"Mário Centeno não fez melhor porque a geringonça não o permitiu"
O ministro-sombra das Finanças de Rui Rio em entrevista DN-TSF. As apostas na redução da carga fiscal, para as empresas mas também para as famílias. E o que o PSD defende como cenário macroeconómico.
No início do ano fez uma série de propostas polémicas, nomeadamente o regresso das 40 horas, o fim dos carros do Estado, um governo com menos ministérios. Tudo isto no livro A Reforma das Finanças Públicas em Portugal. Joaquim Sarmento é uma espécie de ministro-sombra de Rui Rio para esta área, professor do ISEG, foi assessor económico do Presidente da República Cavaco Silva entre 2012 e 2016; trabalhou dez anos no Ministério das Finanças, na Direção-Geral dos Impostos e na Direção-Geral do Orçamento, e foi consultor da UTAO, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, na Assembleia da República. O agora porta-voz do PSD para a área das finanças, Joaquim Sarmento, é o convidado desta semana da entrevista DN-TSF.
Diminuir impostos, fazer crescer a economia e investir. Além disto, um cenário mais otimista do que o do governo. Tudo isto parece um conto de fadas?
Não, não é um conto de fadas, é um cenário macroeconómico que nós entendemos realista e credível. A diferença do nosso cenário, do ponto de vista do crescimento nominal do PIB, ou seja, do aumento da riqueza em milhões de euros, face ao cenário que o governo apresenta no Programa de Estabilidade, é de cerca de 0,5% ao ano. Mas o Programa de Estabilidade que foi apresentado pelo governo em abril não tem qualquer medida, porque o governo decidiu não apresentar, para a economia para os próximos quatro anos. Portanto, aquilo que nós entendemos é que as propostas que vão começar a ser divulgadas nesta semana do ponto de vista da política fiscal e propostas económicas, isso vai aumentar a competitividade da economia portuguesa. Esse é o ponto central da nossa análise económica - as nossas medidas são desenhadas para aumentar a competitividade da economia portuguesa. Elas são baseadas em três drivers fundamentais: aumento do investimento, por um lado público, mas sobretudo privado; aumento das exportações; poupança. Recalculámos o cenário-base do Conselho de Finanças Públicas e chegámos a taxas de crescimento que vão em crescendo, mas que, face àquilo que é o Programa de Estabilidade do governo, tem uma diferença do ponto de vista nominal de cerca de 0,5%.
Vamos por partes: a diminuição de impostos. Portugal está neste momento em máximos históricos, está nos 34,9% do PIB, e a promessa do PSD é baixar este valor para 33,3% em 2023. Em que se baseia fundamentalmente esta redução dos impostos?
A nossa política fiscal, mais uma vez olhando para estes três fatores - investimento, exportações e poupança - tem medidas do ponto de vista do IRC, com a redução da taxa nominal em quatro pontos percentuais, passando-a de 21% para 17%, e um conjunto de medidas de reforço da captação de investimento em sede de IRC, tem a eliminação do adicional do IMI e a baixa do IVA da eletricidade de 23% para 6%. E tem medidas, do ponto de vista do IRS, de revisão dos escalões, sobretudo os intermédios, de aumento das deduções à coleta das despesas sociais - educação, saúde -, e medidas que fomentem a poupança das famílias.
Essa redução dos escalões intermédios significará exatamente o quê?
Significará uma revisão dos escalões e das taxas de forma a desagravar o imposto [IRS] que é pago pelas famílias e pelas pessoas num determinado montante anual que depois iremos divulgar.
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Só para os escalões do meio da tabela, é isso?
Como o imposto é progressivo, o efeito sentir-se-á em todos os sete escalões atuais, mas incidiremos a maioria da redução da carga fiscal nos escalões intermédios, ou seja, entre o segundo e o quinto escalão.
Será possível detalhar um pouco mais esta redução dos escalões intermédios. O que é que isso significa e para quem?
Nós, estando na oposição, obviamente não temos acesso aos dados da administração tributária, aqueles a que chamamos os microdados de cada contribuinte, que permitem depois fazer este tipo de simulações, e que o governo faz quando apresenta medidas da área fiscal. O que nós dizemos é que haverá uma fatia significativa da redução de impostos em sede de IRS dirigida à redução das taxas de cada um dos escalões e centrada maioritariamente nas pessoas que estão entre o segundo e o quinto escalões.
