Internacional
01 outubro 2022 às 05h00

Se depender dos famosos, Lula ganha à primeira volta

Na música e na arte em geral, vantagem larga do antigo presidente. Já Jair Bolsonaro, o atual, é o preferido dos sertanejos e dos desportistas. Mas o que valem as celebridades numa eleição?

João Almeida Moreira, São Paulo

"Bolsominions são demónios/Que saíram do inferninho/direto para o culto/Para brincar de amigo oculto/Com satã num condomínio/Bolsominions são vergonhas/Que pastavam distraídas/Burrice imodesta/O horror à festa/E à risada instruída/A bolsa de valores sem valores/Os corpos malhados sem alma/O sangue de barata e a raiva/De toda humanidade que não quer ser salva".

A "guerra das estrelas", travada entre apoiantes célebres de Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), os principais candidatos nas eleições do Brasil de amanhã, dia 2 de outubro, gerou até nova música, apresentada no passado dia 23, de Chico César.

"Esta é uma canção em defesa da fé cristã e uma crítica a um grupo político de inspiração fascista que sequestrou de modo bastante hipócrita parte significativa das igrejas e o rebanho que professam essa fé", explicou César no lançamento.

Ele, que participa no clip Lula Lá Para a Gente ser Feliz, ao lado de outros artistas, como Martinho da Vila, Lenine ou Pabllo Vittar, tem sido um dos famosos mais vocais no apoio a um dos concorrentes ao Planalto.

Mas não o único. No festival musical Lollapalooza, em março, em São Paulo, boa parte dos artistas lançou palavras de ordem a favor de Lula para a plateia, ao ponto do PL, de Bolsonaro, ter recorrido ao Tribunal Eleitoral para impedir novas manifestações. No Rock in Rio, já em setembro, no Rio de Janeiro, artistas como Maria Rita, Ludmilla ou Emicida também puxaram cânticos a favor do candidato.

Em sentido contrário, alguns shows de músicos sertanejos têm feito alusões favoráveis a Bolsonaro. "Deus, a pátria e a família" e "aqui nunca vai ser comunismo", anunciou o locutor na apresentação de Gusttavo Lima, um dos mais populares do género.

Nas redes sociais, a cantora Anitta ou o youtuber Felipe Neto, seguidos por milhões, declararam apoio a Lula. "Pelo fim do medo, da fome, do negacionismo, da incompetência declaro o meu voto em Lula 13 no primeiro turno das eleições para a presidência do Brasil", escreveu Neto. "A partir deste momento eu sou "Lula lá" na primeira volta. Não sou petista [simpatizante do PT] e nunca fui. Mas este ano estou com Lula".

Apoiantes de Ciro Gomes, como o músico Tico Santa Cruz ou o humorista Fábio Porchat, entretanto, anunciaram voto útil em Lula para derrotar Bolsonaro logo à primeira volta. "Se o Ciro continuar com 7%, para tirar esse verme que está no poder, eu vou pintado de estrela vermelha [símbolo do PT], cantando "Lula lá" [música do PT], e aperto o 13 [o número correspondente ao PT na urna eletrónica] trezentas vezes", disse Porchat.

"Este é o meu presidente", escreveu, por sua vez, a atriz Regina Duarte, como legenda numa foto dela com Bolsonaro, de quem foi secretária de Estado da Cultura, por dois meses.

E o apoio de famosos vale votos? Especialistas divergem. "Apoio de celebridade não tem impacto nenhum", disse ao DN o politólogo Alberto Carlos Almeida, autor de O Voto do Brasileiro, na altura do apoio expresso de Anitta a Lula. "Só quem tem uma visão preconceituosa do eleitor, que o vê quase como um vegetal sem cérebro, é que pode achar que ele, por gostar de uma celebridade, vota no candidato que ela defende".

"O eleitor não é bobo, não é infantil, tem uma vida densa, sabe separar os mundos, o eleitor ouve Lula ou Bolsonaro no mundo deles e ouve Anitta ou outro artista qualquer no mundo deles, não confunde, toma decisões com base em pouca informação, sim, mas não é uma ameba que escolhe quem o artista que gosta manda, quem pensa assim são os elitistas preconceituosos deste país muito desigual, que se acham muito informados e veem o povo como desinformado", conclui.

Mas Fábio Malini, pesquisador que aborda a ligação das redes sociais e da política, diz que "na era em que vivemos, a onda emocional acaba ajudando, sim, na tomada de decisão". "Se fosse há duas campanhas, eu diria que não tem influência. Mas no nível de tecnologia em que estamos, é fundamental criar uma onda emocional que no fim vai acabar facilitando a tomada de decisão", afirmou ao jornal Folha de S. Paulo. "A Anitta é o arquétipo de um novo tipo de cidadão com influência, que é capaz não apenas de declarar voto e sedimentar público jovem mas também de criar uma campanha paralela à oficial", defende.

E os artistas fazem bem em comprometer-se com um candidato? Júlio Beltrão, diretor artístico da agência Mynd, revela ao portal G1 que a discrição é importante. "Muitas marcas estão procurando criadores de conteúdo que não se posicionam. Então, muitos deles preferem se omitir para não perderem possíveis contratos".

"Por outro lado, nós estamos vivendo um momento muito importante para o Brasil. Então, não falar sobre política ou falar abertamente sobre o seu candidato levanta muita pulga. Muitos artistas, inclusivamente, estão sendo cobrados pelos próprios fãs a assumirem-se".

dnot@dn.pt