15 JUL 2019
15 julho 2019 às 06h29

Portugal é campeão do mundo. O 16.º troféu conquistado 16 anos depois

Seleção nacional ganhou à Argentina na final por 2-1, nas grandes penalidades. Equipa nacional vai ser recebida pelo Presidente da República na terça-feira.

Isaura Almeida

A equipa nacional chega nesta segunda-feira a Lisboa e será recebida por Marcelo na terça-feira. Portugal é campeão mundial de hóquei em patins. Neste domingo a equipa liderada por Renato Garrido venceu a Argentina, por 2-1, nas grandes penalidades depois de um nulo no marcador no tempo regulamentar, e colocou a seleção nacional no topo do mundo outra vez.

É o 16.º troféu ganho 16 anos depois. O último título mundial tinha sido conquistado em 2003 sob os comandos de Vítor Hugo, num torneio realizado em Oliveira de Azeméis, sendo preciso recuar 26 anos para encontrar o último título conquistado pela seleção nacional fora de casa, que no caso foi em Itália.

Agora sem Jorge Silva (castigado), mas com António Livramento presente na braçadeira, o capitão João Rodrigues levantou o troféu conquistado muito graças a Ângelo Girão. O guarda-redes do Sporting foi decisivo nos jogos com Itália e Espanha e neste domingo outra vez frente à Argentina nas grandes penalidades. Girão junta assim o título mundial de seleções ao europeu conquistado pelos leões há um mês. Muitos dizem que é o melhor guarda-redes do mundo e ele mostrou no pavilhão de Barcelona em pleno mundial que é muito bem capaz de o ser. "Podem começar a fazer uma estátua para o Girão", pediu o capitão João Rodrigues em jeito de agradecimento.

Em Barcelona, cidade onde o hóquei português conseguiu o pior resultado da sua história em grandes competições - um 4.º lugar nos Jogos Olímpicos -, graças a uma derrota com a Argentina na meia-final dos Jogos Olímpicos Barcelona 92. A seleção portuguesa vingou ainda a derrota com os argentinos no mundial do Recife, no Brasil, em 1995 (5-1) e voltou a erguer um troféu em solo espanhol, o que já não acontecia desde 1950, em Madrid, na final disputada com a anfitriã Espanha.

Minutos depois do triunfo já o país rebentava de orgulho. A começar por Marcelo Rebele de Sousa. "Acabado de chegar de Paris, o Presidente da Rep´uublica felicita a seleção nacional de hóquei em patins pela fantástica conquista do campeonato do mundo da modalidade, 16 anos após o último título obtido pela nossa equipa, transmitindo a todos os jogadores, equipa técnica e órgãos federativos um abraço fraternal de parabéns e de obrigado por esta grande alegria, desde já os convidando para uma audiência no Palácio de Belém depois de regressados de Barcelona", pode ler-se na página da Presidência.

Como foi o jogo

Numa partida equilibrada e emotiva, a falta de eficácia portuguesa foi compensada pela atuação de Ângelo Girão entre os postes, em que defendeu praticamente tudo, principalmente quatro penáltis no desempate.

A final principiou com oito jogadores em pista que jogaram na última época no campeonato português, e com a primeira situação de perigo a surgir pelo sportinguista Gonzalo Romero, aos nove minutos, com um remate ao ferro da baliza do colega de equipa Ângelo Girão.

O jogo abriu, ganhou velocidade e, em poucos minutos, sucederam-se as situações de golo em ambas as balizas, por David Paez, aos 12', e Matias Pascual, aos 14', para a Argentina, e por Telmo Pinto, aos 13', e Gonçalo Alves, aos 17', para Portugal. Depois o guarda-redes Ângelo Girão defendeu uma grande penalidade e negou o golo, por duas vezes, ao benfiquista Lucas Ordónez. Já Hélder Nunes, aos 20 e 25 minutos, colocou à prova os reflexos do guarda-redes Valentin Grimalt, enquanto Nicolia, do Benfica, viu o gigante Girão negar, uma vez mais, o golo, aos 24'.

A segunda parte principiou como acabou a primeira, com duas situações de perigo para ambas as balizas, por Telmo Pinto, aos 26', num contra-ataque rápido, e por Lucas Ordóñez, aos 28', com um remate à meia-volta na área lusa. O perigo voltou a rondar a baliza portuguesa aos 30 minutos, mas o guarda-redes Ângelo Girão voltou a negar a hipótese de golo ao argentino Carlos Nicolia, por duas vezes, que falhou a tentativa de converter um livre direto, bem como a recarga.

