01 maio 2004 às 21h41

Legiões de camponeses deixaram, nos anos 60, o mundo rural e emigraram para as cidades ou para o estrangeiro

Os primeiros foram trabalhar nas fábricas que nasciam para produzir principalmente os têxteis que a Europa do pós-guerra, agora numa situação desafogada, consumia.Os segundos sustentaram a balança de pagamentos nacional na década crítica de 70. Portugal aderiu cedo a todas as organizações económicas internacionais que surgiam, para ajudar as empresas. Os investidores privados eram o motor da economia, pois o Estado não gerava receitas para criar infra-estruturas.Comboio europeu foi apanhado nos anos 60

GOUVEIA DE ALBUQUERQUE

Isolado, fechado, anquilosado, miserabilista - estas acusações que se lançam à política do Estado Novo falham, porém, no que respeita à economia portuguesa anterior ao 25 de Abril de 1974.
Embora com algum atraso, Portugal conseguiu apanhar o comboio dos anos de ouro das economias europeias do pós-guerra.
«Quero este País pobre mas independente; não o quero colonizado por capital americano», disse Salazar em 1963. Só que, antes, tinha aceitado receber os empréstimos do Plano Marshall, destinados a levantar a Europa das ruínas da II Guerra Mundial. Embora não tenha sido um País beligerante, Portugal aproveitou este maná de dólares, que contribuiu para o arranque de novas indústrias.
Por outro lado, Salazar nunca aplicou na economia a sua tese do «orgulhosamente sós».
Assim, no princípio dos anos 60 Portugal aderiu a todas as organizações económicas e financeiras de âmbito internacional então existentes : Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE, depois OCDE), Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT, percursor da actual Organização Mundial de Comércio) e EFTA. O último passo desta internacionaliza- ção foi dado em 1972, com um acordo preferencial com a então CEE, hoje União Europeia.
Particularmente decisiva para o desenvolvimento do sector industrial português foi a adesão à EFTA, organização onde pontificava o Reino Unido e que pretendia ser uma alternativa à CEE, mas sem outras ambições que não as puramente alfandegárias. Graças a um anexo ao tratado de adesão à EFTA, Portugal conseguiu uma prorrogação no prazo de desmantelamento das barreiras aduaneiras, o que protegeu a indústria nacional e favoreceu as exportações.
Pode dizer-se que a EFTA permitiu o nascimento de uma indústria têxtil extremamente forte... que hoje está quase em extinção.
As confecções foram, nos anos 60 e princípios de 70, o verdadeiro motor da economia portuguesa, o maior exportador nacional, o maior gerador de receitas fiscais e o maior empregador. Todos os países entram na era industrial através dos têxteis. Foi assim na Inglaterra do século XIX, em Portugal no século XX, e nos países asiáticos no actual século. Só nos atrasámos, pois, cem anos...
macroeconomia Nos tempos que correm, quando o PIB cresce 1% por ano, já ficamos satisfeitos. Quando o crescimento desse indicador de criação de riqueza de um país atinge valores na ordem dos 3%, então até exultamos de alegria. Ora, entre 1960 e 1973, o PIB português registou um crescimento médio de 6,9%! Recorda-se que, no ano passado, foi de 0,7% negativos.
As indústrias transformadoras conseguiram manter um VAB (valor acrescentado bruto) anual de 9,2% entre 1960 e 1973. No mesmo período, a produtividade média das empresas portuguesas foi de 7,3%. As exportações cresceram 11,6% no período em apreço (e só 2,3% no ano passado). O desemprego em 1970 foi de 2,7%, metade do actual.
Como é que a economia portuguesa conseguiu indicadores tão pujantes? Em primeiro lugar, com salários baixos internos. Depois, com uma procura externa forte. A Europa vivia então um período que nalguns países é mesmo apelidado de era de ouro. A febre consumista mundial só abrandaria em 1973, com o primeiro choque petrolífero, que deu origem a uma crise económica prolongada e agravada pelo segundo choque petrolífero, em 1979.
Um terceiro factor foi o proteccionismo moderado de que as empresas portuguesas beneficiavam. Em primeira instância, as empresas tinham um mercado privilegiado: as colónias. As exportações para África representavam, em 1960, 25% do total das mercadorias vendidas ao exterior. Mas em 1973 o mercado colonial já só representava 15% das exportações portuguesas, graças à melhoria da capacidade das empresas de venderem no mercado europeu, muito mais exigente e selectivo. Em segunda linha, as empresas portuguesas estavam protegidas pela lei do condicionamento industrial, que tinha como principal objectivo proteger o capital nacional de eventuais concorrentes internacionais que quisessem instalar-se no País.
Esta legislação limitava drasticamente o investimento estrangeiro que, então, não era considerado essencial para o desenvolvimento do País, pois se considerava suficiente o capital nacional. Estava-se na época do desenvolvimento dos grandes grupos económicos - Champalimaud, Mello, Espírito Santo, CUF, Pinto de Magalhães, Vinhas, etc.
O proteccionismo desta legislação chegava ao ponto de ser necessária a autorização do Governo no caso de um empresário português querer vender a sua empresa a um estrangeiro. E as empresas que não tivessem pelo menos 60% de capital genuinamente português estavam impedidas de concorrer aos concursos públicos.
É claro que se tais medidas garantiam aquilo a que hoje se chama de manutenção dos centros de decisão em Portugal, também impediam que surgissem no mercado novos concorrentes que fizessem tremer as indústrias já instaladas.
A lei do condicionamento industrial era, porém, uma norma de excepção no seio de um regime que pouco interferia na economia.
O Estado não era investidor nem empresário. José da Silva Lopes, co-autor da obra A Situação Social em Portugal 1960-1995, escreve que «o peso financeiro do Estado na economia era relativamente modesto». Este economista sustenta ainda que o «baixo nível do rendimento per capita não permitia então sustentar uma proporção muito alta de gastos públicos», ou seja, como a maioria dos portugueses eram pobres, também as receitas fiscais eram pobres. E com um Estado pobre de recursos, estava posta de parte a hipótese de o motor da economia ser um Governo despesista, consumidor, fazedor de obras públicas.
trabalho As estatísticas revelam que hoje apenas 5% dos trabalhadores portugueses recebem o salário mínimo. Mas quando esta figura foi criada, poucas semanas após o 25 de Abril de 1974, abrangeu cerca de 50% da população activa. Efectivamente, parte do sucesso da economia repousava nos salários baixos. Mas a verdade é que se tratava de uma mão-de-obra sem qualificações. Muitos dos operários tinham sido agricultores na véspera. Data dos anos 60 o fenómeno do êxodo da população rural do país. Uma parte foi engrossar as filas dos trabalhadores das indústrias que nasciam e outra parte, bem maior, deu o salto nas fronteiras e foi trabalhar para a França, Alemanha, Suíça e Luxemburgo.
Em 1960, cerca de 45% dos trabalhadores labutavam nos campos, minas ou na pesca. Hoje, esse número não chega a 10%. No sector dos serviços, onde trabalha hoje quase 60% da população, só havia 26% no princípio dos anos 60. A percentagem de trabalhadores no sector secundário (indústrias) desceu ligeiramente de 39% para os 32% actuais.
Esta migração da população activa do sector primário para o secundário em apenas três décadas é o sinal mais revelador de como a economia soube adaptar-se às exigências de um estádio mais elevado de desenvolvimento. Quanto à emigração para o estrangeiro, ela teve o resultado de as remessas dos rendimentos de trabalho dos emigrantes passar a ser, desde finais da década de 60 e toda a década de 70, a principal fonte de receitas do País. Foram os emigrantes que sustentaram a economia que entrou em crise na década de 70.

