Moçambique. As acácias da fraternidade
Mala de viagem (119). Um retrato muito pessoal de Moçambique.

No Shongololo Express, o 5.º dia foi passado em Moçambique. O pequeno-almoço foi servido a partir das 7 da manhã e duas horas depois iniciámos uma volta turística por Maputo, cidade de contrastes e culturas. Na arquitetura, misturam-se o africano, o português e as tradições coloniais, antigas igrejas católicas lado a lado com mesquitas, fortalezas e mansões vitorianas. Ao longo da praia, há muitos cafés e restaurantes que se especializaram na cozinha do Índico, com ênfase nos pratos de peixe, preparados com a tradição africano-portuguesa. Longe vão os tempos do início do século XX em que Lourenço Marques (atual Maputo) exibia o cosmopolitismo que era emprestado pelo porto que servia os territórios vizinhos. De aristocratas que faziam jus à sua nobreza servindo nas colónias (à falta de melhor) até aventureiros das sete partidas em busca de fortuna fácil, por aí passava e aí se estabelecia gente das mais diversas proveniências. Também o meu amigo Vasco Callixto se passeou por aqui, vindo de Portugal, de Angola (onde recebeu por mar o seu icónico Volkswagen) e da África do Sul, na sua "Viagem Transafricana", posta em livro, em 1972, e onde refere: "E quem chega a Lourenço Marques sente-se imediatamente atraído pela primeira impressão que a cidade lhe causa." Moçambique seria o término dessa viagem. É justo evocar, de novo, este viajante do mundo e que também deixou descritas as suas viagens desde 1965, por sinal o meu ano de nascimento. Voltando a esta minha experiência meio século depois da de Vasco Callixto, conto que o almoço foi livre para o grupo, pelo que eu agendara um encontro que se concretizou na sala dos fundos de um café no centro de Maputo. Esperava-me quem me podia contar de viva voz o testemunho de uma organização que irradiou solidariedade nesta ex-colónia portuguesa, precisamente desde esses tempos iniciais do século XX. O Capítulo Primeiro de Janeiro criou a primeira escola com professores diplomados (Escola Primeiro de Janeiro, 1900) e esteve ainda ligado ao primeiro ensino profissional, ao primeiro congresso científico, ao primeiro jardim botânico, às primeiras associações de classe, à primeira assistência social, ao primeiro caminho-de-ferro, ao primeiro plano de urbanização, à propaganda republicana, ao primeiro partido, à imprensa, à música, ao teatro, enfim, à fraternidade entre os humanos. Esta é uma regra entre irmãos, sendo iguais perante a lei, sem nenhuma distinção de raça, nacionalidade, classe, sexo ou idade. Em concreto, foram irmãos "maçons" que estiveram ligados à primeira missão de engenheiros a Moçambique e que deram origem à cidade de Lourenço Marques (1876), à construção do caminho-de-ferro para o Transval (desde 1882), à instalação do Banco Nacional Ultramarino (1887) e, em 1898, à Sociedade Recreativa Primeiro de Janeiro (depois Sociedade de Instrução e Beneficência Primeiro de Janeiro), de onde saiu uma das primeiras lojas maçónicas. Ao deixar aquele curto mas fraterno encontro, ambos olhámos para as acácias que marcavam a paisagem. A Câmara Municipal de Lourenço Marques foi dominada por "maçons" durante décadas, a tal ponto que foram plantadas acácias em jardins e arruamentos. Simbolicamente, é a mesma acácia doirada da mimosa do Oriente. Em quase todas as ruas e avenidas da atual Maputo, bem como em algumas residências e instituições públicas e privadas, há sempre uma acácia a colorir e a refrescar a capital moçambicana, e de várias cores: lilás, amarela ou vermelha. As que estavam à nossa frente foram testemunhas de um triplo abraço fraternal de despedida. Às 15 horas e 30 minutos, retornei ao comboio para o chá da tarde; às 18 horas, após as formalidades de fronteira, o comboio dirigiu-se para outro destino.
Relacionados
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.