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07 ABR 2019
07 abril 2019 às 06h13

Chega e Iniciativa Liberal dominam campanha nas redes sociais

O Chega e o PAN, no Facebook, e o Iniciativa Liberal, no Twitter e no Instagram, são os projetos políticos com mais eficácia nas redes. Têm a melhor relação entre o número de seguidores e a quantidade de partilhas, gostos e comentários.

Paulo Pena

O partido político português com mais seguidores no Facebook - de longe a rede com mais utilizadores em Portugal, cerca de seis milhões - é o PAN. Tem mais de 150 mil pessoas ligadas a tudo o que escreve e partilha. Atrás vem o PSD, a curta distância. O PS e o BE têm metade dos seguidores do PAN. A representação parlamentar e o peso social dos partidos parecem não ter qualquer relação com a realidade concreta das redes sociais.

À frente do CDS, do PCP e dos Verdes, no Facebook, estão partidos como o PNR e o Iniciativa Liberal. Este último é um caso de estudo. É o partido (recentemente legalizado) que domina, de longe, o debate político no Twitter e no Instagram.

Estes são os resultados de um estudo pioneiro em Portugal, realizado por quatro amigos, especialistas em tecnologias da informação, análise de dados e métodos estatísticos. Chama-se FOXP2 e avalia, semanalmente os dados públicos consultáveis nas redes sociais. João Andrade Costa, consultor informático, e Luís Bettencourt Moniz, professor universitário e diretor de marketing, explicaram ao DN estes dados que parecem, à primeira vista, surpreendentes.

Há hoje 798 mil seguidores de partidos, nas redes sociais, um número "em constante crescimento", nota Luís Bettencourt Moniz. Quase 80% desses seguidores utilizam o Facebook. O Twitter (15%) e o Instagram (5%) são pequenos mundos, em comparação. Mas a utilização, pelos partidos, das redes torna tudo mais complexo. Mais de metade dos textos publicados surgem no Twitter (52%), que é um "microcosmos" para o debate político, explica João Costa.

Chega tem mais gostos e partilhas

A medida do engagement (o termo técnico que mede o impacto dos seguidores de um partido) é feita somando as várias interações de uma página - os gostos, comentários e partilhas - a dividir pelo número de seguidores da página. Neste alcance, relativo, o Chega é de longe a página política mais bem-sucedida do Facebook português, embora não esteja entre as que têm mais seguidores.

O PSD tem quase 150 mil seguidores no Facebook, mas a interação é pouca. Por isso, sendo dos maiores partidos em número de seguidores é o último no ranking que mede o empenho da sua comunidade. O Chega lidera por essa mesma razão: tem poucos seguidores (pouco mais de 15 mil), mas são muito ativos, partilham, comentam e gostam do que vêm na página.

A quantidade do que os partidos publicam também não é um índice relevante. O Bloco de Esquerda (os dados incluem as publicações do site Esquerda.net) é o partido que mais ligações publica - mais do que PS e PSD juntos.

Em fevereiro, a publicação mais "popular" no Facebook foi colocada pelo PNR (3178 comentários e likes). Era uma crítica aos meios de comunicação social, por não noticiarem uma manifestação convocada contra a presença do congressista brasileiro Jean Willis em Lisboa e em Coimbra. Esse foi também o tema do segundo texto mais partilhado no Twitter (429 retweets e likes). Há, porém, uma cautela a ter, na análise destes dados. Não há nenhuma prova de que a popularidade online se reflita nas escolhas eleitorais, ou na participação em atos políticos. "Não há evidência estatística", reforçam os autores do estudo de dados português. A manifestação do PNR teve milhares de gostos, online, mas poucas dezenas de manifestantes na rua.

Iniciativa Liberal lidera no Twitter

Como é que a Iniciativa Liberal consegue ter 64% de todos os retweets e likes dos partidos portugueses? Com algum profissionalismo, ainda que, assegura Carlos Guimarães Pinto, presidente do partido, "em regime de voluntariado". "Não temos uma estrutura profissional. O voluntariado da equipa de comunicação digital (quatro pessoas, com formações e competências distintas, entre tecnologias de informação, economia e comunicação, que para além destas ainda têm outras funções no partido), consiste no desenvolvimento de conteúdo, com pesquisa e debate, sempre com o objetivo de transmitir uma mensagem de forma diferenciadora e clara."

Este novo partido pretende "marcar pela diferença na comunicação política em Portugal". "A vantagem das redes sociais é podermos ter feedback quase imediato ao que colocamos", explica Carlos Guimarães Pinto, ao DN.

Os partidos retiram outra vantagem das redes. A informação que os utilizadores dão ao Facebook chega aos partidos e ajuda-os a perceber com quem estão a comunicar, e como. Indicadores como idade, género, educação, estado civil, informações familiares, trabalho, onde vivem e que línguas falam. Mas também o tipo de páginas que mais visitam, as categorias de informação que preferem. Ou o tempo que passam ligados ao Facebook, e através de que dispositivos. Ou o que compram, e como o fazem, online.

