Paulo Pedroso: 7 momentos de um Verão quente socialista
"O Meritíssimo Juiz de Direito junto do 1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (…) manda que se detenha a seguinte pessoa: Paulo José Fernandes Pedroso." Foi este o início do texto do mandado de detenção que, a 21 de Maio de 2003, o juiz Rui Teixeira entregou na Assembleia da República, dando início a um autêntico Verão quente que assolou o PS. Não se pode dizer que a notícia caiu como uma bomba nas hostes socialistas. Semanas antes da detenção, chegaram aos ouvidos do então estado-maior do PS - Ferro Rodrigues, António Costa e ao próprio Paulo Pedroso - informações de que algo estava para acontecer. Paulo Pedroso ficou preso preventivamente durante cerca de cinco meses. Mas só em Setembro de 2008 é que reassumiu o seu lugar de deputado.
1. JUIZ
Foi um "novo" Rui Teixeira que, no dia 21 de Maio de 2003, deu entrada no Parlamento. À sua espera estava Mota Amaral, então presidente da Assembleia da República, a quem o magistrado entregou o mandado de detenção de Paulo Pedroso. Daí que o juiz tenha trocado o habitual casaco de ganga e a T-shirt por um fato. No documento entregue a Mota Amaral, o juiz sustentou que Paulo Pedroso, segundo a investigação levada a cabo pelo Ministério Público, era suspeito de 15 crimes de abuso sexual de crianças. Para fundamentar a decisão, Rui Teixeira transcreveu alguns extractos de depoimentos de jovens que afirmaram ter sido abusados pelo deputado, assim como apresentou um conjunto de escutas telefónicas. Ficaram célebres as referências a uma "voz masculina" que, afinal, era uma mulher, e a conversa sobre o "embaixador R", a qual se referia ao embaixador russo. A Comissão de Ética acabou por levantar a imunidade parlamentar e Pedroso seguiu para o TIC.
2. TIC
Sempre acompanhado de perto por João Pedroso, irmão, Paulo Pedroso dirigiu-se ao Tribunal de Instrução Criminal. À sua espera estava o juiz, o procurador João Guerra e Celso Cruzeiro, o advogado de Aveiro que o acompanhou durante o processo. À medida que o tempo ia passando, crescia a ansiedade no PS. O então líder Ferro Rodrigues recebeu - como consta das escutas telefónicas - vários telefonemas de solidariedade. António Costa começou a fazer os seus contactos pessoais na área da justiça. Maria José Morgado, Luís Bonina (ex-director da PJ) e Orlando Romano (procurador) foram três magistrados a quem o então líder parlamentar recorreu para esclarecer aspectos do processo. Ferro não se cansava de dizer que era chegada a hora de "porrada em cima deles", "porrada política", precisou. E mais indignado ficou quando soube que o seu nome também constava das denúncias do processo.
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3. PREVENTIVA
Terminado o interrogatório, o juiz Rui Teixeira considerou que não havia, como defendeu o MP, perigo de continuação da actividade criminosa. Entendendo, por outro lado, que os contactos dos dirigentes socialistas, com o então Presidente da República, Jorge Sampaio, e com Souto Moura, procurador-geral, constituíam um perigo de perturbação do inquérito, só acautelado com a prisão preventiva. Decretada a preventiva, os socialistas, ao telefone, perderam as estribeiras. Mariano Gago, actualmente ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior, defendeu junto de Ferro Rodrigues uma "medida brutal da magistratura". José Sócrates, ao telefone com Ferro, insultava jornalistas e teorizava, de forma muito própria, sobre a separação de poderes. Manuel Alegre, hoje candidato à presidência da República, dizia para os investigadores "enfiarem as escutas...". Defendendo que o Governo de Durão Barroso "tem de ir abaixo". Nascia, então, a "teoria da cabala", da montagem de testemunhos contra o deputado socialista. Ao telefone, fala-se frequentemente da existência de um "núcleo sinistro" ligado a elementos do Governo de Durão Barroso e aos serviços secretos.
