Suspensão de subsídios viola equidade fiscal

O Presidente da República deixou ainda outros avisos ao Governo, alertando para a necessidade de ser crucial que não exista sentimento de injustiça na repartição dos sacrifícios.

Cavaco Silva considerou hoje que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal da administração pública e dos pensionistas é "a violação de um princípio básico de equidade fiscal".

"É sabido por todos que a redução dos salários ou pensões a grupos específicos é um imposto. Mudou o Governo, mas eu não mudei de opinião. Já o disse anteriormente e posso dizê-lo outra vez: é a violação de um princípio básico de equidade fiscal", afirmou o chefe de Estado em declarações aos jornalistas à saída da sessão de abertura do IV Congresso Nacional dos Economistas, que decorre em Lisboa.

Questionado se entende que a proposta de suspensão em 2012 e 2013 do pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas é um "ataque" a um grupo específico, o Presidente da República recordou a posição que assumiu quando o anterior Governo liderado por José Sócrates fez um corte nos vencimentos dos funcionários públicos.

"Não estou a dizer-vos nada de novo. Era a posição que eu já tinha quando o anterior Governo fez um corte nos vencimentos dos funcionários públicos. Os livros ensinam-nos quais são os princípios básicos de equidade fiscal e é sabido por todos que estudam esses livros que a regressão de vencimentos ou de pensões a grupos específicos é um imposto", sustentou, insistindo que não muda de opinião "por causa de ter mudado o Governo".

Manifestando o desejo que a Assembleia da República faça um "debate aprofundado" sobre as propostas do Governo para o Orçamento do Estado para 2012, entre as quais está a suspensão e cortes nos subsídios de férias e de Natal, Cavaco lembrou que é ao Governo que cabe elaborar aquele documento e ao Parlamento a sua aprovação. "Vamos esperar pelo debate que agora vai ter lugar no sítio certo, que é a Assembleia da República", acrescentou.

Interrogado se entende que este é um bom Orçamento e adequado para a situação do país, remeteu para os deputados, a quem cabe "exclusivamente" aprovar o documento. "São os deputados que agora terão que o dizer, é o tempo da Assembleia da República, são os deputados que exclusivamente nos termos da Constituição lhes compete aprovar o Orçamento, que depois o Governo colocará em execução", repetiu.

O Presidente da República reconheceu que subsistem "naturalmente dúvidas" sobre o resultado dos sacrifícios que estão a ser exigidos e questionou se os "limites" já não terão sido ultrapassados em alguns casos, como relativamente aos pensionistas.

"Eu não sei se nalguns casos, principalmente dos pensionistas, por aquilo que me chega à Presidência da República, estes limites não podem já ter sido ultrapassado", afirmou o chefe de Estado, quando questionado sobre a razão que o levou a repetir que "há limites para os sacrifícios" na intervenção que tinha feito minutos antes na abertura do IV Congresso dos Economistas.

Distribuição justa dos sacrifícios

Antes, no discurso que abriu o Congresso da Ordem dos Economistas, Cavaco já tinha deixado alguns recados ao Governo: "A austeridade orçamental, só por si, não garante que, no futuro, o país se encontrará numa trajectória de crescimento económico e melhoria das condições de vida".

O Presidente da República deixou depois um alerta na sequência das medidas de austeridade que constam no OE2012. "É necessário evitar que cresça na sociedade portuguesa o sentimento de que é injusta a distribuição dos sacrifícios, que se exige relativamente menos aos que têm maior capacidade contributiva do que a muitos outros com rendimentos mais baixos".

Cavaco Silva recordou ainda que "os últimos anos expuseram de forma evidente e dramática os desequilíbrios da economia portuguesa e a insustentabilidade do caminho que vinha a ser seguido". E reconheceu que "os portugueses são confrontados com perspectivas de recessão profunda da economia, de desemprego em níveis sem precedentes, de quebra acentuada dos rendimentos das famílias e de grande dificuldade das empresas em satisfazer as suas necessidades de financiamento".

O Presidente da República avisou ainda os portugueses que a "esperança não pode ser confundida com optimismo cego", e que é necessário cumprir primeiro o memorando da troika, antes do crescimento económico e da criação de emprego.

Diálogo com oposição e parceiros sociais

Diante de uma plateia de economistas, Cavaco Silva frisou que o consenso alargado em torno do programa da troika tem sido valorizado positivamente a nível internacional e numa mensagem dirigida a Passos Coelho e António José Seguro, que estarão frente-a-frente no Conselho de Estado da próxima semana, desafiou os partidos a preservarem esse "activo politico".

"O Governo deve reconhecer a importância de manter, em permanência, abertura e empenho no diálogo com a oposição e com os parceiros sociais. Da oposição espera-se também uma atitude responsável embora exigente que ajude o pais e a sociedade a vencerem os enormes desafios que têm à sua frente."

O Presidente exigiu uma "reforma profunda do Estado" e - numa altura em que o Governo está a negociar o programa de ajustamento para a Madeira - avisou: "Ninguém tem o direito de hipotecar o bem-estar das gerações vindouras".

Cavaco regressou ao tema do crescimento económico, que tem sido a bandeira dos partidos à esquerda, para deixar outro aviso ao Governo. "A experiência recente - nomeadamente a nível internacional - confirma que os programas de ajustamento não podem cingir-se ao plano orçamental. Ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis. É crucial, portanto, conjugar a dimensão orçamental com medidas destinadas a criar condições propícias ao crescimento."

O Presidente deu força à pressão dos banqueiros sobre o Governo ao considerar que é "indispensável" diminuir a exposição da banca nacional ao sector empresarial do Estado.

A falta de uma resposta Europeia à altura voltou a ser um dos alvos das criticas de Cavaco. Escusando-se a apontar o dedo aos responsáveis, o Presidente reafirmou que na raiz da crise está "o mau escrutínio, por parte das instituições europeias, do rumo das finanças públicas e das politicas macroeconómicas de alguns estados membros". Depois afirmou-se convicto de que a crise ocorreria mesmo sem a crise do subprime e a falência do Lehman Brothers na América. "A turbulência verificada nos Estados Unidos apenas acelerou um processo que viria, a breve trecho, a ocorrer na Europa".

Da Europa fez depender, em parte, o sucesso de Portugal. Uma semana depois de afirmar que o apoio da sociedade à austeridade só durará enquanto houver a percepção de que os sacrifícios "valem a pena" o Presidente respondeu à sua própria pergunta. "A resposta a estas interrogações não é incondicional: subsistem naturalmente dúvidas sobre o resultado do caminho que percorremos actualmente, até porque o sucesso, em boa parte, não depende só de nós. Depende da conjuntura internacional e da capacidade que a União Europeia demonstrar para resolver a crise financeira da zona Euro".

Apesar do cenário incerto o Presidente afastou com veemência o cenário de uma saída do Euro que levaria "a uma situação caótica, economicamente destrutiva, financeira ruinosa e socialmente devastadora". "Eu acrescentaria que seria muito provável que o caos se estendesse à área politica", disse antes de acrescentar uma afirmação que não estava no discurso escrito: "Não sei qual seria o Governo que sobreviveria a uma saída do Euro".

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