Partindo do pressuposto de que são 50% dos trabalhadores que efetivamente pagam impostos, porque os outros estão isentos, pois os seus rendimentos não permitem o pagamento, estaremos a falar de que tipo de pessoas? A classe média?
Se se quiser usar esse conceito. Eu tenho sempre alguma dificuldade com ele, mas estamos a falar das pessoas que ganham 1000/1500/2000 euros por mês e que, neste momento, estão asfixiadas, se posso usar o termo, pela carga fiscal não só em sede de IRS, mas em sede de todos os outros impostos que pagam. Nós procuraremos aliviar um pouco essa carga fiscal, daí que o somatório das nossas medidas nos vários impostos, no IRS, no IRC, no IMI e no IVA, totalize no final dos quatro anos 1,5% do PIB, ou seja, qualquer coisa como 3,7 mil milhões. Acho que o ponto mais importante da mensagem que queremos passar e que os portugueses precisam de saber para decidirem como é que vão votar no dia 6 de outubro é onde está a diferença política, a diferença de escolhas. Como eu disse, o governo prevê no Programa de Estabilidade um crescimento nominal de cerca de 3,5% ao ano, nós prevemos 4%, a diferença não é muito significativa - sabemos que qualquer crescimento nominal gera um dividendo orçamental. Ou seja, se a economia cresce cobram-se mais impostos, e aí é que está a diferença política entre o PS e a nossa escolha, apresentada nesta semana. O PS quer, com essa margem orçamental, aumentar a despesa corrente primária, portanto gastar mais na máquina do Estado. Nós queremos sobretudo reduzir impostos. É essa a escolha que os portugueses terão de fazer. Se os portugueses entenderem que nos últimos quatro anos fomos razoavelmente bem governados, e se entenderem que o caminho é aumentar o peso do Estado e a despesa corrente primária, devem votar no PS; se entenderem que os últimos quatro anos não foram bons, como nós entendemos, e que o que é necessário é controlar a despesa corrente primária de forma a poder reduzir os impostos, devem votar no PSD.
"Basta que cresça 2% ao ano, nós conseguimos gerir os serviços públicos, melhorá-los, depois explicarei porquê e como"
Aquilo que o PS parece prometer, e já terá dito que promete, à função pública, o PSD diz que vai poupar em impostos?
No Programa de Estabilidade que o governo apresentou em abril, e estou a tomar os números do governo como a intenção do PS para os próximos quatro anos, senão não os teria apresentado no Programa de Estabilidade, é que o governo prevê que a despesa corrente primária cresça 4% ao ano, portanto, a despesa com a máquina do Estado. O que nós dizemos é que basta que cresça 2% ao ano -acima da inflação, porque a inflação prevista para os próximos anos ronda 1,5% -, nós conseguimos gerir os serviços públicos, melhorá-los, depois explicarei porquê e como. Essa margem que nos é dada pelo crescimento e pelo facto de a despesa com a máquina do Estado crescer bastante abaixo daquilo que é o crescimento nominal do PIB dá para reduzir impostos e para aumentar um pouco mais o investimento público.
Isso significa não aumentar o funcionalismo público, uma das medidas que o governo, desde já, antecipou que pode tomar?
Não, isso significa ser criterioso nas escolhas. Quando olhamos para as despesas com pessoal vemos que em 2019 são 10,8% do PIB e nós estimamos que cheguem em 2023 a 10% do PIB, mas o PIB passará, no nosso cenário macro, de 209 mil milhões de euros para 244 mil milhões de euros. Portanto, as despesas com pessoal, apesar de caírem 0,9% do PIB, nominalmente aumentam 1,8 mil milhões de euros. Há uma almofada que é dada pelo crescimento económico e que é dada por um controlo maior na despesa corrente primária, fazendo que ela só cresça 2% ao ano, ao invés do previsto pelo governo, que aponta para 4% ao ano.
Para além disso, há aqui também uma nota de revisão de benefícios fiscais que passa, por exemplo, pelo aumento na dedução das despesas da saúde - há patamares definidos neste caso -, e por outra medida que tem que ver com os incentivos às poupanças das famílias. Queríamos que nos falasse um pouco das duas medidas para perceber que tipo de efeitos é que terá na nossa vida do dia-a-dia este aumento na dedução dos impostos.