Com estas informações, os partidos podem perceber, de forma clara, a demografia dos seus seguidores. E, se quiserem, dirigir-lhes mensagens mais personalizadas.

Essa "segmentação" vê-se noutro dos resultados da pesquisa FOXP2. Partidos que apostam no Facebook, com uma mensagem para seguidores mais velhos, menos educados - como o Chega - não têm sequer conta no Instagram. O PCP também não tem. O Instagram é visto como uma rede "para a conquista de novos seguidores", explica Luís Bettencourt Moniz.

Com cada vez mais adeptos, e cada vez maior profissionalismo dos partidos, as redes sociais são um instrumento importante para as campanhas políticas. Ali há, também, espaço para muitas estratégias novas, ou pouco habituais.

Uma campanha sem regras: mentiras, racismo e perfis falsos

Na terça-feira passada, o DN publicou um texto que mostrava como os partidos nacionalistas estão a dominar o debate político na Europa, nas vésperas da eleição para o Parlamento Europeu. No final do texto, os comentários dos leitores eram, quase na totalidade, negativos. Um deles, de um perfil do Facebook com o nome de Maria Silva deixava um link. Seguimo-lo e remetia para uma página nacionalista portuguesa chamada Portugueses Primeiro, com ligação ao PNR.

Depois consultámos o perfil de Maria Silva. Não tem amigos. Publica em inglês. Partilha sobretudo discurso de ódio, antimigrantes e anti-islão, recorre a sites de desinformação, partilha formas de garantir o anonimato online. Fomos mais longe: tentámos saber se a sua fotografia de perfil é verdadeira. Procurámos, através da pesquisa de imagens do Google e chegámos à fotografia original, que não é de nenhuma Maria Silva. É uma foto publicitária de uma agência de modelos fotográficos, descrita assim em várias línguas: "Mulher de trinta anos com os braços cruzados." Maria Silva não existe.

É a perfis como este que se deu o nome de bots, diminutivo de robots. Os bots, como Maria Silva, podem ser máquinas programadas para interagir nas redes sociais, publicar comentários, partilhar links, fazer gostos. Podem também ser "híbridos": perfis falsos criados por uma mesma pessoa, e usados por ela, com vários pseudónimos, falsas identidades. O objetivo é o mesmo. Enganar os outros utilizadores, sugerindo que uma ideia tem vários adeptos. A multidão, falsa, de bots transforma o debate online num terreno muito perigoso.

Ben Nimmo, analista do think tank norte-americano Atlantic Council, observa há anos como os grupos políticos usam as redes sociais para influenciar o discurso público. "As redes sociais são perfeitas para pequenos grupos que querem ser grandes", explica. Por um lado, permitem-lhes criar contas falsas, sob nomes falsos. Por outro lado, conseguem ter uma influência desproporcional se passarem muito tempo nas plataformas. "Um grupo de dez pessoas que decide gastar todo o seu tempo em plataformas e redes sociais pode espalhar tanto conteúdo que até parece ser um grande movimento." Na vida real isso é impossível, prossegue Nimmo. Quando um grupo de dez pessoas se manifesta na rua, não importa o quão alto gritem, todos conseguimos ver que estão apenas dez pessoas na rua.

"Guerra civil virtual"

João Costa e Luís Bettencourt de Moniz são dois especialistas portugueses no impacto político das redes sociais. A sua experiência leva-os a concordar com a análise feita por Nimmo. As redes ajudam os pequenos grupos, na franja do sistema político, a passar a sua mensagem, "mais radical, extremista, simplista". O resultado está à vista. Há uma espécie de "guerra civil virtual", aponta João Costa. Isso faz com que "a tolerância seja muito difícil no debate nas redes", acrescenta Luís Bettencourt de Moniz.

Desde logo, não existe nenhum mecanismo, previsto na lei, para combater os crimes que sejam cometidos por estes perfis falsos. As leis sobre propaganda política e campanhas eleitorais não fazem referência à propaganda política online. Mesmo que quase 80% dos portugueses estejam ligados à internet e existam muito mais perfis nacionais no Facebook - seis milhões - do que votantes habituais.

"Optou-se por deixar para a CNE [Comissão Nacional de Eleições] todo o peso decisional para regular situações novas, dentro dos limites da sua competência, que não é legislativa", explica o deputado José Magalhães, do PS, um dos especialistas sobre este assunto no Parlamento português.

Uma consulta ao site da Comissão Nacional de Eleições (CNE) mostra que as novidades do mundo online não estão entre os assuntos prioritários. Nem as normas previstas no Regime Geral de Proteção de Dados entraram em vigor, porque a regulamentação ainda se encontra em debate em comissão parlamentar. Ao contrário de outros países europeus, como a França e a Alemanha, Portugal não legislou sobre nenhum dos temas que tornam as campanhas políticas vulneráveis a manipulação online.

Em Espanha já há, por exemplo, normas legais sobre a publicidade política comprada ao Facebook. Em Portugal, o único consenso possível é alargar para a internet todas as proibições que existem. Mas isso é insuficiente, porque as plataformas globais e as redes sociais colocam problemas novos à informação e à propaganda política.