4. BATALHA
Os meses que se seguiram à prisão preventiva de Paulo Pedroso foram de intensa batalha jurídica nos tribunais. E foi aqui que entrou a contundente pena do advogado Celso Cruzeiro. E, no meio de centenas de páginas do processo, o advogado puxou por um argumento de peso: a identificação de Paulo Pedroso, através de uma fotografia que constava de álbum, não obedeceu à lei. O advogado contestou ainda o conceito de "fortes indícios" do juiz Rui Teixeira para aplicar a prisão preventiva. Celso Cruzeiro salientou que os indícios recolhidos pela investigação eram tudo menos fortes, já que nos depoimentos dos jovens que apontavam o dedo a Paulo Pedroso existiam contradições e imprecisões na sua identificação. Durante os meses em que esteve preso preventivamente, Paulo Pedroso recebeu visitas de praticamente todos os notáveis do PS: desde José Sócrates a António Guterres até Almeida Santos.
5. MEMÓRIA FUTURA
Com os arguidos detidos, o Ministério Público tentou - e o juiz concordou - avançar em Setembro de 2003 para uma importante diligência: a audição das vítimas do processo "para memória futura". Isto é, os jovens eram ouvidos perante um juiz de instrução, as defesas poderiam fazer perguntas e as suas declarações eram válidas para julgamento. Porém, os advogados, não estando na posse de todos os elementos, decidiriam bloquear a diligência, avançando com um incidente de recusa do juiz. O processo, durante algumas semanas parou, mas o recurso de Paulo Pedroso já estava a ser analisado no Tribunal da Relação de Lisboa - um tribunal que se dividiu em duas secções: a 3.ª e a 9.ª. Se os recursos fossem para a primeira, os juízes eram mais brandos. A segunda confirmava as decisões do juiz de instrução. O recurso de Paulo Pedroso foi distribuído à 3.ª: Telo Lucas, Carlos Almeida e Moraes Rocha foram os desembargadores que decidiram.
6. LIBERTAÇÃO
A 8 de Outubro de 2003, a Assembleia da República foi atingida por um autêntico furacão. Os três juízes desembargadores que analisaram o recurso decidiram (com um voto de vencido) libertar o então deputado, considerando não existirem fortes indícios sobre os crimes que lhe eram imputados, muito menos perigo de perturbação do inquérito. A ordem de libertação foi comunicada de imediato ao Estabelecimento Prisional de Lisboa e dois carros do PS foram à cadeia recolher Paulo Pedroso. O que se seguiu foi um autêntico pandemónio: os corredores do Parlamento foram invadidos por deputados, amigos de Pedroso, e imensos jornalistas que se acotovelavam para conseguir a melhor imagem. Houve festa socialista com o regresso de Pedroso e mobiliário partido. Em Dezem-bro, Pedroso foi acusado pelo MP.
7. INSTRUÇÃO
Apesar do revés sofrido com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, o Ministério Público insistiu em manter Paulo Pedroso como arguido no processo Casa Pia, acusando-o de 15 crimes. Porém, o acórdão que o libertou foi uma arma de peso para a fase de instrução, já que os juízes desembargadores consideraram nula a identificação do deputado através de uma fotografia e sublinharam a pouca consistência dos depoimentos que o incriminavam. Por isso, pouco ou nada restava à juíza que fez a instrução do caso, Ana Teixeira e Silva. A decisão foi de não pronúncia, isto é, de não levar Paulo Pedroso a julgamento por falta de fortes indícios da prática do crime de abuso sexual de crianças. Mais uma vez, o MP insistiu com um recurso desta decisão, mas sem sucesso. Ora, Pedroso ainda avançou com uma acção contra o Estado devido à sua detenção. Numa primeira fase, o Estado foi condenado a pagar uma indemnização de 120 mil euros. Mas esta decisão foi revogada, em Janeiro deste ano, pelo Tribunal da Relação de Lisboa (com um voto contra). Pedroso avançou com recurso para o Supremo.