"Já disse várias vezes que nunca corrompi ninguém"

Ricardo Salgado deixou tribunal sem falar sobre Sócrates ou Carlos Santos Silva. Perante o juiz Ivo Rosa diz que esclareceu a "relação contratual com Zeinal Bava". Falta ouvir nesta fase da Operação Marquês o ex-primeiro-ministro e o empresário.

José Sócrates e Carlos Santos Silva, considerado o testa-de-ferro do antigo primeiro-ministro na movimentação de verbas que na realidade pertenceriam ao ex-governante, são desde esta segunda-feira os principais acusados na Operação Marquês que falta ouvir pelo juiz Ivo Rosa.

As datas para os seus depoimentos ainda não são conhecidas, mas são duas das presenças mais aguardadas para prestar declarações perante o magistrado que dirige a fase de instrução do processo e que vai decidir se todos os 28 arguidos vão a julgamento ou se os crimes de que estão acusados se mantém.

Nesta segunda-feira esteve perante o juiz Ivo Rosa um dos outros mais mediáticos arguidos no caso: Ricardo Salgado. O antigo presidente do Grupo Espírito Santo só falou sobre o contrato que assinou com o antigo administrador da Portugal Telecom, Zeinal Bava.

Esteve 1,45 horas - entre as 14.00 e as 15.45 - a ser ouvido pelo magistrado que lidera a fase de instrução do processo - em que 19 pessoas, entre elas o antigo primeiro-ministro José Sócrates e nove empresas são acusadas de vários crimes de índole económico-financeira - e deixou o Tribunal Central de Instrução Criminal garantindo que tinha esclarecido o teor dessa relação com o antigo gestor a quem entregou 25,2 milhões de euros.

Aos jornalistas disse ter confirmado ao magistrado a entrega do dinheiro a Zeinal Bava numa relação que se tinha iniciado em 2006, mas que só foi colocada num contrato em 2010. O dinheiro foi entregue ao gestor em três parcelas: 6,7; 8,5 e 10 milhões de euros. E tinha como objetivo a compra de ações da Portugal Telecom.

Ricardo Salgado frisou não existir "discrepância" entre as suas declarações e as de Bava - que na semana passada confirmou o teor do compromisso nas declarações perante Ivo Rosa - e que respondeu "a todas as perguntas do juiz [sobre esse tema]".

Não falou foi sobre José Sócrates e Carlos Santos Silva, também arguidos no processo e que, no caso do ex-governante, a acusação diz ter recebido 34 milhões de euros do Grupo GES entre 2006 e 2015. "Não me perguntaram nada sobre Sócrates e nem sequer ouvi falar desse nome [Carlos Santos Silva]", salientou o antigo presidente do BES

Antes de ser interrompido pelo advogado, Ricardo Salgado ainda comentou as acusações de corrupção: "Já disse várias vezes que nunca corrompi ninguém."

Ricardo Salgado não tinha pedido para ser ouvido na fase de instrução do Processo Marquês, mas o juiz Ivo Rosa considerou que o seu depoimento no âmbito da investigação conhecida como Monte Branco não poderia ser utilizado fora desse processo.

Por isso quer ouvir a sua explicação para algumas das acusações apresentadas pelo Ministério Público. Por exemplo a entrega a Zeinal Bava, na altura presidente da Portugal Telecom, de 25,2 milhões de euros. Operação já explicada pelo gestor que garantiu a Ivo Rosa que essa verba era um empréstimo para a compra de ações da PT.

A acusação do Ministério Público também destaca os negócios e a influência que o GES tinha na empresa de telecomunicações, mas estes temas acabaram por não ser referidos neste interrogatório. Recorde-se que o MP destacou o facto de entre 2001 e 2014 o Grupo Espírito Santo ter recebido da Portugal Telecom 634 milhões por ano, ou seja um total de 8,4 mil milhões de euros em dividendos e pagamentos de serviços prestados.

O chumbo da OPA da SONAE à PT é outro dos assuntos referidos na acusação pois é a base de sustentação para a tese dos pagamentos a José Sócrates (então primeiro-ministro e que está acusado de crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada)e uma das figuras centrais do Processo Marquês), de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, os dois administradores da PT, pois todos teriam unido esforços para que esse negócio não fosse concretizado.

Na acusação, o antigo presidente do Grupo Espírito Santo é descrito como uma das figuras centrais de um esquema alegadamente ilegal que contou com diversas transações financeiras em contas bancárias de sociedades offshore e decisões de gestão. Terá sido ele o responsável por várias estratégias de movimentação de dinheiro em contas bancárias em paraísos fiscais, envolvendo por exemplo Joaquim Barroca, Hélder Bataglia, José Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva.

É até frisado que terá recebido mais de dez milhões de euros com este esquema em que alegados pagamentos ao Grupo BES tinham como destino final as suas contas bancárias.

No caso de Sócrates a equipa do Ministério Público e da Autoridade Tributária liderada pelo procurador Rosário Teixeira sustenta que o antigo governante recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro no GES e na PT, bem como garantir a concessão de financiamento da Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e por favorecer negócios do Grupo Lena.

A influência do ex-banqueiro ter-se-á feito sentir em negócios que envolviam as empresas Oi e Vivo (brasileiras) - também não quis falar sobre eles - e a espanhola Telefónica.

Em 2011, Ricardo Salgado terá declarado que obteve 9,6 milhões de euros de rendimento nesse ano, mas, de acordo com a acusação, não terá somado a esta verba outros 7,9 milhões, daí incorrer num crime de fraude fiscal e um prejuízo para o Estado de 4,7 milhões de euros em IRS por pagar.

O antigo presidente do Grupo Espírito Santo está acusado de 21 crimes: corrupção ativa de titular de cargo político (1), corrupção ativa (2) branqueamento de capitais (9), abuso de confiança (3) falsificação de documentos (3) e fraude fiscal qualificada (3).

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