Neonazis armados assassinaram dirigente do PSR
O Comité Central do Partido Socialista Revolucionário (PSR), considerou tratar-se de um assassínio político a morte do seu militante e membro do secretariado, José da Conceição Carvalho, abatido com uma facada no peito, por elementos de um grupo de skinheads, ao princípio da madrugada de ontem, junto à sede do partido, em Lisboa
José Carvalho encabeçava uma campanha antimilitarista e pacifista, de que fazem parte alguns espectáculos promovidos pelo PSR. Um desses espectáculos, um concerto de música rock, decorria nas instalações da sede do partido quando, cerca das 22 horas de sexta-feira, um grupo de skinheads (cabeças-rapadas) conotados como simpatizantes nazis, se juntaram à porta da sede do PSR.
Armados de paus, pedras, barras de ferro e facas, os cerca de 15 jovens começaram a fazer ameaças e a gritar palavras de ordem contra os comunistas. Próximo da meia-noite, quatro jovens tentaram entrar nas instalações, tendo José Carvalho procurado evitar essa pretensão para que não houvesse qualquer confronto.
José Carvalho e outros militantes do PSR conseguiram afastar o grupo de skinheads para o beco anexo ao edifício da sede do partido, onde José Carvalho foi esfaqueado no peito, tendo morte imediata.
Elementos da PSP que pouco depois chegaram ao local já não conseguiram identificar nenhum dos elementos dos skinheads, que, entretanto, se tinham posto em fuga. No confronto ficaram ainda feridos dois outros militantes do PSR, um dos quais, Paulo Jorge Barros Lobo, ainda se encontra internado no Hospital de S. José com fracturas dos ossos do nariz.
Ontem à tarde, a Conferência Anual do PSR, que estava marcada para a Casa da Imprensa, foi substituída por uma homenagem a José Carvalho. Durante cerca de uma hora, Francisco Louçã, principal dirigente do partido, traçou a biografia de José Carvalho, salientando a sua actividade quando trabalhador da fábrica Messa, e militante do PSR desde a primeira hora.
Sublinhou Francisco Louçã que José Carvalho tinha, fundamentalmente, duas responsabilidades: o apoio à juventude e a orientação do jornal Combate. No final da homenagem, foi guardado um minuto de silêncio em memória de José Carvalho, que tinha 36 anos.
Não está ainda marcada a data do funeral, devendo o corpo, após a autópsia, ficar em câmara-ardente na capela das Furnas.
“Assassínio político”
Em nota ontem divulgada, o PSR sintetisa a ocorrência que vitimou o seu militante, e salienta que a ambulância pedida ao Hospital de S. José, que fica a cerca de 300 metros da sede do PSR, só chegou meia hora depois dos incidentes.
O documento sublinha “tratar-se de um assassínio político, inédito no nosso país desde a morte trágica do padre Max e de Maria de Lurdes. Prova que os fascistas, minoritários e marginais na sociedade portuguesa, estão organizados e activos. Por todos os meios ao seu alcance, o PSR empenhar-se-á na punição dos assassinos”.
Entretanto, o Partido Comunista expressou a sua “indignação e tristeza perante o homicídio de José Carvalho”, e “reclama a urgente detenção dos implicados no crime”.
“Este triste acontecimento vem pôr em evidência a imperiosa necessidade de as autoridades policiais adoptarem medidas enérgicas que ponham termo à impunidade com que os grupos deste tipo vêm praticando numerosos actos de violência e provocação”, refere ainda o comunicado do PCP.
Também a Frente de Esquerda Revolucionária (FER) divulgou um comunicado solidarizando-se com o PSR, colocando-se à disposição deste partido para todas as acções que visem “sentar no banco dos réus e punir exemplarmente os assassinos fascistas que tiraram a vida a um seu camarada”.
O secretariado do Conselho Nacional da UDP também manifestou o seu protesto pelo crime, reclamando a tomada de medidas contra grupos como os skinheads, tendo a organização Interjovem, da CGTP, emitido um comunicado no mesmo sentido.
Entretanto, a Polícia Judiciária anunciou estarem já em curso investigações para identificar o “presumível culpado” do homicídio. José Carvalho vai a enterrar hoje, pelas 11 horas, no cemitério de Benfica.
Rasto de sangue e violência precedeu homicídio em Lisboa
O homicídio do dirigente trotsquista José da Conceição Carvalho é o caso mais grave em que, até hoje, estiveram envolvidos grupos de skinheads, ou cabeças-rapadas, desde que as suas actividades começaram a ser referenciadas, em 1985.
Num passado recente, no entanto, estes grupos de inspiração neonazi estiveram envolvidos em inúmeros confrontos de rua, ou em estabelecimentos nocturnos, quer em Lisboa, quer no Porto. A violência e intensidade das agressões e distúrbios que protegonizaram agravaram-se ao longo deste ano.
Os cabeças-rapadas estiveram envolvidos em inúmeras agressões a cidadãos cabo-verdianos, ou pura e simplesmente de raça negra, perpetradas em plena rua. Foram ainda responsáveis pela agressão ao conhecido actor João Grosso, que obrigou à hospitalização deste, quando tentou defender um indiano que era agredido, em grupo, por cabeças-rapadas.
São grupos de jovens, situados, na maioria, numa faixa etária abaixo dos 25 anos. São trabalhadores ou estudantes e vêm de subúrbios da Grande Lisboa, como Amadora, cidade onde fundaram, em 1985, o Movimento de Acção Nacional (MAN).
Defensores da “pureza rácica” e advogando a expatriação de todos os indivíduos que não sejam de raça branca, os cabeças-rapadas costumam andar em grupos armados de bastões ou tacos de basebol e calçam sempre botas cardadas, do tipo Doc Martin. Distinguem-se pela sua indumentária característica: Jeans, suspensórios e t-shirt branca, para além da cruz céltica, que reivindicam como símbolo.
Os cabeças-rapadas portugueses são inspirados nos skinheads britânicos, formados por grupos de jovens que igualmente se celebrizaram pelos seus ataques contra indivíduos de outras etnias residentes no Reino Unido. Em Portugal, constituíram-se, politicamente, no Movimento de Acção Nacional (MAN).
Afirmam possuir “relações internacionais” com grupos de extrema-direita europeus e dizem ter o “dinheiro necessário” para financiar as suas actividades. Consideram a raça como um valor superior ao indivíduo e reclamam-se herdeiros de Primo de Rivera e de Rolão Preto.
Considerando-se “anticomunistas” e “antisemitas”, têm atacado não só indivíduos de etnia negra mas tambêm jovens de grupos diferentes, como os punks ou os pós-modernos.
Para além das agressões de rua, os skinheads protagonizaram, ainda, distúrbios em diversas discotecas e bares, que invadiram, fazendo saudações nazis e ameaçando, numa ocasião, repórteres fotográficos com facas.