Aquilo a que nós nos comprometemos com os portugueses é que vamos procurar medidas de gestão pública que controlem a despesa corrente primária nos tais 2% de que falava, e havendo o crescimento económico que nós esperamos, porque nas nossas medidas fiscais e económicas (fora da área fiscal) temos a previsão de que impactarão no investimento e nas exportações. Portanto, com mais crescimento económico e com o controlo da despesa pública corrente é possível, e esse é o nosso compromisso com os portugueses, baixar os impostos em 1,5% do PIB ao longo dos quatro anos. Isto significa que em 2023 cobraremos menos 3,7 mil milhões de euros de impostos do que se cobraria se a carga fiscal continuasse nos 34,9%.
E isso é compensado pelo crescimento da economia?
É compensado pelo crescimento da economia e pelo menor crescimento da despesa corrente primária. Se olharmos para o nosso quadro e verificarmos a diferença entre 2023 e 2019, o que temos é menos 1,6% do PIB na receita, mais 1,2% do PIB no investimento público e uma melhoria do saldo de 0,8, o que no total dá 3,6. Como é que nós chegamos a estes 3,6 do outro lado? Os juros vão-se reduzir em 0,4, isto é uma previsão do Conselho de Finanças Públicas de Março, neste momento a situação de juros é francamente mais favorável do que a de Março, até achamos que aqui poderá haver uma ligeira margem para se gastar menos, mas fomos conservadores e usámos a previsão do CFP. Temos menos 0,7 nas outras despesas de capital, que tiveram muito que ver nos últimos dois anos com as injeções no Novo Banco e na Caixa; e, depois, temos menos 2,5 pontos percentuais do PIB na despesa corrente primária, exatamente porque procuraremos controlá-la com um crescimento de 2% ao ano e não os 4% que o Governo antecipa.
E se a economia não crescer ao ritmo que essas previsões indicam?
Se a economia não crescer ao ritmo destas previsões, e, obviamente, os fatores externos são extremamente voláteis, a nossa abordagem tem uma enorme vantagem face à abordagem do Governo. Porque nós sabemos que quando se aumenta a despesa corrente primária, ela é extremamente rígida - nós passámos por isso nos últimos 20 anos e nas crises passámos sempre por isso. Enquanto a redução de impostos e o aumento do investimento público têm uma enorme flexibilidade. Se me perguntarem responderei que à data de hoje, e estamos a três meses das eleições, este cenário macro e orçamental é credível. Obviamente que qualquer fator externo, o Brexit, uma crise no Irão, o aumento da guerra comercial entre a China e os Estados Unidos, enfim, um conjunto de outras situações que podem obviamente impactar na procura externa. Saliento também que este cenário foi construído de uma forma conservadora porque quando se constrói um cenário macroeconómico há quatro variáveis que são fundamentais: o deflator do PIB - nós usámos, para as quatro, a previsão do Conselho de Finanças Públicas -, o aumento dos preços, a taxa de juro médio da dívida pública, portanto a despesa com juros, a procura externa, portanto quanto é que vai crescer a economia de cada um dos países para quem Portugal exporta vezes o peso de cada país nas exportações, e o aumento das prestações sociais em dinheiro ou seja, as pensões, o subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção, para todos usámos os valores do CFP. Fomos relativamente prudentes, porque nas variáveis essenciais usámos aqueles que são os valores do CFP de Março. Recordo que no cenário do PS de 2015, havia uma diferença de crescimento real face àquilo que o Governo na altura previa, mas havia também uma diferença no crescimento dos preços. O cenário do PS era extremamente otimista no crescimento dos preços e o efeito nominal na parte orçamental é fundamental. Nós optámos por ser extremamente conservadores e usámos aquele que é o cenário do CFP. Isto para dizer que a nossa abordagem é muito mais flexível, se houver menos crescimento porque a economia mundial tem algum problema, nós não desceremos tanto os impostos como prevemos.
O que isso significa é que ao contrário do PS que se compromete com um aumento da despesa pública, o que nos está a dizer é que fazendo isso pela via dos impostos se houver uma crise económica ou um tropeção da economia, os impostos voltam a aumentar?
Não, não. Não voltam a aumentar, mas não se reduzem tanto. Se me disser que nos próximos meses há um evento tradicional que faz a economia mundial entrar em recessão, nós, olhando este cenário não precisamos de aumentar os impostos, mas a nossa margem para os reduzir diminuiu substancialmente. Imaginemos que há uma guerra entre o Irão e os Estados Unidos e os mercados internacionais entram em crise... A nossa abordagem é muito mais flexível perante aquilo que é a incerteza e a volatilidade que existe neste momento em termos internacionais, aí estou totalmente de acordo. A nossa abordagem é muito mais flexível do que a do Governo.
