Política
10 junho 2023 às 21h45

Marcelo pede "novo viço" e mantém saída de Galamba na agenda

Presidente da República centrou discurso nos problemas estruturais do país, pediu ambição aos portugueses, mas guardou onze palavras para uma metáfora que é uma sugestão de saída de João Galamba do Governo.

Foi um discurso sobre os problemas de sempre do país, mas bastaram onze palavras em forma de metáfora para o remeter para os dias de hoje: "É preciso cortarmos os ramos mortos que atingem a árvore toda". Com António Costa sentado na plateia, e os ecos do diferendo entre São Bento e Belém a continuarem a ressoar na vida política, Marcelo Rebelo de Sousa deixou este sábado patente que a divergência com o primeiro-ministro em torno da continuidade de João Galamba continua bem viva, apesar de, já à noite, ter garantido que as suas palavras não se referiam a "nenhum caso específico".

No discurso nas comemorações do 10 de junho, no Peso da Régua, o Presidente da República evocou a dimensão universalista de Portugal para a contrastar com os persistentes problemas que, "entre portas", se mantêm ao longo da história do país. Mas sublinhando que é preciso nunca desistir e que é sempre tempo de um recomeço: "Começar de novo. Darmos novo viço ao que disso precisar. Plantarmos. Semearmos. Podarmos. Cortarmos ramos mortos que atingem a árvore toda". O paralelo com a vida política é incontornável e diz numa metáfora o que Marcelo Rebelo disse com todas as letras a 4 de maio passado: a permanência do atual ministro das Infraestruturas no Governo é prejudicial à confiabilidade do poder político, por maioria de razão, do Governo - ou seja, o ramo que atinje a árvore toda. Momentos antes, João Galamba tinha sido vaiado por populares à chegada à cerimónia militar que assinalou o Dia de Portugal.

No Peso da Régua, distrito de Vila Real, Marcelo Rebelo de Sousa evocou o Douro, que serviu de pano de fundo às cerimónias deste 10 de junho, como um exemplo de "vontade e persistência", de força e ambição, um "retrato do Portugal que queremos". Para começar (e porque "só a união faz a força") pediu um país mais coeso territorialmente: "Queremos que os Pesos das Réguas do nosso interior sejam tão importantes como as Lisboas, os Portos, as Coimbras". Mas também, acrescentaria depois, um país mais rico e mais coeso socialmente - "Não podemos desistir nunca de criar mais riqueza, mais igualdade, mais coesão, distribuindo essa riqueza com mais justiça".

Como já é hábito no Dia de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa puxou pelos galões do país e pela auto estima dos portugueses. "Somos dez milhões cá dentro, mas valemos muito mais", referiu o Presidente da República, lembrando que a língua portuguesa é a quinta mais falada no mundo, a "segunda mais usada no digital", lembrando a eleição e reeleição de António Guterres como secretário-geral da ONU "por aclamação de quase 200 Estados" e as forças portuguesas destacadas no estrangeiro. "Temos um peso no mundo muito maior do que faria supor o território do país", prosseguiu o Presidente da República, para depois deixar uma pergunta: "De que nos serve isto se entre portas sempre tivemos e temos problemas para resolver, mais pobreza que riqueza, mais desigualdade que igualdade, mais razões para partir do que para ficar?". "Sejamos honestos, assim tem sido e continua a ser século após século", sublinhou o chefe de Estado. E não deixou de o ser nem mesmo nos "tempos mais ricos" do império colonial, do "delírio" do ouro e da pimenta, até aos tempos mais recentes do Estado Novo, em que "as finanças estavam certas, mas a liberdade, saúde, educação e segurança social ou não existiam ou eram para um punhado de privilegiados". "Tudo isto foi e ainda é verdade", afirmou.

Se Marcelo Rebelo de Sousa fez a pergunta também deixou a resposta: nunca desistir. Respeitando a "nossa vocação de sempre": "Fazermos pontes, sermos plataforma entre oceanos, continentes, culturas e povos. Outros há, e haverá, que são e serão mais ricos do que nós, mais coesos do que nós, mas com línguas que poucos conhecem, incapazes de compreenderem o mundo, de o tocarem e de o influenciar, mesmo aquele mundo que está à beira da sua porta".

Falando numa "Pátria improvável", "feita a pulso", "contra o vento" e "muitas vezes chamada a ser mais importante lá fora do que cá dentro", Marcelo Rebelo de Sousa deixou a receita para o Portugal que quer ver construído: "Pegarmos no impossível, tentarmos uma vez, cem vezes, mil vezes, falharmos mais do que acertamos, não desistirmos, começarmos de novo". Voltando a evocar a região que escolheu para assinalar este Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas - "Recriarmos juntos, neste Douro, em todos os nossos Douros, o que faça o nosso futuro muito diferente e muito melhor do que o nosso presente".

Na reação ao discurso do Presidente da República, o líder do PSD, Luís Montenegro, veio "corroborar" as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa: "Acredito muito no futuro de Portugal. Tenho esperança de que seremos capazes de gerar mais oportunidades, de criar mais riqueza e fixar os nossos jovens", afirmou Luís Montenegro. Mas este é um cenário com os sociais-democratas no Executivo - "O país pode e deve saber que o PSD não desiste de Portugal. O líder do PSD quer ser primeiro-ministro, mas "não é para preencher nenhum capricho, é para dar mais desenvolvimento ao país".

Já Chega e Iniciativa Liberal aproveitaram a metáfora presidencial do ramo que deve ser cortado para defender que o problema está na árvore. Dizendo reconhecer-se no discurso de Marcelo, André Ventura apelou ao primeiro-ministro para que corte "os ramos infetados" e insistiu que há uma alternativa à direita ao Governo de Costa. Para o líder da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, não chega cortar um ramo, o país precisa "de uma árvore nova": "A árvore está contaminada e, portanto, mais do que a poda que o senhor Presidente da República recomenda, o que nós precisamos no país é de uma árvore nova".

Já o dirigente socialista Porfírio Silva saudou o que disse ser uma "mensagem de mobilização, de unidade, de persistência, de continuidade". Sobre a referência à necessidade de cortar os ramos que atingem a árvore, Porfírio Silva retorquiu que "como o próprio senhor Presidente da República disse, o discurso do 10 de Junho não foi um discurso sobre a atualidade, não foi sobre o dia-a-dia, foi sobre os grandes desafios do país". A esquerda não reagiu ao discurso presidencial. Com Lusa

susete.francisco@dn.pt