Maioria dos professores oferece cinco horas de trabalho semanais mas o tempo não chega
Estudo do Observatório dos Recursos Educativos revela que 63% dos docentes dizem trabalhar pelo menos uma hora diária a mais, não paga, fora do horário. E 97% garantem que o tempo continua a não chegar.
Quase um terço (63%) dos professores dedicam pelo menos mais cinco horas semanais ao trabalho escolar, para além das horas legalmente atribuídas. Ou seja: trabalham gratuitamente pelo menos uma hora por dia. A conclusão consta do estudo: "Os manuais no quotidiano de professores e alunos", do Observatório dos Recursos Educativos (ORE), em que é analisado o recurso aos livros como forma de gestão do tempo. Apenas 1,23% dizem gastar apenas até uma hora extra semanal.
Em causa está sobretudo a execução de tarefas fora da sala de aulas mas igualmente "fundamentais para a docência, como a preparação de aulas, elaboração e correção de testes".
Os horários dos professores são divididos em componente letiva (dar aulas) e não letiva, sendo que a primeira, num chamado "horário completo", tem pelo menos 22 horas semanais de duração. O resto do tempo cai na componente não letiva, que pode ser de estabelecimento (quando dedicada a outras tarefas na escola) e individual, quando se trata do trabalho de preparação de aulas e de outros trabalhos relacionados com os alunos.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
É sobretudo em relação a esta última que surgem as queixas dos professores. No estudo, que abrangeu 4590 docentes do ensino básico e secundário, dos 1.º aos 12.º anos de escolaridade, a esmagadora maioria (97%) dos inquiridos identifica "uma sobrecarga de trabalho que compromete a atividade docente".
"O que é flagrante é que, por vezes, há a ideia de que os professores, designadamente do ensino básico e secundário, têm pouco trabalho, que por vezes até têm reduções. E não é verdade", afirma Adalberto Dias de Carvalho, professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e autor do estudo, em coautoria com Nuno Fadigas, do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo. "Há todo um trabalho silencioso, que no fundo é feito desse pro bono, por generosidade, que não é retribuído e que, mais do que isso, não é reconhecido."
Em junho deste ano foi divulgado um outro estudo revelando que mais de 60% dos professores portugueses têm sintomas de burnout. E Adalberto Dias de Carvalho considera que parte desses sintomas pode ser explicada pelo "suplemento de fadiga, de cansaço" causado pelo trabalho adicional. "Isto também lhes prejudica o bem-estar em família, em lazer. É importante na vida de todas as pessoas e também no caso concreto dos professores. Há profissões que são mais castigadas pelas depressões e uma delas é a dos professores, por outros fatores mas também pelos horários de trabalho que fazem."
Para Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), os dados não surpreendem. "É o que sentimos diariamente nas escolas", diz. "Cada vez há mais burocracia nas nossas escolas. Agora já não é papelada: é preenchimento de plataformas, muitas vezes com dados repetitivos. É uma queixa dos professores e dos diretores também", acrescenta. "Reconheço que os professores gostariam de ter mais tempo não letivo para, de facto, cumprirem as obrigações que atualmente a profissão impõe."
Manuais são omnipresentes no trabalho dos professores com os alunos
O Observatório dos Recursos Educativos é uma entidade autónoma mas que conta com o apoio da Porto Editora. E, neste estudo, é avaliado o impacto concreto que os manuais escolares têm no trabalho dos docentes e dos alunos. A conclusão é que estes continuam a desempenhar um papel preponderante em todo o processo educativo.
Mais de 95% dos docentes consideram que os manuais ajudam a melhorar os resultados, a garantir a qualidade da aprendizagem e favorecem a atuação do professor. E o uso que deles fazem é amplo: 97% utilizam-nos nas aulas com muita frequência e 79,5% recomendam-nos muitas vezes ou sempre aos alunos.
Questionado sobre esta preponderância, numa altura em que vários atores educativos, incluindo o próprio Ministério da Educação, têm vindo a defender a diversificação das formas de trabalhar e dos próprios recursos utilizados, Adalberto Dias de Carvalho não contesta que o papel dos livros "é omnipresente" nas escolas. Mas defende que estes são benéficos para os docentes, nomeadamente "ajudando a preparar as aulas, o que pode diminuir a sobrecarga de trabalho".
E rejeita também que o peso dos livros seja alcançado à custa de outras plataformas e metodologias. "É omnipresente mas, todavia, não é enclausurante, não os fecha, porque a própria estruturação dos manuais abre para outro tipo de trabalhos de pesquisa, que não se resumem leitura passiva das páginas do manual. Inclusivamente nas próprias aulas", diz.
Filinto Lima considera que, apesar de ser "verdade que ainda há um forte recurso por parte dos professores aos manuais escolares", há também "cada vez mais o recurso por parte dos nossos professores às ferramentas digitais que as próprias editoras e a internet colocam à sua disposição".
Um recurso que, acrescenta, só não é maior porque faltam os meios. "Já há manuais digitais desde 2013", lembra. O problema é que ainda se prefere o papel ao digital. E entende-se porquê. Enquanto os computadores das escolas não tiverem um novo plano tecnológico educativo, teremos nas escolas computadores obsoletos e uma rede de internet que não é nada fiável, porque cai frequentemente."
O DN questionou o Ministério da Educação sobre as conclusões deste estudo, mas não teve resposta até à hora do fecho desta edição.