"Se me disser que nos próximos meses há um evento tradicional que faz a economia mundial entrar em recessão, nós, olhando este cenário não precisamos de aumentar os impostos"
Quem garante que o corte do IRC contribuirá para o investimento e não, por exemplo, para a sua capitalização - aliás, a maior parte delas está descapitalizada e alavancada em dívidas?
Nós esperamos que contribua para as duas coisas. Aliás, temos algumas medidas em sede de IRC e por isso é que não colocamos a tónica apenas na descida da taxa nominal. Porque é que a descida da taxa nominal é importante? Eu sou totalmente contra a taxa de IRC descer, por exemplo, para 10%, acho que seria um perfeito disparate do ponto de vista da condução da política económica, a nossa proposta é baixar de 21% para 17%, mantendo nestes próximos quatro anos a derrama estadual ou seja, as taxas 3, 5 e 9 que incidem sobre os lucros acima de determinados patamares.
Para quando os 17%?
Nós prevemos uma descida de dois pontos percentuais em 2020, que terá efeito na receita em 2021, e dois pontos percentuais em 2021, que terá efeito na receita em 2022, uma vez que há aqui um delay entre a taxa de IRC e depois a cobrança do imposto, que por via de pagamentos por conta e da liquidação do imposto pelas empresas é apenas feito no ano seguinte. Então, porque é que é importante descer a taxa de IRC? Porque Portugal é neste momento o segundo país da Europa com a maior taxa marginal ou seja, se somarmos os 21, os 9 da derrama estadual e o 1,5 da derrama municipal, coloca-a nos 31%. Onde é que eu acho que Portugal deve estar? Não deve ser o primeiro ou o segundo do outro lado, o país que tem a taxa de IRC mais baixa é a Bulgária que tem 10% e isso não a torna particularmente atrativa. Eu acho que Portugal deve estar algures no meio. Nós devíamos caminhar, e com a redução para 17% aproximamo-nos disso, para a nossa taxa marginal mais alta ser na ordem dos 25%. Descendo para 17% ficamos nos 26,5%, portanto aproximamo-nos muito desse objetivo.
Mas quem é que garante que uma descida da taxa, seja ela qual for, vai contribuir para o investimento e não simplesmente para a capitalização ou outra coisa qualquer?
Vai contribuir para o investimento exatamente porque vamos deixar de ter esse sinal negativo de sermos o segundo país com a maior taxa marginal. Mas se contribuir para a descida do nível de endividamento das empresas portuguesas também será um fator muito importante, porque elas estão bastante endividadas e por isso é que também não conseguem investir. Mas exatamente com essa preocupação é que nós temos um conjunto de outras medidas em sede de IRC de melhoria dos benefícios fiscais na retenção dos lucros, de melhoria do regime fiscal de apoio ao investimento, de aumento do reporte de prejuízos. Temos um conjunto de medidas mais direcionadas não em termos da redução da taxa nominal, mas sim para a captação de investimento.
Quando Rui Rio lhe pediu e falou com os seus especialistas para fazer este programa de governo, qual foi a tónica principal que ele colocou nestas medidas?
A tónica central deste programa económico e orçamental é aumentar a competitividade da economia portuguesa assente nesses três fatores que eu referi: investimento, exportações e poupança. Portanto, ele pediu-nos um cenário macro e orçamental credível, obviamente ambicioso porque as medidas que vamos começar a apresentar são ambiciosas e esperamos, portanto, que tenham impacto, se não acreditássemos nesse impacto não as apresentaríamos. Mas, para além de um cenário macro e orçamental credível e ambicioso, pediu-nos que o procurássemos desenhar, dentro das restrições que existem, para maximizar o efeito da competitividade da economia portuguesa.
Segundo dados recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a percentagem do rendimento do trabalho no PIB em Portugal passou de 65,8% para 54%... Enfim, caímos 38 posições, os 20% que menos ganham em Portugal ficaram apenas com cerca de 7% do rendimento total do trabalho, mesmo assim uma subida relativamente a 2004, mas há aqui uma desigualdade clara. Favorecer as empresas neste plano de redução geral da carga fiscal não acentua de alguma forma essas desigualdades?
