E agora, Donald: o princípio do fim ou o aprofundar do culto Trump?
Os conselheiros já falam em Trump 2024 e há quem aposte que pelo caminho o empresário se aventure na televisão. Mas a justiça pode bater à porta.

Donald Trump na Casa Branca a caminho do helicóptero presidencial.
© EPA/KEN CEDENO
Ainda agora Joe Biden foi declarado vencedor e já há quem fale nas próximas eleições. O candidato Kanye West, mais conhecido pela música e pela vida de celebridade do que pela política, granjeou 60 mil votos em 12 estados, mas o resultado não o abateu e o rapper já apresentou a candidatura para 2024. West, ex-apoiante de Donald Trump, coincide com o empresário ao usar a televisão, ou antes a reality TV como plataforma de promoção da sua marca. Ambos podem concorrer pelas audiências na televisão e pelo voto dentro de quatro anos, caso se confirme a derrota do atual presidente.
Donald Trump não é passado. O homem que surpreendeu as empresas de sondagens (e o mundo) em 2016 tem um mandato marcado pela controvérsia, pelo confronto e divisão, o que sendo inaceitável para uma maioria de eleitores norte-americanos, como se comprova pelo voto popular, também pela mesmíssima medida se certifica que continua a ter um enorme apelo junto eleitorado: conseguiu mais sete milhões de votos do que na corrida com Hillary Clinton e pode gabar-se de ser o segundo candidato mais votado de sempre. Só que, conhecendo o mínimo da sua personalidade, esse será um troféu que não irá brandir.
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Donald Trump não é passado. Continua a ter um enorme apelo junto do eleitorado, tendo obtido mais sete milhões de votos do que em 2016.
Quem o conhece bem sabe que Donald Trump não tem lugar para segundos classificados ou vencidos. A sobrinha Mary, psicóloga clínica, pintou ao pormenor o seu retrato no livro Too Much and Never Enough: How My Family Created the World"s Most Dangerous Man (Demasiado e Nunca Suficiente: Como a Minha Família Criou o Homem Mais Perigoso do Mundo).
A explicação reside no pai de Donald, Fred, um homem implacável nos negócios e também com a família, ao fomentar nos filhos um espírito de competição entre eles e ao não aceitar desculpas nem explicações pelo insucesso. "Quer Donald compreendesse ou não a mensagem de base, Fred fê-lo: em família, como na vida, só podia haver um vencedor; todos os outros tinham de perder."
É esta a mentalidade de quem está na presidência dos Estados Unidos, um "sociopata" - nas palavras da sobrinha - incapaz de sentir empatia pelo outro, e que centra toda a sua ação no sucesso pessoal. Ao declarar-se vencedor quando a contagem dos votos ia a meio caminho ou ao lançar suspeitas infundadas sobre os boletins de voto enviados e entregues dentro dos prazos legais, Trump deu mais um sinal de que as regras da democracia só servem quando lhe convém.
Ninguém espera que Donald Trump siga o exemplo de Al Gore em 2000, quando reconheceu a derrota para George W. Bush, depois de cinco semanas de recontagens e recursos judiciais. Ninguém vê como séria a hipótese de Trump fazer um discurso de aceitação da derrota como o que John McCain fez em 2008. Perante assobios ao nome do vencedor, McCain elogiou Barack Obama num discurso conciliador e de esperança.
Mas Trump detesta McCain e nunca perdeu a oportunidade para o chamar de "falhado", fosse por ter sido prisioneiro durante a guerra do Vietname, fosse por ter perdido as eleições. É de esperar, portanto, que a estratégia assente na luta pelos resultados continue, quer com pedidos de recontagem, quer em recursos para os tribunais, porque independentemente da razão que lhe possa assistir nalgum caso, é importante continuar a deslegitimar os resultados. Desta forma o presidente vai continuar a gabar-se de ser o vencedor com os "votos legais", alimentar a sua base eleitoral e manter as esperanças intactas quanto ao seu futuro - ou do seu clã - na política. "O populismo continuará vivo na América", conclui a revista britânica The Economist, ao analisar os resultados das eleições.
Cenários mais e menos prováveis
Partindo do princípio que no dia 20 de janeiro ao meio-dia se dá a transição de poder, como previsto na Constituição dos Estados Unidos, Donald Trump pode começar a campanha para as próximas eleições. "Alguns assessores e conselheiros começam a falar sobre o potencial não só de que o presidente vai perder esta eleição, mas também de que ele pode organizar algum tipo de candidatura de ressurreição em 2024", disse o jornalista da CNN Jim Acosta. O nova-iorquino de 74 anos continuaria em campanha pelo país (embora sem o púlpito da Casa Branca nem o avião presidencial), mantendo o contacto com os seus fiéis e angariando dinheiro.

O clã Trump no relvado da Casa Branca durante a convenção republicana. Donald Trump usou a residência oficial da presidência para fazer campanha.
© EPA/JIM LO SCALZO
Um cenário que depende do seu boletim clínico. Além da idade, é do conhecimento público que os hábitos alimentares e o peso do presidente não jogam em seu favor. Questões de saúde à parte, existem sérias interrogações legais.
O presidente enfrenta pelo menos duas investigações a nível estadual sobre os seus negócios em Nova Iorque. A procuradora-geral daquele estado está a investigar se a Organização Trump enganou credores e autoridades fiscais ao exagerar o valor das suas propriedades. O procurador distrital de Manhattan está a conduzir uma investigação separada sobre as finanças da empresa, tendo sido iniciada, durante a campanha de 2016, por ter pago o silêncio a duas mulheres com quem terá mantido relações, uma ex-modelo da Playboy e uma estrela pornográfica - um crime segundo a lei eleitoral. Há ainda alegações de violação e outras agressões sexuais.
Outro cenário, complementar à preparação de uma candidatura sua, ou, por exemplo da filha Ivanka, pode ser a comunicação social, em especial a TV, onde ganhou experiência e fama nacional no concurso The Apprentice. Trump adora falar e não faltam audiências interessadas em ouvi-lo, seja para falar em teorias da conspiração, anedotas, ou queixar-se da fraca pressão da água nas casas de banho. Já por várias vezes criticou o seu canal preferido, a Fox News, pelo que há quem especule se não irá comprar um pequeno canal de extrema-direita como o One America News.
Menos provável será retirar-se da vida pública e dedicar-se ao golfe. Durante a campanha na Florida, de visita à comunidade de reformados disse que poderia juntar-se: "Vou mudar-me para o The Villages. Sabem que mais? Não é a pior ideia. Gosto dessa ideia." Mas ninguém acredita nela.
Atualizado no dia 7 de novembro às 16:58
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