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04 agosto 2018 às 06h24

Camilla Kemp, a "superportuguesa" campeã nacional de surf

A surfista encerrou da melhor maneira uma perseguição de cinco anos ao cobiçado título de campeã feminina da Liga Meo. E agora aponta todos os canhões à história, que é como quem diz, ao World Tour.

Pedro Miguel Neves

Existem em várias modalidades. Os eternos segundos. Os crónicos vice-campeões. Alguns encerram as carreiras com a duvidosa honra de terem sido "os melhores que nunca ganharam um título". No surf existem vários exemplos, mas, desde quarta-feira passada, Camilla Kemp, quatro vezes vice-campeã nacional (2013, 2015, 2016 e 2017), deixou de correr o risco de figurar nessa galeria ao vencer em Ílhavo o Miss Activo Cup e o seu primeiro título nacional.

Uma surpresa para a surfista de 22 anos que confessa ter sido surpreendida pela matemática dos pontos, já no pódio: "Sinceramente, entrei no campeonato sem pensar no título, não sabia as contas nem que podia ser campeã nacional. Entrei para a final em mar grande e difícil e estava mais focada na luta contra o oceano do que contra as adversárias. Assim, quando subi ao palco e me disseram que era campeã nacional... chorei um bocadinho."

Para colocar tudo em contexto, refira-se que Camilla é, a par de Carol Henrique e Teresa Bonvalot, uma das três portuguesas na luta pela honra de se tornar a primeira surfista nacional a entrar no World Tour feminino, emulando assim o percurso de Tiago Pires e, mais recentemente, Frederico Morais no circuito masculino. Contudo, enquanto Carol e Teresa já haviam conquistado nacionais (Teresa foi mesmo a mais jovem de sempre a consegui-lo, com apenas 14 anos), a Camilla faltava essa distinção.

Um título mais do que simbólico para uma surfista portuguesa com uma árvore genealógica centro-europeia e, necessariamente, pouco ligada ao mar, conforme esclarece a própria: "O meu pai é holandês e a minha mãe alemã. Mas a 'culpa' de ter nascido em Portugal é mesmo dos meus avós, que se mudaram para cá quando os meus pais eram pequenos. Eles conheceram-se entre Lisboa e Cascais e... foi assim."

Acerca de eventuais influências culturais na sua personalidade, Camilla encolhe os ombros: "Sou portuguesa e sinto-me superportuguesa. Dizem que os alemães são frios e talvez isso me ajude na competição, mas não sei... [risos]."

Ao crescer em Cascais, a praia sempre foi uma constante e o surf apareceu naturalmente para uma jovem enérgica que "competia em tudo", explica, enumerando a lista de modalidades em que se envolveu e em que figuravam o futebol e o basquetebol. Mas foi o surf que a reclamou bem cedo, também por influência do irmão, Yannick, quatro anos mais velho.

"Comecei a surfar com o meu irmão na brincadeira, quando tínhamos 10 anos. Depois fomos para uma escolinha de surf, no Guincho, e começámos a treinar e a fazer amigos ali. Entretanto, ele parou e eu continuei a fazer as coisas mais a sério", recorda Camilla.

Competitiva por natureza

O "mais a sério" coincide com a participação num campeonato sub-12 apadrinhado pela lenda nacional Joana Rocha e a chegada à final. "Adorei e nunca mais quis outra coisa", assume Camilla, para quem o surf e a competição sempre andaram de mãos dadas. "Sou muito competitiva e nunca percebi a distinção que se faz entre competição e free surf. Para mim, o surf é estar na água, divertir-me e apanhar ondas boas. Isso é o surf."

O crescimento foi rápido e, em 2013, o fenómeno Camilla Kemp apareceu com tudo no surf nacional, conquistando, de rajada, o nacional sub-18, a sua primeira final e segundo lugar da geral na então denominada Liga Moche (atual Liga Meo). O quarto lugar na sua estreia do circuito Pro Junior europeu foi uma cereja no topo.

Na quarta-feira passada, em Ílhavo, surgiu então o título que lhe faltava dentro de portas. E agora, o que se segue? A resposta, o World Tour, surge na ponta da língua, mas o caminho é duro e dispendioso. Cada ano de caça ao sonho do circuito mundial custa cerca de 30 mil euros, entre viagens, treinador e outras despesas. A somar ao que a surfista paga todos os dias com dois treinos diários de mar e sessões de treino físico três a quatro vezes por semana. Custos repartidos entre o investimento familiar e o seu principal patrocinador, a Deeply, marca portuguesa do grupo Sonae que a apoia há seis anos.

O que falta então para lá chegar? Ao Mundial? Camilla responde com um misto de determinação e pura crença sustentada na história recente do surf nacional: "Um bocadinho de tudo: tenho de trabalhar no meu surf para lá chegar. É uma maratona e não um sprint, mas sei que quando tiver de ser, tudo se encaixará no lugar, como aconteceu com o Kikas [Frederico Morais]. Fundamentalmente, tem de se viver a vida do QS [circuito de qualificação] e aprender. Porque às tantas vai sair. Quando tiver de ser... vai sair."

BI

Nome: Camilla Kemp
Idade: 22 anos (30/1/1996)
Naturalidade: Cascais
Palmarés: campeã nacional Liga Meo 2018; campeã nacional sub-18 2013; vice-campeã mundial de seleções ISA 2015; vice-campeã do Seat Pro Netanya 2016 (WQS).