Aos 32 minutos, Hélder Nunes não conseguiu converter em golo um livro direto e a Argentina dispôs, de seguida, de várias situações de perigo, uma das quais levou a bola ao ferro da baliza de Ângelo Girão. Depois um contra-ataque rápido da seleção portuguesa foi transformado na décima falta de equipa e livre direto, mas Ângelo Girão voltou a vestir o fato de super-herói e voltou a negar a hipótese de golo a Pablo Alvarez.

A igualdade a zero manteve-se no final do tempo regulamentar e o jogo arrastou-se para o prolongamento, período em que o guarda-redes Girão, aos 53 minutos, voltou a ser enorme, ao defender duas grandes penalidades e levando o jogo para as grandes penalidades.

Quem é quem na seleção?

Ângelo Girão - guarda-redes
Começou a praticar hóquei em patins a nível federado nos escalões de formação do Vigorosa, passando depois pelo FC Porto, onde esteve durante dez temporadas, e pelo Gulpilhares, Académica de Espinho e Valongo (onde foi campeão) antes de se mudar para o Sporting em 2015-16. Guarda-redes de eleição e com um assinalável espírito de sacrifício, Ângelo Girão foi um dos obreiros do título europeu da seleção em 2016 e do Sporting em 2019. Foi distinguido com o Prémio Stromp na categoria Europeu em 2016, na categoria Mundial em 2017 e na categoria Atleta em 2018. Muitos dizem que é o melhor guarda-redes do mundo. Foi o herói da final ao defender quatro grandes penalidades.

Nélson Filipe - guarda-redes
Começou no Académico e fez a carreira praticamente toda no FC Porto, apesar de ter conhecido alguns empréstimos quando era novo. Quando chegou ao Dragão, com 16 anos, perdia muitas vezes o autocarro para casa porque ficava a ver os treinos dos seniores. Anos depois dividia o balneário com eles, mas, segundo contou numa entrevista, ele tinha de se "beliscar" para acreditar que estava ao lado de Tó Neves, Edo, Paulo Alves, etc. Vai abandonar o FC Porto e mudar-se para a Oliveirense. No FC Porto dividia a baliza com o Carles Grau, pelo que acabou por ser surpreendente a chamada ao mundial em vez de Pedro Henriques, guarda-redes do Benfica.

Hélder Nunes - defesa/médio
A maturidade é o seu cartão-de-visita. Só tem 25 anos mas as pessoas pensam que é muito mais velho tal a experiência e a agilidade mental que coloca nos jogos. Aos 23 anos já era capitão do Porto. Começou a patinar aos 2 anos e rapidamente chamou a atenção... do Óquei de Barcelos. De lá passou para o no HC Braga e depois para o FC Porto, clube onde chegou em 2012-13 e de onde vai sair no final da época para ir para o Barcelona - vai ser o quarto português a jogar no Barça, depois de Carlos Realista, Luís Querido e João Rodrigues -, assinou até 2023 e foi apresentado antes de ir ao mundial. No Dragão ganhou tudo a nível nacional. Conquistou dois campeonatos nacionais, quatro Supertaças e quatro Taças de Portugal e, em representação de Portugal, sagrou-se campeão europeu de seniores, sub-20 e sub-17 e ainda campeão mundial sub-20. Agora tenta o título mundial. Foi um dos grandes destaques da seleção no mundial, a par de João Rodrigues e Ângelo Girão.

Henrique Magalhães - defesa/médio
O defesa, que conta no seu currículo com um título europeu conquistado ao serviço de Portugal em 2016, foi formado no FC Porto - apesar de ter começado no Clube Infante Sagres com 6 anos. Representou ainda ao longo da sua carreira HC Braga, OC Barcelos, Valongo e Liceo da Coruña. Em 2017-18 Henrique Magalhães chegou a Alvalade como um dos reforços do plantel leonino proveniente do Liceo da Coruña. Em Alvalade tem sido um dos esteios sobre o qual recai muita da consistência defensiva da equipa do Sporting, tendo conquistado um campeonato nacional. É dos jogadores mais low profile da seleção.

