"Já me tinham avisado que se continuasse a defender publicamente o Carlos Cruz teria um 'dissabor'"
Constituído arguido e acusado de um crime, Herman José provou estar no Brasil na altura em que o teria cometido. Falou com o DN sobre o processo e foi fotografado numa pausa das gravações do 'Herman 2013'. Assegura que só mudou uma coisa na vida: a cor do cabelo - para evitar brincadeiras com o Photoshop.
Dez anos depois de se ter visto envolvido no processo Casa Pia, acha que já recuperou o carinho do público? Ou considera que nunca o perdeu?
Nunca perdi o carinho do público, o que não deixa de ser comovente e muito responsabilizador.
Acha que a última década da sua vida teria sido muito diferente se não tivesse sido envolvido no processo?
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Os meus dois principais dramas recentes não tiveram nada que ver com o processo Casa Pia. O primeiro foi o final abrupto em 2007 da máquina de sucesso que fabricava o Herman SIC, e a segunda um desfalque criminoso às minhas empresas de um ex-colaborador e da sua mulher no valor de 1,2 milhões de euros, já devidamente acusados de vários crimes pelo Ministério Público, e a aguardar julgamento.
Quais as consequências, na sua vida pessoal e profissional, do seu envolvimento no processo?
Os meus espetáculos estão sempre a abarrotar de público jovem, os pais continuam a meter-me as crianças nos braços para tirar fotografias, e as associações de solidariedade abordam-me semanalmente para lhes dar apoio e visibilidade. Nada mudou.
Houve "amigos" que desapareceram devido ao seu envolvimento no Processo? E outros que se revelaram?
Ninguém desapareceu, mas muitos solidarizaram-se de uma forma tão humana e intensa que me deixaram espantado até hoje!
Não deve ter sido um momento fácil para a sua mãe. Como reagiu ela?
A minha mãe nunca foi consumida pela dúvida, conhece-me bem, e conhece melhor o poder do boato e da efabulação. Em 1986, enfermeiras e pessoal hospitalar testemunharam solenemente que me viram entrar nas urgências de certo hospital para morrer com sida. Foi inundada com votos de pesar e condolências. Até ramos de flores! A partir daí, nada nos espanta.
Quando vê as médias das audiências do 'Herman 2012', cerca de 230 mil espectadores, acha que o público já não o penaliza pelo seu envolvimento no processo?
Para evitar comparações com outros produtos da "minha" RTP, prefiro talvez falar da última vez que colaborei com a TVI no programa A Tua Cara não Me É Estranha, domingo, dia 3 de fevereiro. Nos cerca de 13 minutos que estive no ar, fui seguido por mais de um milhão e duzentos mil espectadores apesar do adiantado da hora - meia noite e meia - e mantive um share de quase 50%. O dobro da SIC no mesmo horário. Estamos falados quanto a audiências?
Logo a seguir a ser envolvido no processo, pintou o cabelo de louro. Essa sua estratégia surtiu o efeito que pretendia?
Foi uma maneira de ter a certeza de que "mão amiga" não conseguiria inventar "provas fotográficas" a posteriori. O Photoshop muda tudo na perfeição menos a cor dos cabelos. Como leio muitos romances da Agatha Christie, deixei-me inspirar.
Em 2009 voltou a fazer espetáculos um pouco por todo o País. Foi a única opção que teve na altura para conseguir faturar?
Não faz espetáculos quem quer, só quem pode e para tal é solicitado. Somos muito poucos na "primeira divisão"... O Pedro Abrunhosa, a Mariza, a Carminho, o Rui Veloso, o José Cid, o Carlos do Carmo... A minha tournée do ONE (HER)MAN SHOW em 2012, com o estimável apoio EDP, esgotou salas por todo o País e culminou com uma atuação memorável da Casa da Música.
Alguma vez foi vaiado em público por causa do processo?
Nunca.
Do ponto de vista financeiro, foi penalizado?
Não. O meu generoso contrato com a SIC manteve-se de pedra e cal até 2008.
Vendeu o Rolls-Royce, o Bentley, o iate. Por necessidades financeiras?
Vendi o Rolls porque era de 1991, e o Bentley porque era de 1992. Carros com 20 anos tendem a ter pouca saúde, e eu não coleciono carros antigos. Iates, desde 1990, já vendi seis, dos 12 aos 20 metros - sempre que troquei de modelo. Espero continuar a "vendê-los" até ao fim da vida ! (risos)
Quanto gastou na sua defesa?
Os meus advogados são avençados e trabalham para o meu conjunto de empresas. O caso Casa Pia não trouxe qualquer agravamento de custos.
Continua a ter a casa de Azeitão referenciada no processo?
Estou em Azeitão desde 1982. Tenho os mesmos caseiros e vizinhos há 30 anos! Seriam precisos muito mais do que boatos para que eu abandonasse uma terra onde sou tão estimado e que me escolheu como imagem de marca!
Ficou admirado por ver o seu nome envolvido neste processo?
Não. Já me tinham avisado por muitas vias, que se continuasse a defender publicamente o Carlos Cruz, que teria um 'dissabor'. Nunca me desviei um milímetro das minhas convicções. Foi assim em 1973 quando a PIDE me ameaçou com extradição se mantivesse a nacionalidade alemã; em 1988 quando me suspenderam o programa Humor de Perdição por não ter desistido das "Entrevistas Históricas"; em 1996 quando representantes da Igreja Católica fizeram um abaixo-assinado de 250 mil nomes para me pulverizar da televisão pública caso metesse no ar uma charge à Última Ceia. E continuará a ser assim. Há cidadãos que teimam em manter a coluna na vertical. O custo é altíssimo, como acontece com todos os luxos, mas acaba sempre por compensar. É como se diz, dos cobardes não reza a História.
Vários miúdos referenciam a sua presença em casas onde teriam ocorrido abusos sexuais a menores. Acabou por ser acusado apenas por uma situação. Considera que teve sorte?
Mais sorte tiveram os outros acusados pelos mesmos miúdos que não chegaram a ser formalmente acusados. É uma longa lista, cuja publicação aconselho, para que o vosso artigo fique mais isento, corajoso, completo e credível. Vai de conhecidos comentadores políticos a ex-ministros do PSD.
Ficou com uma ideia diferente da justiça portuguesa depois desta experiência?
Os trambolhões judiciais não são exclusivo de Portugal. Há pouco tempo, vi um filme assustador sobre o caso Outreau, onde inocentes se suicidaram na prisão. Aconselho vivamente o seu visionamento, para que todos paremos para pensar. É brilhantemente dirigido por Vincent Garenq e foi estreado em França a 7 de setembro de 2011. Chama-se Présumé Coupable.