A existência de software criado para mimetizar o discurso humano, por exemplo. A participação de perfis falsos que distribuem propaganda, ou atacam adversários. A existência de canais fechados no Facebook, no WhatsApp, no YouTube, que organizam grupos políticos e disseminam mentiras. Nenhuma lei previne, especificamente, a existência de campanhas políticas "sujas", a interferência estrangeira nas eleições nacionais, a existência de sites de "informação" não registados.

Proibir bots?

Há, apesar desse vazio legal, vários crimes previstos na lei portuguesa para o que "Maria Silva" escreve e publica: "incitar à discriminação racial ou religiosa", "desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência raciais ou religiosas". Estes crimes estão descritos no Código Penal português e têm penas de prisão previstas de seis meses a oito anos.

Os bots, contudo, não são proibidos pela lei. Mas a sua atividade distorce, de várias formas, o debate. Paul Butcher, analista político do think tank European Policy Center, explica como: "Se há pessoas muito ativas online a falar sobre o perigo dos migrantes, todas a falar sobre o mesmo assunto, então isso funciona como uma bola de neve: mais e mais pessoas reparam no assunto e começam a falar sobre isso. É como as redes sociais funcionam, é o seu método-padrão. No fim, o assunto torna-se comum para milhões de pessoas e algumas delas acabam por ser convertidas a essa ideologia." Se substituirmos pessoas por bots, máquinas que se fazem passar por pessoas nas redes, o efeito é ainda mais distorcido. É como se um debate de ideias se fizesse à volta de uma mesa, mas um dos participantes tivesse um megafone e os outros não.

Se virmos a página de dois dos partidos portugueses com mais empenho dos seus seguidores nas redes sociais, verificamos que há muitas diferenças entre o que se vê na rua, nos media, nas sedes partidárias, e aquilo que está escrito no Facebook. O PNR, por exemplo, publicou, às 15.48 da passada quarta-feira, uma imagem da ministra da Justiça, Francisca van Dunem. Vários comentários, que o partido não modera, nem elimina, escrevem o que a lei é clara a proibir: "e esta coisa voltar para a terra dela...para quando??", "pode ser que quando houver nacionalistas se possa dar a esta coisa um bilhete so de ida para africa". Um desses comentários, logo o primeiro, - "Demite te. . .e vai pós PALOP" - vem assinado por alguém que diz ser agente da PSP.

Mentiras sobre Vieira da Silva

Um outro caso, ainda assim diferente, está na página do Chega, o movimento de André Ventura, que não se conseguiu legalizar como partido no Tribunal Constitucional, mas assim mesmo se define na rede social. O Chega é, segundo os dados recolhidos pelos analistas da FOXP2, o partido português com mais engagement - impacto dos seus seguidores - no Facebook.

Na terça-feira, o Chega, em conjunto com os partidos que se pretendem coligar consigo para as europeias (PPM, D21 e PPV) publicou uma imagem do ministro Vieira da Silva que aparece descrito como um "protegido de José Sócrates" e que, acusa o Chega, "meteu a mulher no Parlamento e a filha como ministra". Todas essas frases são falsas. Desde logo, Vieira da Silva não "meteu a mulher no Parlamento". Nem o poderia ter feito porque "a mulher", como o Chega designa a deputada, foi eleita sete anos antes do ministro, na VII legislatura (1995), e Vieira da Silva só foi eleito deputado, na IX (2002). Não havia nenhuma relação entre os dois nessas datas. A parte seguinte da frase também é falsa, porque quem nomeia os ministros é o chefe do Governo. A escolha do adjetivo "protegido", para qualificar alguém que foi ministro de José Sócrates, é outra forma de desinformação habitual. É uma insinuação. O DN contactou o gabinete de Vieira da Silva para saber se o ministro do Trabalho conhecia a propaganda política do Chega e se pretendia agir, de alguma forma. O gabinete do ministro não tinha conhecimento da imagem, que diz pretender analisar antes de tomar alguma decisão sobre como reagir.

Como em todo o mundo, este é um assunto delicado também em Portugal. Desde logo porque tem fronteiras pouco claras - onde começa o "discurso de ódio" e acaba a liberdade de expressão, por exemplo. Mesmo o relato jornalístico destes casos pode ter um resultado ambíguo. O Diário de Notícias considera que é importante mostrar a desinformação, para que sobre ela os seus leitores possam refletir. Ainda assim, é preciso ponderar se essa não é, também, uma forma de divulgar as mentiras e dar notoriedade aos seus autores. Não há respostas fáceis para estas dúvidas. A realidade está a mudar muito depressa, até no país europeu que parecia imune ao discurso político do ódio.

Este trabalho foi financiado em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian e na Europa pelas fundações Cariplo, Milão, Stiftung Hübner und Kennedy, Kassel, Fritt Ord, Oslo, Rudolf Augstein-Stiftung, Hamburgo, GLS, Alemanha, e Open Society Initiative for Europe, Barcelona.