Em primeiro lugar, o pacote total de medidas é, sensivelmente, metade para as empresas, metade para as pessoas. A partir do momento em que reduzimos o IVA da eletricidade de 23% para 6%, o efeito nas pessoas de menores rendimentos é muito significativo. Mas concordo consigo em que há um problema de salários em Portugal. Felizmente, neste momento não há um problema de desemprego, a taxa de desemprego ronda os 6%, não estará muito longe da taxa de desemprego natural, daí a queda da taxa de desemprego apesar da nossa taxa de crescimento ser relativamente modesta, mas há um problema de salários. A economia portuguesa criou muitos empregos nos últimos anos mas, de facto, a salários baixos e precários. Portanto, acho que há várias questões que têm de ser colocadas. O desagravamento do IVA da eletricidade vai beneficiar sobretudo as famílias de menores rendimentos, a descida no IRS vai beneficiar as famílias de rendimentos intermédios ou médios, como lhe quisermos chamar, e depois teremos de obviamente discutir a questão do salário mínimo nacional e quando é que poderemos aumentá-lo. Neste momento em que a taxa de desemprego é muito baixa, ao contrário de há quatro anos em que a aposta no aumento do salário mínimo nacional tinha riscos dada a taxa de desemprego que rondava os 10%, temos de equacionar - nós não teremos uma proposta totalmente fechada porque isso obviamente é matéria de concertação social -, se a economia portuguesa continuar a crescer nos 2% ou 2,5% em termos reais, se há margem para os salários poderem melhorar, até porque começa a haver alguma escassez de mão-de-obra e isso, obviamente, vai-se refletir no preço da mão-de-obra que são exatamente os salários.
Mas falava de salários baixos, na semana passada um dos principais gestores da Critical Software dizia que as empresas pagam poucos impostos porque têm obrigações para com a comunidade em que vivemos e obrigações de devolver valor à sociedade. O PSD não concorda com este princípio?
O PSD entende que as empresas são o ponto central para a criação de riqueza e para a criação de emprego. Só a criação de riqueza é que permite depois aumentar os salários por um lado e, por outro lado, cobrar impostos que depois permitam políticas redistributivas, seja em sede de IRS seja em sede das prestações sociais em dinheiro e em espécie ou seja, o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de educação, etc. As empresas estão no centro dessa opção de política económica. Mas isto não invalida que não haja de facto um problema de salários baixos, basta pensar que a mediana ou seja, os primeiros 50% da nossa distribuição salarial ganha cerca de 850 € e isso é um facto que nos obriga a uma reflexão sobre como é que podemos aumentar os salários, mas só é possível aumentá-los se as nossas empresas forem mais competitivas e criarem riqueza, de outra forma não estou a ver como.
Portanto, não concorda com o que ele diz no sentido de que as empresas pagam, nesta altura, poucos impostos, se estamos a falar de descidas na taxa de IRC?
Eu não sei exatamente em que contexto é que isso foi dito.
Era exatamente isso.
As pessoas pagam mais impostos do que as empresas. Quanto a isso não tenho dúvida e basta olhar para as taxas de IRS e de IRC, embora depois os dividendos ainda tenham algum nível de tributação em sede de IRS, mas sobrecarregar as empresas de impostos é criar mais um entrave, além dos outros que as empresas têm de custos de contexto do mercado laboral, etc., para que as empresas possam investir e criar riqueza, e com isso pagar melhores salários.
Temos aqui os gráficos que baseiam estas propostas todas e aquilo que vemos é uma página inteira referente às empresas, uma outra página que é mais ou menos mista e depois um bocadinho sobre o IRS, do IMI e do IVA que, com exceção da primeira linha, diz respeito às famílias. Não tem receio - isto agora é política pura - de deixar esta área grande do consumo e das famílias muito nas mãos do PS, ainda por cima tendo em conta que é ao centro que se ganham as eleições?
