Mónaco. Um "conto de fadas" em Monte Carlo
Mala de viagem (121). Um retrato muito pessoal do Mónaco.

Quando me vi em Monte Carlo, não queria acreditar. Era jovem e um amigo desafiara-me para ir ao Grande Prémio Fórmula 1 de Automobilismo. Ele tinha conseguido bilhetes através de César Torres, uma figura indissociável da história do Rally de Portugal e uma das mais influentes que conseguiram trazer o Grande Prémio para Portugal. As famílias eram amigas. Disse-me para eu não me preocupar com as despesas - "Quando fores arquiteto, fazes-me o projeto da casa" - e lá fomos num "rallye" de Lisboa até ao Principado. A loucura levou quase 20 horas de caminho, parando algumas vezes para abastecimento dos estômagos e do Mercedes-Benz Diesel, cor-de-mel, de 1980. Partimos de madrugada e chegámos pela noite. O tempo estava chuvoso. Pensámos que poderia melhorar para o dia seguinte, precisamente o da prova. Estávamos no início de julho de 1984. A noite foi descansada, graças à fadiga da viagem. Não acordei para o pequeno-almoço, pelo que tive de recorrer a um café próximo. O meu amigo terá ido tratar da burocracia ou, quem sabe, de alguma conquista para os dias que sobravam. Se assim fosse, eu estaria tramado, passando o "rallye" e o dia seguinte numa seca, apesar do tempo. A chuva não dava tréguas. Pouco antes do início da prova, lá apareceu o detentor dos bilhetes e de uma série de papelada acerca do "rallye", mas sozinho. O pequeno-almoço acabou por servir de almoço. Tínhamos de seguir para o autódromo. Felizmente, garantiu-me que ficaríamos numa zona coberta. E assim foi. Sabíamos que uma das novidades vinha do Brasil, com a marca de piloto talentoso. O seu nome: Ayrton Senna. Após a classificação nos ensaios, Senna sentou-se nas boxes e referiu para quem o ouviu que a colocação 13 lhe daria sorte, tal como já tinha acontecido antes na África do Sul e em França. Isso ficou documentado nas notícias. Porém, Alain Prost fez valer a "pole position" e passou a liderar a prova com o seu McLaren. Quando nada fazia prever, o novato brasileiro alcançou o francês, com uma condução ousada e mesmo tendo um Toleman pouco competitivo. Na volta 32, a prova foi suspensa pelo mau tempo mas, pouco tempo antes da última passagem pela meta, Senna ultrapassou Prost, só que o regulamento deu a vitória a este último, porque a volta 31 é que contou para o juízo final. Fora a única completada por todos os concorrentes. A prova marcou o primeiro pódio de Ayrton Senna e da Toleman na Fórmula 1, bem como a confirmação plena de que estávamos perante um fenómeno automobilístico. Esse foi precisamente o ano em que se retomou a edição portuguesa, no Autódromo do Estoril, a última prova da temporada. Para nós, aquela era uma antecâmara para o que se passaria em Portugal alguns meses depois. Porém, o meu "conto de fadas" não acabara e foi verdadeiro. Antes do regresso, na noite da prova, fomos ao casino. Convém lembrar que no Mónaco apenas quem tinha passaporte, portanto ser estrangeiro, é que podia ter acesso ao jogo. O meu amigo arrojou-se na roleta e começou a perder, mas de repente a sorte mudou, qual Ayton Senna do casino. Foi somando fichas, e eu apenas a consumir umas bebidas que graciosamente as beldades de serviço me ofereciam, com um sorriso desafiador para o jogo. Passada uma hora, as fichas faziam pirâmide. Chegou a hora de trocá-las por moeda. Eu fiquei paciente à espera da novidade, até que ele voltou com um largo sorriso - "Dá para as despesas da ida e da volta e, também, para ficarmos mais uns dias e num hotel melhor." Impávido e sereno, senti-me nas mãos daquele "Menino da Linha", um autêntico "croupier", ou seja, quem na sala de um casino distribui e comanda os jogos, aplica regras, recolhe valores e paga os prémios. Nos dias seguintes, apenas o voltei a ver no dia do regresso. Eu usufruí do resultado de uma presença no casino sem nunca ter jogado, mas também da leitura de um bom livro na varanda, observando as "fadas" que por ali circulavam e o horizonte do mar. Chegavam para a minha sorte. Resta dizer que o número do meu quarto naquele piso era o 13, o mesmo número da colocação de Senna à partida. A sorte foi a mesma, mas talvez o meu amigo tenha tido nesses dias o número do quarto igual à "pole position" e à vitória de Prost. Ao regressarmos e com tudo pago à custa da prova irrepreensível no casino, pensei que talvez me tivesse safado de vir a fazer, de borla, o projeto da casa do meu amigo.
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Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.