O refúgio basco onde Carlos Mota se escondeu da justiça

Nos últimos dez anos a justiça portuguesa andou pelo menos oito a tentar localizar Carlos Mota. Sem êxito. O esconderijo de Mota foi tão eficaz que fez com que um processo extraído do da Casa Pia - no qual era acusado de lenocínio - fosse arquivado em maio de 2011. Os juízes da Casa Pia também nunca o encontraram para o ouvir em tribunal. Ao contrário do DN, que o descobriu numa cidade basca da província de Álava, a viver com 612 euros de subsídio dado pelo governo regional.

Procura-se. Vivo ou morto (como chegou a ser sugerido na comunicação social). Foi precisamente há nove anos e oito meses que Carlos Mota começou a sua fuga à justiça portuguesa, que o procurou por dois motivos relacionados com a Casa Pia: para prestar declarações como testemunha do processo principal e como arguido acusado de lenocínio e abuso de menores, num processo extraído do principal. Mas nunca foi encontrado. Há dois anos, a Procuradoria-Geral da República assumia estar a fazer diligências para "localizar o arguido". Nunca conseguiu. Hoje, Carlos Mota leva uma tranquila vida de reformado no País Basco, em Espanha, numa cidade da província de Álava a cerca de 820 quilómetros de Lisboa, onde - ao contrário da justiça - o DN o descobriu. E falou com ele sobre o processo Casa Pia e a relação com Carlos Cruz.

Após trabalhar seis anos "numa fábrica de frigideiras", Carlos Mota vive há três com 612 euros mensais de subsídio do governo regional basco. De Portugal diz não ter qualquer contacto e não ter novidades de Carlos Cruz, nem do processo Casa Pia. "Nunca mais falei com o Carlos", garante ao DN. A última vez que pegou no seu velhinho Peugeot para vir a Portugal "buscar umas roupas" foi há três anos.

Confrontado pelo DN com a frase "se o Carlos Cruz é pedófilo, eu também sou!", que proferiu assim que rebentou o escândalo, Mota garantiu que fazer esta declaração foi uma "das grandes burradas" da sua vida. Fala com saudade da única pessoa que o ligava ao País e que meticulosamente lhe recolhia as informações do processo: a companheira Cristina, com quem terminou a relação há seis anos.

Explica que fugiu por ter vindo a público um processo de abusos sexuais a crianças, já prescrito, em que era acusado de ter violado duas meninas de sete e oito anos (o chamado caso de Odemira).

De acordo com o relato do inspetor da PJ Dias André, as primeiras diligências para a localização de Carlos Mota deram-se em junho de 2003, quando este já não estaria na sua casa de há mais de 20 anos, na Rua Pedro Álvares Cabral, em Lisboa. Antes de ir para o País Basco, Carlos Mota garante que ainda esteve "dois meses na casa de uns amigos" em Valongo" e "um mês em Évora na casa de uma amiga da Cristina". Chegou a Espanha em outubro, onde arranjou trabalho e espera ficar até ao fim da vida. Vive num quarto alugado, partilhando a casa com a proprietária, especialista em medicinas alternativas, e o filho desta, que é artista plástico.

No café junto a sua casa, todos conhecem "Carlos, el portugués", sendo homónimo do dono do café. Quando o DN o abordou, Carlos Mota vinha do supermercado com uma palete de leite de marca branca na mão. A conversa prolongou-se por mais de duas horas e a sequência de palavras que Mota mais vezes disse foi: "Eh pá, essa merda é mentira." Tem 76 anos e disse até ponderar não continuar a viver, caso o DN revelasse a sua morada - o que optámos por não fazer.

Carlos Mota trabalhou durante 12 anos para Carlos Cruz, que o chegou a indicar como uma das suas principais testemunhas no processo Casa Pia. Porém, o envolvimento num processo de pedofilia já prescrito, ocorrido em 1974, fez com que a defesa de Cruz sugerisse o afastamento do seu assistente pessoal. Em julgamento, Cruz negou até que Mota fosse seu amigo. Ao DN, Mota diz que não era visita de casa porque "tinha as chaves de casa" de Cruz e, portanto, "entrava quando queria". A confiança era mútua, mas Mota não põe "as mãos no fogo" por Carlos, diz apenas que - em todo o tempo que passou com ele - nunca teve "um mínimo indício" de que o amigo tenha praticado esses crimes.

O próprio Carlos Mota viu-se como arguido num processo extraído do megaprocesso ( 7620/04.2TDLSB), no qual as vítimas João Paulo Lavaredas e Francisco Guerra o acusavam de abuso. Neste processo - no qual era o único arguido - era também acusado de lenocínio. Desde 2004 que o DIAP ainda andava à sua procura. Mas não o encontrou e entretanto arquivou o processo, que ainda se encontrava em fase de inquérito.

A diretora do DIAP, Maria José Morgado, disse esta semana ao DN que o processo "foi arquivado a 3 de maio de 2011" devido a não ter "sido possível ao MP obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes". Mais uma vez Carlos Mota - como aconteceu nos anos 70 - não respondeu por um processo de abuso de crianças porque a justiça não o encontrou.

O primeiro episódio de fuga de Carlos Mota aconteceu dentro do País. Após ter sido acusado de abusar sexualmente de duas meninas de sete e oito anos, numa pensão em Odemira, quatro comarcas judiciais (Odemira, Beja, Sintra e Portimão) tentaram localizá-lo e nunca o conseguiram apanhar. Tentaram ao longo de 16 anos, até o processo ser arquivado. Tudo começou a 8 de julho de 1974 quando os familiares das crianças apresentaram queixa na GNR, sendo os autos enviados para o tribunal.

A partir daí sucederam-se as peripécias do MP para tentar localizar Carlos Mota. A sua mulher chegou a ser "notificada" em 1975 e, em 1977, a PSP até chegou a localizá-lo no cinema Lido, na Amadora, onde trabalhava. Mas quando a polícia lá chegou, ao estilo de Catch Me If You Can, Carlos Mota já lá não estava. A 30 de abril de 1990 o processo viria a ser arquivado e Mota ficou a salvo. Viria, porém, a ser julgado na opinião pública, quando em 2003 Carlos Cruz foi preso e a SIC divulgou o caso.

Passou a ser um incómodo para Cruz, recebeu "ameaças de morte" anónimas no correio e de pessoas que o abordavam na rua, tendo uma vida que classifica de "impossível". Decidiu, mais uma vez, fugir. Apesar de tudo se ter passado há quase 40 anos, Mota garante que saiu de Portugal por causa do caso de Odemira. Sobre este processo - tal como no derivado Casa Pia e que tem como base declarações de "Bibi" e de duas vítimas - diz ser inocente.

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