Eu não tenho especial experiência política para lhe dar, se calhar, a melhor resposta. Mas quando nós olhamos para os números que apresentámos, quando olhamos para a descida do IRS, para a descida do IVA da eletricidade que vai incidir apenas sobre os consumidores, uma vez que as empresas, por regra, deduzem o IVA das compras e para o adicional do IMI, que é verdade que uma parte é pago pelas empresas, mas creio que o grosso será pago pelos particulares, pelas famílias, nós vemos que os 3,7 mil milhões de redução da carga fiscal ao longo dos quatro anos, quase metade é dirigido às pessoas individuais, às famílias, e a outra metade, sensivelmente, é dirigida às empresas. Acho que do ponto de vista da distribuição do alívio fiscal, ele é equitativo. Nós fomos mais detalhados no IRC apenas porque do ponto de vista da modelização das medidas no IRS, não é possível nesta fase, sem os tais microdados que referi e que só o Governo obviamente é que tem, dizer exatamente como é que vamos calibrar as deduções à coleta, como é que vamos calibrar os escalões e as taxas. Isso não é possível neste momento. O nosso compromisso é: se a economia crescer na ordem dos 2,5% como nós apontamos do ponto de vista do crescimento real e se conseguirmos controlar a despesa corrente primária na ordem dos 2% ao ano, temos margem para reduzir impostos até 3,7 mil milhões de euros; e se tivermos essa margem, a forma como faremos essa redução é sensivelmente metade em IRS, IVA da eletricidade e IMI e a outra metade em sede de IRC.
Quais são afinal as medidas concretas de incentivo à poupança das famílias que o PSD defende?
Em sede de IRS procuraremos ter dois tipos de medidas: ou a redução das taxas liberatórias sobre a poupança, sobre os juros, e deduções à coleta de alguns produtos específicos de poupança. Mais uma vez: é-nos impossível nesta fase calibrar a medida, mas dentro do pacote do IRS há três áreas essenciais: reduzir os escalões intermédios, reduzir o esforço fiscal dos escalões intermédios, procurar aumentar as deduções em educação e saúde e promover a poupança das famílias.
Na área do IMI estão inscritas pelo menos duas medidas neste documento: a redução da taxa mínima para 0,25 e a eliminação do adicional do IMI (o famoso imposto Mortágua). Qual é o objetivo destas duas medidas?
O objetivo é desagravar os impostos que as famílias pagam sobre o seu património. É importante ter um aspeto em atenção: o IMI, com exceção do adicional, é uma receita das câmaras municipais e nenhum governo pode, no sistema constitucional português - e eu acho isso bem -, de forma unilateral dizer às autarquias, mesmo àquelas que tiveram um aumento de receita, por via do turismo e do imobiliário, muito grande nos últimos anos, que têm de reduzir a taxa de IMI. A primeira medida é dizer às autarquias que o limite mínimo que podem estabelecer para o IMI, que neste momento é 0,35, baixa para 0,25. Portanto, as autarquias que sentirem que têm receita suficiente para fazerem este desagravamento fiscal, poderão fazê-lo. Isso será uma decisão, obviamente, de cada município. A segunda medida é exatamente a única medida em que um governo pode atuar, que é a eliminação do adicional do IMI, e procura, mais uma vez, desagravar os impostos sobre o património das famílias.
Estamos a falar de cem milhões de euros.
Estamos a falar de sensivelmente cem milhões de euros, sim.
O crescimento da economia através do investimento de que falou é, mais uma vez, uma medida muito vaga. O que é que é exatamente esse investimento, são obras públicas?
Não. Uma parte é investimento público, e isso será detalhado nas próximas semanas, mas não é difícil de subentender quais são as áreas críticas neste momento no país...
Já agora diga lá quais são.
Transportes e saúde. Portanto, o aumento do investimento público vai estar obviamente muito direcionado para algumas das áreas críticas, estas são duas, mas as medidas de investimento público serão apresentadas no decorrer deste mês. O aumento do crescimento baseia-se num aumento do investimento e num aumento das exportações, sendo que, mais uma vez, nós usámos a estimativa de procura externa do Conselho de Finanças Públicas. O que nós estimamos é que estas medidas em sede fiscal e em sede não fiscal, mas relacionada com a economia, permitam um ganho de quota de mercado que leve a um aumento das exportações ao longo destes quatro anos. Os dois grandes contributos são estes.
Mas falando do investimento público. Falou dos transportes e da saúde. Nesses dois âmbitos, as maiores queixas que existem até agora nem são muito sobre o material instalado, são sobre recursos humanos.
Mas há um problema de infraestrutura pública quer nos transportes quer na saúde e, portanto, há uma pequena margem na despesa corrente primária para a parte de serviço, de operação, mas existem neste momento carências muito significativas na infraestrutura pública. Desde 2012/2013 que o nível de investimento público nem sequer repõe a depreciação do stock de capital e, portanto, nós entendemos que é necessário recuperar a infraestrutura pública e daí o esforço que será feito nestes quatro anos de aumento do investimento público.
