho asfixiante" de gerir tudo isto, ao mesmo tempo que têm também de encaixar, nos seus próprios custos, os agravamentos dos custos salariais. Por outro lado, se não houver, "pelo menos em parte", uma recuperação do poder de compra, a situação pode ser "muito complicada". Pedro Pimentel invoca uma frase que leu há dias e com a qual está concorda inteiramente: "A inflação é a austeridade dos pobres. E 2022, que devia ser um ano de recuperação, pode, por esta via, ter aqui um efeito muito complicado, muito difícil mesmo", sublinha.

Questionado sobre o papel das promoções neste cenário, admite que possa haver um aumento da pressão promocional por parte dos retalhistas, como forma de reagir ao impacto da inflação. Ou o inverso, com uma redução das promoções como forma de "evitar o maior agravamento dos preços normais de prateleira". Em 2021, as promoções hão-de ter ultrapassado os 45 euros em cada 100 euros de compras.

E se para as empresas o desafio para 2022 é o de perceber "se esta crise vai ser muito prolongada no tempo", para o Estado é tempo de perceber que a situação "vai afetar a vida das pessoas e precisa de ser gerida", através de medidas ao nível fiscal. "Temos cargas fiscais muito fortes em alguns produtos, como sejam os combustíveis, mas não só, e é preciso libertar dinheiro para que a economia funcione", acredita o diretor-geral da Centromarca. Pedro Pimentel é incisivo: "Não digo que o Estado não tem necessidade de meios, mas tem que ter a noção que, em determinados momentos, quando os agravamentos de custos se fazem sentir, é preciso fazer opções e não podem ser só do lado da subsidiação de atividades, têm que ser também do lado da libertação de meios para que as pessoas possam gerir o seu dia a dia".

ilidia.pinto@dinheirovivo.pt