Internacional
13 abril 2021 às 22h12

Por que o Brasil é hoje o pior país do mundo na pandemia?

Médicos, infecciologistas e investigadores apontam uma razão: o governo de Jair Bolsonaro, que será investigado politicamente em Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal brasileiro por omissão no combate à covid-19

João Almeida Moreira, em São Paulo

No Brasil, o número de casos e de óbitos por covid-19 disparam. A média móvel aumenta. As vagas hospitalares apertam. O país é visto pela Organização Mundial de Saúde como celeiro de novas variantes. E a vacinação atrasa ou falha. De quem é a culpa? Depois de recusar comprar vacinas, além de criticá-las, de promover tratamentos ineficazes e de rejeitar isolamento e máscaras, os especialistas apontam o dedo ao presidente Jair Bolsonaro, cujo governo vai começar a responder politicamente pela tragédia em Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) por omissão no combate à doença.

"Quando você vê as medidas adotadas pelo governo (...) é pouco provável que essa CPI não chegue a uma conclusão final de punir os culpados. Não é aceitável ter uma CPI e ninguém ser punido com esse número absurdo de mortes", disse Dráuzio Varella, médico, cientista e escritor, em entrevista à televisão Globonews.

Sobre a culpa de Bolsonaro, perguntou "o que esperar de um presidente que fez aglomerações de pessoas, tirou um ministro da saúde [Luiz Henrique Mandetta], colocou outro que ficou um mês [Nelson Teich] e depois pôs um general [Eduardo Pazuello]?". "Este entende de saúde tanto quanto eu entendo de bazucas. Um general que estava ali para obedecer às ordens dele. Ele [Bolsonaro] é que conduziu o combate à pandemia e é ele que continua conduzindo esse combate da pior forma".

"Para enfrentar o medo de contrair o vírus repetiu à exaustão que não deveríamos acreditar nas "conversinhas" dos jornalistas, que a doença só matava os "bundões", que deixássemos de ser "maricas" e que contávamos com a cloroquina, remédio milagroso", concluiu.

O infecciologista Átila Iamarino, doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), com dois pós-doutoramentos sobre a disseminação dos vírus na própria USP e na Universidade Yale, nos EUA, escreveu no Twitter que "agora é a hora de reconhecer que 300 mil mortes [número, entretanto, já ultrapassa os 355 mil] são o resultado planeado de negacionismo, promoção de aglomeração e desorganização nacional e que, se isso não mudar, não tem união e pensamento positivo que evitem as próximas 300 mil".

"O principal problema desta estratégia genocida é estarmos dando ao vírus a oportunidade de sofrer novas mutações, mais perigosas. Eventualmente, as vacinas podem deixar de ser eficazes - e, se esse cenário se concretizar, poderemos não ter mais solução. O Brasil criou a sua própria derrota. Estamos demorando para vacinar e deixando o vírus circular livremente", completou, em entrevista à BBC News.

Entretanto, um estudo realizado pelo Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da USP e pela organização não-governamental Conectas Direitos Humanos descarta a tese da "incompetência" de Bolsonaro e aponta que o presidente promoveu a propagação do novo coronavírus no Brasil "com empenho e eficiência".

"Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade económica o mais rapidamente possível e a qualquer custo", revelou o trabalho comandado pela jurista Deisy Ventura.

Por outro lado, de acordo com o centro de debates do Lowy Institute, de Sidney, na Austrália, o Brasil (com 4,3 pontos) é o último classificado, de entre 98 países avaliados, no combate à pandemia - e os dados de cada país foram compilados ao longo de nove meses, até janeiro de 2021, ainda antes da situação brasileira se agravar, a partir da confirmação do centésimo caso local da doença. A Nova Zelândia (com mais de 98) foi considerada o país com combate mais eficaz.

Na opinião pública, a avaliação a Bolsonaro no combate à pandemia também atinge recordes negativos. Quando estavam contabilizados 280 mil mortos, uma sondagem do Instituto Datafolha de 16 de março indicava rejeição de 54% dos entrevistados à gestão do presidente diante da doença, o valor mais alto desde o início da pandemia. No campo oposto, 22% considerava "ótima ou boa" essa gestão, o registo mais baixo. Para 43% dos brasileiros ouvidos, Bolsonaro é o principal responsável pelos números trágicos - 17% apontaram o dedo aos governadores, 9% aos prefeitos e 6% ao comportamento da população.