No feminino: Mulheres já lideram cursos superiores

As mulheres portuguesas conquistaram, com o 25 de Abril, uma posição melhor perante o mundo do trabalho. O que é demonstrável se verificarmos que, em 1970, havia muito mais mulheres analfabetas (31%) do que homens (19,7%). Hoje, a proporção até se agravou (11,5% contra 6,3%), mas isto deve-se à maior longevidade do sexo feminino, pois trata-se de analfabetismo de pessoas idosas. Mas no ensino superior já ocorreu o volte- -face: em 1970, entre os licenciados, 55,6% eram homens e 44,4% mulheres. Mas as últimas estatísticas, de 2001, comprovam que já há mais mulheres licenciadas (56,4%) do que homens (43,6%). O interesse pela vida pública por parte do sexo feminino está também patente na sua participação em cargos políticos. Assim, a primeira legislatura (1975) contou com 8,9% de mulheres e a última, em 2002, fez sentar 19,6% de mulheres em São Bento. A mesma evolução ocorreu na composição dos governos (de 1,9% em 1976 aos actuais 14,8%) e presidência de autarquias (de 1,3% em 1979 aos 5,2% de hoje).

Portugal em números

Nas últimas três décadas, os indicadores sociais e económicos sofreram alterações mais ou menos profundas. O País mudou com a Revolução dos Cravos, em 1974, e a adesão, em 1986, à então Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia. A comparação estatística é elucidativa. O DN apresenta hoje alguns exemplos de indicadores

População residente (em milhões)
8,6 -1970
10,3 -2001
Casamentos dissolvidos por divórcio
777
1974
27 960
2002
Estudantes matriculados no ensino superior
38 355
1970
390 638
2001
Número de quilómetros de auto-estradas
74
1977
1835
2002
Taxa de analfabetismo
19,7%
1970
6,3%
2001
Remuneração média mensal de base (em euros)
1985 - 150
2000 - 613,8
Rendimento 'per capita' (em % da média europeia)
1973 - 58,4%
2003 - 68,8%
População activa (% no sector dos serviços)
1974 - 32,2%
2002 - 53,6%
Taxa de desemprego
1970 - 2,7%
2003 - 6,4%
Crescimento do produto interno bruto (PIB)
1973 +4,9%
2003 - 1,3%