"Centeno perdeu o sentimento de que era muito relevante." João Leão "é uma incógnita total"
O economista João Duque diz que Mário Centeno deixou de ser ministro das Finanças porque se fartou. Também porque sentiu ter perdido "importância". Quanto ao novo ministro, "é uma incógnita".

Centeno com João Leão
© Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
O que terá motivado a saída de Mário Centeno do Governo?
Há várias coisas. Em primeiro lugar, o facto de perceber que ia enfrentar outro recorde, provavelmente, este é o Orçamento do Estado mais desequilibrado desta democracia. Depois, perdeu o sentimento de que era uma pessoa muito relevante no Governo. Antes, onde é que se ia buscar receita para fazer face ao sorvedouro que é Costa a oferecer dinheiro? Ia-se buscar a Mário Centeno, de repente, percebeu-se onde é que se vai buscar? À Europa, por isso Centeno já não era preciso, perde importância.
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Também porque já tinha cumprido o seu papel?
Tínhamos um objetivo que era simples: nadar debaixo de água. Quando se chega à tona da água, a pergunta é: vamos respirar para quê? E António Costa não sabia responder, teve de ir buscar um homem para lhes dizer para onde devem ir. Um primeiro-ministro, que tem uma equipa de ministros e, ao fim de quatro anos, pede a uma pessoa externa para dizer para onde deve ir em termos económicos é extraordinário.
Está a falar de António Costa e Silva, que António Costa escolheu para apresentar um plano de recuperação económica e com o qual Mário Centeno disse nunca ter falado.
Isso é uma desconsideração para todos, o Governo não sabe dizer para onde é que isto vai? Não quer dizer que uma pessoa de fora não tenha uma ideia ou outra, mas o que é que os ministros andam a fazer?
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Foi a gota de água?
Houve uma série de coincidências. Mário Centeno percebe que deixa de ter apoio no Eurogrupo, foi a explicação dada no caso do Novo Banco, quando o ministro se limitou a cumprir a palavra, assina-se um contrato e cumpre-se o contrato. Acho que se cansou de tudo isto.
Era conhecido como o ministro da contenção, agora que é preciso gastar, devido à covid-19, deixou de ser a pessoa indicada?
Antes o dinheiro só tinha uma origem, que era Portugal, e Mário Centeno serviu para gerir esse dinheiro. De repente, António Costa percebeu que Centeno não era preciso porque há muito dinheiro para chegar de fora.
O novo ministro das Finanças, João Leão, é a pessoa indicada para gerir essas verbas?
João Leão tem uma oportunidade de ouro, demonstrar que é capaz de ir lá abaixo e pôr de novo a economia em cima. Além disso, pode fazer coisas que o Centeno não fez, como reestruturar a administração pública, a administração fiscal, o Código dos Impostos, fazer uma alteração estruturante que este Governo não fez.

© Álvaro Isidoro/Global Imagens
Tem perfil para isso?
Não sei, como é muito low profile, muito reservado, nunca se expôs. João Leão é uma incógnita total. Mas não é fácil fazer a reestruturação de que se fala.
Está a dizer que o novo ministro das Finanças só tem de continuar a surfar a onda?
Não, isso foi o que Centeno fez. Pegou na prancha, meteu-se em cima da onda e cavalgou. Com as empresas a exportar, o turismo a vir, o dinheiro a entrar para o imobiliário, o que é que ele fez? Apertou, apertou, disse não ao investimento, para beneficiar um objetivo último, que era equilibrar as contas públicas, e conseguiu. Nesta nova fase, é preciso ter visão para a economia do país. Saímos debaixo de água e agora temos de saber para onde queremos ir. João Leão, na área dele, pode fazer a diferença, qualquer ministro das Finanças pode fazer diferença. Mário Centeno fez uma linha reta, que começava em Passos Coelho, de reduzir o défice, foi o que o Centeno conseguiu. A dívida já não foi a mesma história. João Leão tem outra vez um défice bestial, vai conseguir ultrapassar isso? Talvez, à custa de muito fundo europeu. Nas áreas dele, o que pode fazer é tornar Portugal atrativo para o investimento, e isso faz-se com reformas fiscais. É uma missão de ouro, não sei se consegue, mas tem de mudar as coisas, e não é fácil.
Qual será o próximo ciclo de Mário Centeno?
No Eurogrupo. Vai-se embora e acho que não devia ir para o Banco de Portugal. Será um excelente governador de um banco central de um país europeu que não o de Portugal, No Reino Unido está um canadiano, não é problema nenhum, e era assim que devia ser, não está dependente de ninguém. E, quando acabar a função, volta para o país dele. Independentemente de ser uma saída direta do Governo, se for para o Banco de Portugal, vai ter um ex-subordinado como seu superior? Vai ser uma relação saudável? Não faz sentido nenhum.
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