Ao apostar no aumento das exportações, tendo em conta que os nossos principais clientes, os países para onde mais exportamos, têm taxas de crescimento relativamente diminuídas, diminutas em relação até à média europeia, não teme que isso dificulte a tarefa?
Foi exatamente por isso que nós, numa lógica conservadora, usámos a estimativa de procura externa. O que é a estimativa de procura externa? É quanto é que vai crescer cada uma das economias estrangeiras vezes o seu peso nas exportações portuguesas. Obviamente, a Alemanha, a Espanha, a França e o Reino Unido são os nossos maiores parceiros, mas exatamente por esse receio fomos extremamente conservadores e usámos a previsão de procura externa do Conselho de Finanças Públicas, que é a mais recente que existe sobre a economia portuguesa. O que estamos a dizer é que com estas medidas fiscais e extrafiscais, as empresas portuguesas poderão ganhar quota de mercado, e é apenas por este que iremos aumentar as exportações.
Há pouco estávamos a falar do investimento em recursos humanos nessas áreas de claro investimento público, mas acabou por não dizer se isso está ou não previsto noutro cenário. Falou de investimento, não disse se era em recursos humanos ou se era em infraestruturas.
A formação bruta de capital fixo é em infraestruturas, é em ativos fixos, mas quando nós olhamos para as despesas com pessoal, elas passam de 10,8% do PIB para 10% do PIB em 2023, mas nominalmente são mais 1,8 milhões de euros.
E esses 1,8 mil milhões de euros serão para aumentar o quadro de algumas áreas em défice?
Serão para três coisas: aumentos salariais, progressões na carreira e, em determinados setores, algum reforço de pessoal. Sendo que o problema na administração pública é que temos excesso de pessoas em algumas áreas e falta de pessoas noutras áreas e, portanto, procuraremos equilibrar isso. E isso por vários fatores - nós entendemos que faremos uma gestão pública mais eficiente do que aquela que tem sido feita nos últimos quatro anos -, mas há um que me parece fundamental: nós olhamos para a gestão pública sem preconceitos ideológicos.
O que é que isso quer dizer?
Dou dois exemplos muito simples e ambos na área da saúde: a extrema-esquerda e o PS, ou pelo menos grande parte do PS, colocaram as PPP fora da saúde. Esta semana, a Entidade Reguladora da Saúde, uma entidade independente, veio dizer que os três melhores hospitais do SNS são três hospitais de PPP.
Embora o tempo de espera nesses hospitais seja superior ao dos hospitais públicos...
É verdade, mas no cômputo global da avaliação esses três hospitais são considerados os melhores.
Mas isso quer dizer que o próximo governo não vai reduzir as PPP...
O próximo governo vai olhar para os três setores que podem prestar serviços de saúde de qualidade aos portugueses, público, privado e o terceiro setor designado por social, sem qualquer preconceito ou seja, aquilo que os portugueses querem enquanto utentes de serviços públicos são serviços públicos de qualidade e enquanto contribuintes querem a melhor alocação possível do dinheiro dos seus impostos. É esta escolha que nós faremos sem privilegiar público, privado ou social. Cada uma das decisões que temos de tomar será tomada de forma casuística ou seja, privilegiando aquilo que entendermos que para essa decisão seja a que melhor serve os interesses do Estado.
Ou seja, se o PSD for governo não vai privilegiar o SNS?