Com este pano de fundo, Luiz Roberto Barroso, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o Senado abrisse uma CPI para investigar a ação - ou omissão - do governo no combate à doença, com base num pedido nesse sentido de 31 parlamentares (mais quatro do que o mínimo de 27 exigido) de 15 de janeiro.

Na sequência, Bolsonaro atacou o juiz do STF. "Barroso, nós conhecemos o teu passado, a tua vida, o que você sempre defendeu, como chegou ao STF, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti [criminoso italiano de extrema-esquerda refugiado no Brasil]. Então, use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Senado Federal".

O temor de Bolsonaro em relação à CPI foi exteriorizado novamente em conversa com o senador Jorge Kajuru, do Cidadania, gravada e divulgada por este. No telefonema, o presidente sugeriu ao parlamentar aumentar o escopo da CPI para governadores e prefeitos. "Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim. O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil: mudar a amplitude dela. Bota presidente da República, governadores e prefeitos", encomendou Bolsonaro. Para, rematou, a CPI não produzir "um relatório sacana".

Na conversa, o presidente diz ainda que "vai sair na porrada com o bosta do Randolfe Rodrigues", referindo-se ao senador autor do requerimento da CPI.

Ricardo Kertzman, colunista da revista Isto É, estranhou o comportamento do presidente. "Raras vezes eu vi alguém tremer tanto (...) desde que Luís Roberto Barroso, atendendo a um pedido de alguns senadores, determinou a abertura de uma CPI para que se investigue possíveis omissões do governo federal no combate à pandemia de coronavírus e suas consequências nefastas". "Acossado pela história e humilhado pela própria burrice, [Bolsonaro] demonstra cabalmente toda sua incapacidade e despreparo para continuar na presidência do Brasil", conclui.

O instituto da CPI é relevante na história da política brasileira - o impeachment de Collor de Mello partiu de uma. Para Celso Rocha de Barros, colunista do jornal Folha de S. Paulo, "a CPI tem que ser o início do julgamento de Nuremberga que o bolsonarismo merece" porque "quem não trabalha para que Bolsonaro seja responsabilizado pelos seus crimes, trabalha para matar 100, 200 mil brasileiros além dos que já morreram".

O argumento de Bolsonaro e dos seus apoiantes é que os maiores culpados do descalabro na pandemia são os governadores estaduais, uma vez que o governo federal lhes distribuiu verbas que eles não souberam gerir ou desviaram. A acusação gerou uma carta conjunta de 19 dos 27 governadores, incluindo aliados do governo, a falar de "má informação".

Um dos atingidos, João Doria (PSDB), governador de São Paulo tem entretanto a seu favor o argumento de que foi a vacina que ele comprou, e da qual o presidente desdenhou, a Coronavac, que vacinou 80% dos brasileiros já imunizados.

13 500 000 - Número de casos de covid-19 contabilizados no Brasil

355 000 - Número de mortos por covid-19 no Brasil, segundo pior registo, em números absolutos, atrás apenas dos EUA

37% - Mais de um terço das mortes no mundo são de brasileiros - a população do país corresponde a 2,7% da população mundial

18º - Posição do Brasil no número de mortes em números relativos. Em janeiro, o país era o 24º

4195 - No dia 6 morreram mais pessoas com covid-19 no Brasil do que na Europa, Ásia, África e restante América

20 - Número de estados, de um total de 27, com taxas de ocupação de leitos hospitalares acima dos 90%

92 - Número de variantes do vírus em circulação no Brasil, segundo a Fiocruz, fundação de pesquisa científica do governo

4% - Percentagem da população com as duas doses da vacina aplicadas

70 000 000 - Número de doses oferecidas pela Pfizer ao Brasil e recusadas pelo governo ainda em 2020

*Fontes: Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at Johns Hopkins University; Our Wolrd in Data, BBC Brasil, portal G1