A economia das eleições: está tão bem que faz outras "corar de inveja" ou está "mal e a cair"?
Como está a economia portuguesa em vésperas de eleições legislativas? Está tão “bem” e “estável” que faz “qualquer outra da Europa corar de inveja”, como disse há dias Luís Montenegro, o líder do PDS e da AD? Ou é uma economia em colapso, “a cair” por “falhanço” do governo, como declarou Pedro Nuno Santos, o líder do PS?
A análise de vários economistas e os dados disponíveis mais atuais sobre o estado e as perspetivas da economia para este ano e o próximo indicam que nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Ou nem oito, nem oitenta, como se costuma dizer.
Há sinais de abrandamento, é certo, em parte explicados pela degradação da conjuntura externa (o caos das tarifas e a estagnação da Alemanha, por exemplo), há um compasso de espera no novo investimento, na construção e no desbloqueio dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), os indicadores de confiança começaram a vacilar - estão a cair.
Em compensação, o turismo, o comércio e os serviços prestados a empresas estão a aguentar-se, o investimento em defesa parece estar a emergir no âmbito de uma vaga maior europeia de regresso ao “rearmamento”. O emprego em Portugal continua a bater sucessivos recordes, apesar do contexto de produtividade baixa (é um problema crónico da economia).
Nas contas públicas, poupança é a palavra de ordem, sendo de esperar a continuação da disciplina orçamental que permitirá entregar um novo excedente este ano.
A dívida pública é muito elevada ainda, mas está a cair, o que permite à economia como um todo beneficiar de custos de financiamento (taxas de juro) relativamente baixos.
O Banco Central Europeu (BCE) dá uma ajuda grande a isto tudo, pois está a reduzir taxas de juro outra vez, processo que deve continuar nos próximos meses para combater os perigos estagflacionários e recessivos decorrentes da situação internacional, das barreiras ao comércio elevadas desde finais de março, início de abril, pelo Presidente dos EUA, Donald Trump.
Emprego recorde
“A população empregada bateu novamente um recorde no primeiro trimestre deste ano, mantendo a boa tendência dos últimos trimestres de 2024. De facto, o emprego aumentou 0,6% em cadeia no primeiro trimestre de 2025 (ou seja, mais 32,6 mil postos de trabalho), o que equivale a um crescimento homólogo de 2,4% (mais 122 mil indivíduos)”, observa Tiago Correia, economista do BPI Research, o departamento de estudos do BPI.
“O total de pessoas empregadas em Portugal no final do 1T (5.181.400 indivíduos)” bateu assim um novo recorde nas séries do INE.
A recuperação face ao período pré-pandemia “é também expressiva (mais 372,6 mil postos de trabalho do que no final de 2019, mais 7,7%)”, acrescenta o analista.
“Os principais contributos positivos para o crescimento homólogo do emprego vieram das atividades de comércio por grosso e a retalho; reparação de veículos automóveis e motociclos; da administração pública e defesa e das atividades de saúde humana e apoio social, mas em sentido contrário, “destaca-se a queda no sector da agricultura”, indica o mesmo economista numa nota de research.
Olhando daqui para a frente, Tiago Correia considera que “a robustez do mercado de trabalho manter-se-á como um dos principais fatores de suporte à atividade económica em 2025”.
O emprego teve um desempenho “bastante positivo neste primeiro trimestre, mesmo num contexto de quebra da atividade”.
No entanto, “é de referir que a incerteza em torno da guerra comercial e os consequentes impactos no adiamento de decisões de investimento e de consumo (e a diminuição da confiança dos agentes económicos) poderão conduzir a um comportamento mais cauteloso das empresas, justificando a possibilidade de um abrandamento na criação de emprego nos próximos trimestres”.
O desemprego continua muito baixo e “o aumento do número de desempregados, a acontecer, será de forma contida e em níveis historicamente baixos, dada a escassez de mão de obra em alguns setores e a pressão resultante, por exemplo, dos investimentos do PRR”.
Atividade cai
O principal líder da oposição, o socialista Pedro Nuno Santos, usou a campanha eleitoral para atacar o governo de Montenegro, dizendo que “uma economia a contrair significa que as pessoas podem perder o emprego e o salário e que o Estado português vai ter menos receitas para investir na saúde, na habitação e na escola pública”.
