Cavaco e Sócrates juntos contra referendo europeu
Estado prepara abandono da consulta europeia
José Sócrates concorda com Cavaco Silva e o referendo europeu poderá ser abandonado. Segundo soube o DN, há um acordo tácito entre Presidente da República e primeiro-ministro sobre a necessidade de aprovar um eventual futuro tratado entre os 27 países da União Europeia sem o recurso à consulta popular.
Agora, o difícil vai ser explicar como o Governo muda de opinião. Consciente da delicadeza política da matéria, Sócrates referiu ontem à RTP1 que a realização do referendo é um "compromisso" do Governo, mas que não é "insensível" às palavras do Presidente.
O primeiro-ministro mostrou-se disponível para "ponderar e reflectir" sobre a proposta do Presidente para o abandono do referendo, anunciada ontem em Riga, durante o Encontro de Arraiolos, uma reunião de chefes de Estado europeus. Cavaco convidou os partidos a "meditar serenamente" sobre a melhor maneira de ratificar o próximo tratado da União Europeia . E disse: "Antes de ser designado Presidente da República, nunca me mostrei entusiasmado com o referendo."
O abandono do referendo está a ser acordado entre Presidente da República e primeiro-ministro, mas conta com uma objecção de peso: Marques Mendes, líder do partido que Cavaco Silva dirigiu durante dez anos. Como o DN já noticiou, Sócrates sondou Marques Mendes para o conquistar para uma espécie de "pacto de regime" para o abandono do referendo, mas Mendes opôs-se terminantemente. Uma posição já reiterada pelo PSD, depois de Cavaco ter vindo defender que o referendo deve ser reequacionado.
O acordo tácito Sócrates-Cavaco não é único entre os países membros: depois do caos instalado na Europa com o chumbo da Constituição na França e na Holanda, o referendo perdeu popularidade e cresce um movimento para conseguir aprovações rápidas do futuro acordo sem recurso a consultas populares, naturalmente de risco.
Este é um processo que está, no entanto, ainda no início. Até porque falta saber que propostas concretas sobre esta matéria avançará a presidência alemã da União Europeia - que já prometeu novidades para o próximo mês de Junho. O processo deverá prolongar-se pela presidência portuguesa , no segundo semestre do ano. E poderá mesmo resultar numa conferência intergovernamental, no sentido de rever o texto chumbado por França e Holanda.
Com todo o processo ainda envolvido em incógnita, o PS considera a questão da consulta popular ainda "prematura" e mantém o acento no referendo - mas sublinhando que é preciso conhecer a amplitude das alterações que serão introduzidas ao actual quadro de funcionamento da UE. Vitalino Canas, deputado socialista que preside à comissão de Assuntos Europeus, diz que o partido não está interessado em quebrar o compromisso eleitoral que assumiu. "No pressuposto de que o Tratado introduzirá um conjunto de alterações relevantes, como pretendemos, tem de ser objecto de consulta", sublinhou ao DN. Ressalvando que falta conhecer a evolução que terá o texto: "Se o Tratado Constitucional alterasse três vírgulas [ao modelo actual] não seria necessário um referendo."
O deputado diz, no entanto, que esta é uma questão "prematura", dado não estarem ainda assentes os termos e a amplitude da revisão. "Primeiro tem de se resolver o problema do objecto. Só depois se poderá saber" qual a fórmula a seguir. Sobre a hipótese de o referendo vir a revelar-se complicado em termos de calendário - o que acontecerá se for remetido para 2009, ano que contará três actos eleitorais -, Vitalino Canas sublinha que "faltam ainda dois anos" e que a consulta é exequível antes desta data.