Telmo Pinto - defesa/médio
Começou no Carvalhos, mas aos 11 anos já vestia de azul e branco, completando no Dragão o seu percurso na formação. Depois de coincidir na "escola" dos dragões com nomes como Henrique Magalhães, Rafa e Ângelo Girão, Telmo saiu para o projeto do Valongo em 2012, conquistando o histórico título nacional em 2014. Voltaria depois ao Dragão, onde neste ano conquistou o título nacional. Agora, passados quatro anos, vai mudar-se para o Sporting para substituir Henrique Magalhães.

Miguel Vieira - defesa/médio
"Comecei a patinar com 5 anos por influência de um primo, e o meu primeiro clube foi o Barcelinhos", contou Miguel Vieira numa entrevista. Conhecido por Vieirinha, dividiu a formação entre HC Braga e OC Barcelos, antes de chegar ao Benfica com 20 anos. Na Luz chegou a ser dado como dispensável, mas ganhou mais minutos com a chegada do novo treinador a meio da época - o selecionador espanhol que eliminou ontem - e ganhou espaço no cinco da Luz. É o jogador mais novo da seleção, mas apesar de ter apenas 22 anos já tem cerca de 50 internacionalizações pela seleção principal. É o único jogador do Benfica presente na convocatória e já ganhou dois mundiais sub-20, tendo sido pedra fundamental nos dois títulos.

Rafa - avançado
Formado no FC Porto fez parte da equipa do Valongo, que fez história em 2014 com a conquista do título nacional. Depois de passagens pelo HC Braga, Óquei de Barcelos e Valongo, em 2014, voltou ao Dragão, onde ganhou muita importância nos últimos dois anos. Apesar de já ter 27 anos, é um dos rostos da renovação que tem sido feita na equipa desde 2016, que já valeu um título de campeão da Europa e agora pode valer um titulo de campeão mundial.

Jorge Silva - avançado
Aos 35 anos Jorge Silva sente-se um jovem repleto de energia e vontade de triunfar. O jogador natural de Vila Nova de Gaia notabilizou-se ao serviço do FC Porto, antes de se mudar para Oliveira de Azeméis, onde atualmente joga na Oliveirense. Já foi campeão nacional de hóquei em patins sete vezes e tem mais de 22 títulos conquistados em Portugal. Teve a época mais produtiva da carreira em termos de golos (33 golos). Como o próprio diz, é um avançado que nunca teve uma média de golos muito alta, mas com a época valeu-lhe a convocatória para a seleção nacional, depois de ter ficado de fora do mundial de 2017 na China. Apesar de ter andado noutros clubes, a sua carreira é indiscutivelmente ligada ao FC Porto, onde passou mais tempo. Falhou a final depois de ter visto três cartões azuis nos jogos realizados e apanhar um jogo de suspensão.

João Rodrigues - avançado
A influência do hóquei em campo do pai (João Rodrigues) e da patinagem artística da irmã (Raquel) uniram-se para criar um dos melhores hoquistas mundiais, de seu nome João Rodrigues. João cresceu no Restelo a ver o pai jogar hóquei em campo, mas foi em Paço de Arcos que nasceu para o hóquei em patins. "Praticamente desde que nasci que acompanhava o meu pai nos treinos do Belenenses e andava sempre com o stick na mão. Levava-o para todo o lado. Depois, como a minha irmã andava na patinagem artística, comecei também a patinar, tinha uns 4 anos. Passados um ou dois meses de andar na patinagem pedi aos meus pais para ir para o hóquei em patins", disse ao DN em abril. Depois de 14 anos em Paço de Arcos, e assim que atingiu a maioridade, mudou-se para a Luz, onde esteve nove anos ao serviço do Benfica e de onde saiu para o Barcelona, clube que hoje representa. Foi um dos grandes destaques da seleção no mundial, a par de Hélder Nunes e Ângelo Girão.

Gonçalo Alves - avançado
Descendente de uma família com tradições na modalidade - o pai trabalhou no FC Porto e no Famalicense e o tio (Paulo Alves) jogou no FC Porto e foi campeão mundial pela seleção em 2003 - com apenas um ano e meio de idade já patinava. Desde então nunca mais descalçou os patins. Gonçalo Alves iniciou-se nas escolinhas do FC Porto, com 4 anos, através de António Livramento. Devido à incompatibilidade de horários entre os treinos e a escola, teve de se mudar para o Famalicense onde permaneceu durante quatro anos. Depois a mãe aceitou um trabalho em Lisboa e Gonçalo recebeu um convite do Sporting. O talento era tal que ele chegou a jogar aos sábados pelos seniores e aos domingos pelos juniores. Só abandonou os leões depois de eles chegarem à primeira divisão nacional. Em 2012 transferiu-se para a Oliveirense e três anos depois foi para o FC Porto.

