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30 junho 2022 às 22h06

A utilização da bicicleta em Lisboa. "Estamos melhores, mas ainda estamos bastante atrasados"

Com a expansão das bicicletas elétricas e de carga, que são mais caras e mais pesadas, o estacionamento continua a ser um dos problemas para quem usa este meio de transporte na capital. Ana Pereira, Bicycle Mayor de Lisboa, defende que a solução pode passar por incentivos da autarquia aos condomínios e pela criação de cacifos na ruas.

"Lisboa está muito melhor, progrediu imenso nos últimos cinco, dez anos. Houve grandes avanços na utilização da bicicleta e nos cuidados com quem usa este meio de transporte. O problema é que outras cidades também fizeram grandes avanços, por isso continuamos com este hiato. Temos que olhar para isto como o copo meio cheio e meio vazio, estamos melhores, mas ainda estamos bastante atrasados." O veredicto é feito ao DN por Ana Pereira, Bicycle Mayor de Lisboa desde 2019, um cargo honorário atribuído pela organização internacional BYCS, e uma ativista da mobilidade sustentável ligada a projetos como a MUBI - Associação Pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, a Bicicultura e a Cenas a Pedal.

Barcelona e Paris são duas cidades que Ana Pereira refere como bons exemplos que deviam ser seguidos em Lisboa, falando da criação de super-ilhas na capital catalã, que tem fomentado a recuperação do espaço público para as pessoas, e das restrições ao uso do automóvel na capital francesa. "Há vários exemplos em várias cidades: a recuperação de espaços públicos para a natureza e para as crianças utilizarem, com a criação de parklets e jardins de bolso, bem como incentivos à aquisição de bicicletas, cacifos de estacionamento, bike sharing de soluções de carga", explica. "Em Lisboa, não temos desculpa para não progredirmos mais rapidamente e fecharmos esta diferença para as cidades mais evoluídas, afinal temos outro exemplo com quem aprender no imediato. É sempre frustrante ver que, apesar de termos tantos outros exemplos e parceiros com quem aprender rapidamente, não usamos essa informação para colmatar este atraso. Essa é a nossa maior frustração enquanto ativistas", sublinha Ana Pereira.

Mesmo com muita coisa para melhorar, a utilização da bicicleta por parte dos lisboetas já está a crescer desde há algum tempo, o que é um fator positivo para Ana Pereira, embora lembre este crescimento continue a deixar de fora alguns grupos, como as crianças e os mais idosos. "O utilizador típico ainda é uma pessoa sozinha, homem, relativamente jovem. As coisas estão a progredir, mas a diferentes velocidades", revela.

Um dos fatores que poderia aumentar o uso frequente da bicicleta como meio de transporte em Lisboa seria a resolução do problema da falta de estacionamento, não só para as bicicletas individuais, como para as bicicletas de carga, que estão a registar uma expansão na sua utilização, afinal "são aquelas que têm o maior potencial de facilitar uma transição do carro para a bicicleta, nomeadamente para famílias e pessoas com pequenos negócios".

"Além da questão do roubo, que é muito importante, também há a questão logística. Uma bicicleta elétrica, além de ser cara, é mais pesada do que uma normal. E se for uma bicicleta de carga para, por exemplo, transportar os miúdos, o volume e o peso já fazem com que não se vá de bicicleta de carga aos ombros para subir a um primeiro andar ou pior. Mesmo para bicicletas normais - eu até tenho uma cadeirinha -, não é qualquer um que a vai acartá-la para dentro de casa", refere Ana Pereira, admitindo que a solução, nestes casos, pode passar pela criação de incentivos, por parte da Câmara Municipal, para que os condomínios permitam a instalação de cacifos que sirvam como uma espécie de arrecadação para estes veículos.

Quanto ao estacionamento na rua, esta ativista da mobilidade suave refere como um bom primeiro passo o programa BiciPark lançado pela Câmara de Municipal de Lisboa e que está associado aos parques da EMEL. "Quem tiver sorte, neste caso, de viver mesmo ao lado de um parque até pode resolver o problema. Mas a questão é que as bicicletas são modos de proximidade, de porta a porta. Se pensarmos que uma pessoa pega na bicicleta para fazer um percurso de 15 minutos, mas se tem de caminhar 10 minutos até um BiciPark, começo a ponderar se vale a pena. Para ser prático e competitivo, temos mesmo de ter estacionamento muito perto dos sítios, nomeadamente onde vivemos. Há que arranjar cacifos para bicicletas nas ruas, nos sítios onde as pessoas vivem", sugere Ana Pereira.

Uma das alternativas em Lisboa ao uso de bicicletas particulares é recorrer à rede GIRA, explorada pela EMEL e que já está associada ao passe Navegante. Para a autarca das bicicletas da capital, esta poderia ser uma boa opção, até porque se trata de um transporte público, mas ainda deixam algumas zonas relevantes da cidade sem solução, como Beato e Marvila e outras.

"Sendo um serviço de transporte público, para mim, não faz muito sentido que não esteja nas zonas mais privadas de transportes públicos coletivos. Beato e Marvila são bairros menos densos que a zona mais central de Lisboa e por essa razão tem menos autocarros, não tem metro, nem comboio. Como tal, era aí que um serviço de bike sharing podia ajudar bastante, afinal as pessoas passavam a ter acesso a um meio individual", critica a presidente da cooperativa Bicicultura. "Por isso, como oferta de transporte público, parece-me que esta demora em expandir a rede por todos os territórios da cidade não faz muito sentido", adverte.

ana.meireles@dn.pt