No primeiro trimestre, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que a economia (PIB - Produto Interno Bruto) sofreu um recuo trimestral (em cadeia) de 0,5%. Tirando o tempo da pandemia, em que tudo ruiu, é a maior descida desde o início de 2014, segundo os dados históricos do INE. O contributo da procura externa líquida (exportações menos importações foi negativo e a procura interna (consumo e investimento) registou um contributo nulo, diz o instituto.
Joaquim Miranda Sarmento, o ministro das Finanças cessante, justifica a contração no primeiro trimestre deste ano, em cadeia, como uma “natural correção do crescimento, extraordinariamente elevado no quarto trimestre”. O quarto trimestre de 2024 teve, com exceção do período da pandemia, “o maior crescimento em cadeia desde a entrada na Zona Euro”, argumentou. Manteve tudo: uma previsão de crescimento anual (2025) acima de 2%, um excedente orçamental de 0,3% do PIB.
Mas os empresários começam a desconfiar. Pode vir aí uma nova aterragem.
A equipa de economistas que elabora o Barómetro da Conjuntura Económica CIP/ISEG, um trabalho colaborativo entre a Confederação Empresarial de Portugal e a faculdade de economia, diz que “a evolução do Indicador de Tendência de Atividade Global (CIP/ISEG) evidencia uma desaceleração da atividade económica em fevereiro” e que isto “resulta do decréscimo no consumo de cimento e da contração da produção industrial”.
O comércio está a andar bem, assim como os setores ligados ao turismo, mas “algumas interrogações subsistem quanto à evolução da produção industrial, onde se destaca a quebra de 15% na produção automóvel e de 4,6% na produção de energia) e dos indicadores da construção”, dizem os economistas do ISEG.
Clima piora
Adicionalmente, “os três primeiros meses deste ano ficam marcados por uma tendência de deterioração do clima e sentimento económico que, apesar de acompanharem a evolução verificada na Zona Euro, registaram, em Portugal, quebras superiores às das principais economias europeias”.
Apesar da “resiliência” do mercado de trabalho, a equipa de peritos nota “o elevado nível de incerteza que decorre da incerteza [mais geral] associada ao padrão atual patente na dinâmica de renegociação de tarifas no comércio internacional e consequente reconfiguração das cadeias de valor”.
O centro de estudos económicos da Universidade Católica Portuguesa (NECEP) defende que “o enfoque está agora no resultado das eleições legislativas de 18 de maio em termos de reforço, ou não, da estabilidade governativa em Portugal” e que “mantém-se a elevada imprevisibilidade da nova administração norte-americana, nomeadamente, em matéria tarifária e de política externa, com a possibilidade de uma recessão este ano nos EUA”.
“Os riscos geopolíticos resultantes da situação no Médio Oriente e da agressão russa à Ucrânia, entre outros, mantêm-se elevados”, afirma o coordenador do NECEP João Borges de Assunção, na última nota de conjuntura da Católica.
Contas públicas ainda estáveis
Até agora, as agências de notação financeira assinam por baixo a ideia de que a estabilidade impera nas contas públicas portuguesas. Mas deixam avisos.
As eleições legislativas antecipadas de maio de 2025 “não irão interferir com os planos para reduzir ainda mais a dívida pública, nem terão um efeito material nas perspetivas positivas de crescimento a médio prazo de Portugal”, diz a equipa da agência Standard & Poor's que segue e classifica o rating (qualidade do crédito) da República Portuguesa.
“Apesar da incerteza política, a trajetória orçamental de Portugal mantém-se no bom caminho” e “prevemos que, em 2025, Portugal registe um excedente orçamental das administrações públicas pelo terceiro ano consecutivo”.
“O orçamento para 2025 já foi aprovado e os episódios anteriores de transição política não conduziram a perturbações económicas significativas ou a derrapagens orçamentais. Além disso, os principais marcos políticos necessários para desbloquear os grandes fundos NextGen da União Europeia permanecem protegidos do ciclo político, uma vez que estão incorporados no orçamento de 2025 e podem prosseguir sem aprovação parlamentar”, esperam os avaliadores do rating.
Mas, claro, depois de 2025, “podem surgir riscos se o desempenho orçamental se deteriorar”.
“Embora os principais partidos de esquerda e de direita apoiem, em geral, políticas orçamentais sólidas, o partido de extrema-direita Chega está menos alinhado com este consenso”.
Seja como for, mesmo que o orçamento de 2026 não seja aprovado por uma maioria estável, a S&P considera que “Portugal poderá continuar a funcionar com o orçamento responsável de 2025, garantindo que a dívida pública continua a diminuir em percentagem do PIB”.