Não, não. Vai privilegiar o SNS, mas introduzindo competição entre público, privado e setor social. Da mesma maneira que não defendemos apenas hospitais privados, porque isso criaria um problema de captura de interesses, há problemas regulatórios na saúde pois é um setor muito específico, também não defendemos um SNS totalmente público porque isso não cria qualquer tipo de benchmarking e de competição. Aquilo que nós defendemos é que para cada decisão tem de haver uma avaliação custo/benefício das várias opções e ela tem de ser desprovida de qualquer preconceito ideológico que possa existir. Vou dar um segundo exemplo, ainda na área da saúde: este Governo teve durante cerca de três anos um ministro da Saúde, o professor Adalberto Campos Fernandes, uma pessoa profundamente conhecedora do setor da saúde, uma pessoa que eu arriscaria dizer que se preparou durante anos para ser ministro da Saúde, e que não foi capaz de implementar uma única das medidas que sempre defendeu na sua carreira académica e na sua carreira profissional. E porquê? Porque a solução política que foi encontrada no Parlamento em 2015 impedia do ponto de vista político qualquer decisão que o professor Adalberto Campos Fernandes tomasse dentro daquilo que ele sempre defendeu. Aconteceu o mesmo como Dr. Centeno, o Dr. Centeno baseou o seu cenário macro de 2015 em quatro medidas: redução da TSU para as empresas, redução da TSU para os trabalhadores, flexibilidade laboral e o IRS negativo para compensar a não subida do salário mínimo. Não implementou nenhuma porque obviamente nenhuma destas ideias poderia alguma vez ser aceite pelo PCP, pelo Bloco e por uma grande parte do PS. Entre outros fatores, é esta amarra ideológica que nós não temos e que entendemos que vai melhorar a gestão pública.
Falando de Centeno, que nota daria ao ministro das Finanças?
Não lhe dou nota porque ele é meu colega e portanto... [risos]
Rui Rio foi questionado sobre se Mário Centeno daria um bom ministro num governo PSD e ele chegou a admitir que essa era uma pergunta difícil.
O Dr. Centeno é um académico respeitado - eu não o conheço pessoalmente, terei falado com ele uma ou duas vezes, se tanto, e antes de ele ser ministro -, mas não é uma pessoa de quem eu tenha conhecimento pessoal grande, mas é um académico respeitado, é um economista com méritos e portanto, nesse ponto merece obviamente a minha apreciação positiva.
Como ministro das Finanças...
Como ministro das Finanças foi capturado por uma solução política que era o oposto daquilo que ele provavelmente defendia e o oposto daquilo que do ponto de vista da condução da política económica era aquilo que ele defendeu e escreveu no programa eleitoral.
Não fez melhor porque não teve condições políticas para o fazer?
Não fez melhor porque não teve condições políticas e cometeu o erro que vários ministros das Finanças cometem que é aproveitar uma conjuntura favorável para fazer uma correção orçamental meramente nominal. Basta pensar nisto: o Dr. Centeno reduziu o défice entre 2015 e 2019 em 3% do PIB, mas se nós considerarmos a redução da despesa com juros e os dividendos do Banco de Portugal, portanto tudo fruto da condução da política monetária do Banco Central Europeu, são 2 pontos percentuais do PIB. Portanto, dois terços da consolidação nominal do Dr. Centeno resultam da condução da política monetária do BCE, que seria igual se estivesse lá o Dr. Centeno ou estivesse lá outra pessoa qualquer.
Há quatro anos, quase cinco, António Costa apresentou um cenário macroeconómico parecido com este e que se chamava "Uma Década para Portugal" e, depois, isso foi bastante negativo para ele, até na própria campanha eleitoral. Pedro Passos Coelho acabou por acusá-lo de propor algumas medidas, nomeadamente os cortes nas prestações sociais, por mecanismos de correção. Há quem diga que ter revelado tanto, ter mostrado tanto um cenário que, no fundo, era tal como este, um cenário, acabou poro prejudicar. Não é arriscar muito fazer o mesmo agora, sobretudo numa posição de fragilidade como está o PSD de Rui Rio?
Não sei se o PSD está numa posição de fragilidade. Eu acho que isto é um exercício de transparência para os portugueses, penso que a mensagem não podia ser mais simples e mais clara, se houver crescimento económico nos próximos quatro anos, há duas opções completamente diferentes: o Governo quer gastar na máquina do Estado, nós queremos reduzir impostos. Portanto a escolha dos portugueses é muito simples e eu acho que o debate político só ganha em ter mensagens simples e que possam permitir escolhas às pessoas. Tal como disse antes, o Governo prevê o crescimento nominal de 3,5%, nós prevemos de 4%, não há uma diferença tão significativa, a composição será seguramente diferente daquilo que nós queremos fazer com esse dividendo orçamental que é dado pelo crescimento nominal. O que o Governo fez nos últimos quatro anos, e pretende fazer nos próximos quatro atendendo à informação que temos, que o programa do PS ainda não foi revelado, é continuar a aumentar a despesa corrente primária, o que nós defendemos é que essa margem deve ser sobretudo canalizada para a redução e impostos e também para a recuperação de infraestruturas.