Reações. "Cumprimos um sonho e já podemos morrer felizes"

Para o selecionador Renato Garrido "os jogadores são os grandes obreiros" do título mundial: "Nós tentámos transmitir-lhes organização e capacidade de sacrifício, agora eles demonstraram carácter, alma e o desejo de dignificar Portugal. Eles foram uns valentes, durante este tempo todo, em que tiveram de se superar e hoje foi um jogo de um desgaste brutal."

Já Ângelo Girão, o guarda-redes herói, revelou o segredo do sucesso: "Não jogámos nos mesmos clubes, mas somos amigos há muitos anos e isso refletiu-se dentro da pista. Tivemos um espírito imenso, lutámos muito, estávamos cansados e a Argentina é uma equipa brilhante. Nós sabíamos que tínhamos de passar por momentos de aflição para ganhar este mundial. Foi nos penáltis, mas foi um triunfo merecido."

O capitão pediu uma estátua para o guarda-redes, mas ficou sem palavras, após receber a taça. "Ainda não tenho palavras para descrever o que acabámos de construir, com um grupo de homens notáveis. Conseguimos um feito épico, tivemos um super-Girão que nos foi deixando no jogo e o resto da equipa também ajudou. Acho que ficamos na história, dado este ter sido, talvez, o trajeto mais difícil de um mundial, com Portugal a defrontar a Itália e a Espanha e logo no Palau Blaugrana [pavilhão do Barcelona, onde joga]. Isso faz que este grupo fique na história. Cumprimos um sonho e já podemos morrer felizes. Sempre que entrar no Palau Blaugrana vou emocionar-me e chorar. Para colmatar a ausência do Jorge Silva [castigado com um jogo de suspensão por ter visto três cartões azuis] cada jogador deu um pouco mais para compensar. Foi uma vitória de um grupo fantástico e muito unido", disse João Rodrigues.

Luís Sénica, o presidente da Federação de Patinagem de Portugal, preferiu elogiar o trabalho do técnico que o sucedeu no comando da equipa: "Não tinha dúvidas de que [Renato Garrido] era a escolha certa para nós, do ponto de vista da relação, da visão e do pensamento de jogo. Não tinha dúvidas. Não necessitaria desta vitoria para confirmar a qualidade e a excelência desta equipa técnica, que ficou agora validada e carimbada para os que podiam desconfiar desta escolha. Sinto tranquilidade em relação ao futuro."

Ficha de jogo

Jogo no Palau Blaugrana, em Barcelona.

Argentina-Portugal, 0-0, após prolongamento.

Grandes penalidades:
1-0, Carlos Nicolia.
1-1, Gonçalo Alves.
​​​​​​​1-1, Martin Pascual (defendeu Ângelo Girão).
1-1, João Rodrigues (defendeu Valentin Grimalt).
1-1, Pablo Alvarez (defendeu Ângelo Girão).
​​​​​​​1-2, Hélder Nunes.
1-2, Lucas Ordõñez (defendeu Ângelo Girão).
​​​​​​​1-2, Rafa (defendeu Valentin Grimalt).
1-2, Martias Platero (defendeu Ângelo Girão).

Sob a arbitragem de Oscar Valverde e Sergi Mayor, de Espanha, as equipas alinharam com:
Argentina: Valentin Grimalt, Carlos Nicolia, Lucas Ordóñez, Matias Platero e Reinaldo Garcia. Jogaram ainda Matias Pascual, Pablo Alvarez, David Paez e Gonzalo Romero.
Treinador: Jose Luis Paez.
Portugal: Ângelo Girão, José 'Rafa' Costa, Henrique Magalhães, João Rodrigues e Hélder Nunes. Jogaram ainda Telmo Pinto, Miguel 'Vieirinha' e Gonçalo Alves.
Treinador: Renato Garrido.

Ação disciplinar: cartão azul para Lucas Ordóñez (32).

Assistência: cerca de 3000 espectadores.