Políticos já não são obrigados a actualizar que rendimentos têm todos os anos

Parlamento aprovou nova lei que faz com que, desde Novembro, os políticos que trabalham para o Estado só tenham de prestar contas no início e no fim do mandato, a menos que adquiram bens superiores a 23 750 euros.

Mais uma alteração à lei do controlo da riqueza dos titulares de cargos políticos fez com que os políticos e os gestores públicos já não tenham de actualizar anualmente a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional (TC). A mudança permite que os titulares destes cargos possam ficar quatro anos sem dar justificações àquela entidade e que não tenham que prestar contas sobre aplicações financeiras que não excedam os 23 750 euros.
O pretexto da Assembleia da República para voltar a alterar a lei - em vigor desde 2 de Novembro de 2010 - foi precisamente tornar o controlo mais transparente. No entanto, o artigo que antes referia que os "titulares de cargos políticos e equiparados devem renovar anualmente as respectivas declarações" desapareceu, sendo substituído por outro que estabelece que a actualização do documento só deve acontecer quando houver uma alteração patrimonial superior a 50 salários mínimos (23 750 euros).
Assim, deputados, ministros ou administradores executivos de empresas públicas podem fazer várias transacções - como por exemplo, comprar carteiras de títulos, acções, carros - sem ter de as declarar, desde que não excedam este valor.
A situação abre a porta a fugas ao controlo: os titulares destes cargos podem simplesmente dividir aplicações financeiras avultadas em várias parcelas, por exemplo de 20 mil euros, ficando sem a obrigação legal de as declarar.
Ora, se nunca excederem este valor, os titulares destes cargos podem passar todo o mandato sem actualizar a declaração, quando antes de Novembro o tinham de o fazer todos os anos, independentemente do valor dos bens que adquirissem.
Olhando para as últimas declarações que os deputados, ministros e líderes parlamentares enviaram para o Tribunal Constitucional, na Rua do Século, constata-se que são vários os bens que hoje podiam escapar ao escrutínio público. Ou seja, há vários inves- timentos que os políticos tinham na bolsa no início de mandato, que - caso fossem feitos agora ou nos próximos três anos - já não teriam de ser declarados ao TC.
Os 17 200 euros que, por exemplo, o ministro da Agricultura, António Serrano, tem aplicados em 4000 acções na Zon Multimédia ou os 7780 euros que investiu na Sonae.com não teriam que ser públicos.
Este é só um dos muitos exemplos de aplicações financeiras de membros do Governo que não necessitariam de ser declaradas: desde as acções simbólicas nos clubes, como as do ministro da Economia, Vieira da Silva, que tem 50 títulos na Sporting, SAD, ou as do primeiro-ministro José Sócrates, que tem 500 acções na Benfica, SAD), até a carteiras de títulos, como as da ministra do Ambiente, Dulce Pássaro, no BPI, Cimpor, EDP ou Santander).
O mesmo também poderia acontecer com as aplicações financeiras de alguns membros da oposição. Por exemplo, as acções que o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, detém na empresa de construção Teixeira Duarte e na EDP Renováveis (com um valor de 1059 e 613 euros, respectivamente).

TC aperta cerco a gestores
Nem só os políticos estão sujeitos ao controlo público da riqueza. A lei, que entrou em vigor há pouco mais de dois meses, clarifica e alarga o campo de gestores públicos que ficam sujeitos a declarar rendimentos ao Tribunal Constitucional - mecanismo criado exactamente para garantir que não há enriquecimento ilícito durante o tempo de permanência num cargo público e cuja consulta está aberta ao público.
Agora, a renovação da declaração de património, rendimentos e cargos sociais passa a ser um dever geral de todos os sujeitos vinculados. Antes de Novembro, a renovação era anual e só onerava aqueles que desempenhavam funções executivas. A categoria dos titulares de altos cargos públicos sofreu assim alterações, passando a referir os seguintes cargos: gestores públicos; titulares de órgãos de gestão de empresas participadas pelo Estado, quando designados por este; membros de órgãos executivos das empresas que integram o sector empresarial local; membros dos órgãos directivos dos institutos públicos; membros das entidades públicas independentes previstas na Constituição ou na lei; e titulares de cargos de direcção superior do 1.º grau e equiparados.
Apesar de pretender uma clarificação, esta alteração à lei já gerou confusão. Segundo um acórdão do TC publicado ontem, houve um administrador do Banco de Portugal (não identificado no documento) que solicitou esclarecimentos quanto à necessidade de actualização de bens superiores a 50 salários mínimos.

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