"UE deveria estender o prazo dos fundos PRR por mais dois anos"

Novo CEO da Siemens fala pela primeira vez aos media. Fernando Silva quer ter 4 mil trabalhadores em 2025 e exportar mais de metade do que é feito em Portugal. Ao governo pede mais vagas no ensino superior das ciências, tecnologias e matemáticas, menos impostos e mais atenção à habitação e aos vistos de trabalho.

A sustentabilidade é uma preocupação da Siemens desde a construção deste campus? É uma aposta para continuar?
Com certeza. Temos objetivos muito claros de descarbonização. Aliás, o nosso board, na Alemanha, acabou de comunicar que quer aumentar e acelerar a redução de emissões de carbono em mais de 95% até 2030, e impôs, inclusive, um objetivo ambicioso já para 2025, de 55%.

São muitos os painéis solares no edifício. O investimento nas energias renováveis será reforçado?
Sim. A nossa responsável do board pela sustentabilidade, Judith Wiese, costuma dizer "drink your own champagne". Portanto, fazemos questão de o praticar. Transformámos este campus num espaço completamente sustentável, adicionando capacidade de geração fotovoltaica, armazenamento de energia, impulsionando também a eletrificação da nossa frota e acelerando esse processo, e colocando as tecnologias a gerir isto tudo. Adicionámos uma capacidade de inteligência aos sistemas.

"O board na Alemanha acabou de comunicar que quer redução de emissões de carbono em mais 95% até 2030 e impôs objectivo já de 55% até 2025."

Quanto é que as energias representam no consumo da Siemens?
O nosso objetivo é consumir a maioria da energia quer seja de produção própria renovável, quer seja com certificados de origem. Diria que nesse pilar praticamente nos aproximamos dos 100% de energia renovável. Na produção própria estaremos entre 20% e 30%.

E como mudar as mentalidades para a sustentabilidade?
A primeira coisa que fazemos é comunicar que somos uma empresa de tecnologia e engenharia, mas estas componentes só têm sentido se tiverem um propósito, e o propósito da empresa é claramente a descarbonização e a sustentabilidade. Comunicar a todos os colaboradores, em qualquer parte do mundo, que esta é a nossa visão e o nosso propósito é logo à partida um ponto essencial, que, aliás, é um fator de atração e de retenção das pessoas. Depois, a partir daí, ser consistente com as práticas. Os primeiros objetivos de descarbonização e emissões que a Siemens apresentou foram em 2015.

Há um comboio a duas velocidades: multinacionais já preparadas para as regras de ESG e as outras?
É, sem dúvida, um grande desafio, porque aquilo que vemos é que as grandes empresas já estão preparadas, quer em termos tecnológicos, de políticas e também de recursos, para implementar este tipo de objetivos, mas as grandes trabalham em conjunto com as mais pequenas. A Siemens, por exemplo, em Portugal exporta mais de 50% do que faz e 73% dos seus fornecedores são portugueses e são pequenas e médias empresas.

As políticas públicas estão a fazer o que é preciso para ir mais fundo?
Diria que as políticas públicas identificaram os temas principais. Mesmo no âmbito do PRR, os temas identificados são os corretos quer na qualificação de pessoas, na sustentabilidade e na transformação digital. O que acontece é que, até agora, a dificuldade foi fazer chegar estas iniciativas às pequenas empresas, que também têm dificuldade em estruturar um projeto de financiamento. Empresas como a Siemens podem agregar estas organizações à sua volta e apresentar candidaturas de forma estruturada. Deverão, claro, ter objetivos de sustentabilidade, digitalização, mas também de geração de emprego.

Falou do PRR, e é inevitável referir a preocupação dos empresários para com as Agendas Mobilizadoras e a execução do próprio PRR. Está preocupado quanto à execução em Portugal?
Creio que não apenas em Portugal, mas na Europa em geral, há uma certa preocupação com a execução dos fundos das Agendas Mobilizadoras. Uma parte porque a situação global tem levado a que a cadeia de fornecimento tenha alguma complexidade atualmente - a cadeia logística e a cadeia de abastecimento apresentam vários desafios. Por outro lado, o impacto da inflação fez com que outros projetos tenham de ser renegociados mesmo a nível de verbas e, finalmente, há escassez de mão de obra na Europa e de capacidade para executar os projetos. Seria importante que a UE viesse a permitir a execução dos fundos pelo menos até 2028, para que possamos executar estes fundos, mas não à pressa, e com impacto na economia e na sociedade.

Prorrogar o prazo por dois anos?
Seria importante fazê-lo e já há sinais de que a UE estará disponível para isso. Mas temos que ter respostas formais para poder ter garantias.

A máquina pública não se terá preparado para este desafio do PRR?
Em geral, há falta de recursos. Temos de trabalhar em conjunto e Portugal não tem sido particularmente forte nesse sentido.

A Siemens emprega em Portugal 3300 pessoas, a maioria altamente qualificada. Eram 1946 trabalhadores em 2017. Quantas mais poderão entrar na Siemens nos próximos dois anos?
À data de hoje já somos mais do que esses 3300, serão 3400. O objetivo é continuar a recrutar 200 pessoas por ano até 2025, mas, de acordo com o que já temos à data de hoje, acredito que já este ano nos iremos aproximar muito dos 3600/3700 colaboradores. O objetivo é ter mais de quatro mil na Siemens Portugal até 2025, ano em que celebramos 120 anos em Portugal. São todos altamente qualificados, uma percentagem elevadíssima de mulheres (43%) e 60 nacionalidades.

O país tem estado quase em pleno emprego. Apesar de os últimos dados terem mostrado algum crescimento do desemprego, os patrões falam em falta de mão de obra. Onde é que a Siemens irá recrutar esse talento?
Primeiro, fazemos questão de manter quem cá está, e por isso temos programas de formação contínua, programas de partilha internacional e teremos que continuar a fazê-lo. Depois, onde é que vamos recrutar? Temos uma relação forte com as universidades, sentimos que já há alguma dificuldade, nomeadamente nas carreiras STEM, portanto é um desafio que lançamos ao governo, mas também à academia, no sentido de aumentar a capacidade de formação nestas áreas e atuar também naquilo que na Alemanha funciona muito bem, que é o ensino dual, técnico, mas que garante saídas profissionais. Nesta área trabalhamos com a ATEC, que é uma entidade que também nos fornece muitos recursos. Em terceiro lugar, não temos medo de procurar talento fora do país. Seja talento nacional que emigrou nos períodos mais difíceis e que agora virá com outras capacidades, seja talento de outros países que reconheça em Portugal um país atrativo onde poderá ter uma qualidade de vida adequada. Portanto, vamos manter os que temos, atrair novas carreiras STEM e ir buscar talento fora do país.

Que perfis procura para empregar?
São 230 vagas que temos em aberto. Mas vamos focar-nos em três áreas específicas: primeiro, tecnologias de informação e software, desde conectividade, inteligência artificial, data scientists, cibersegurança são áreas em que há capacidade e onde precisamos de recrutar. Segunda área importante, as vendas e movimento de negócio. E, finalmente, procuramos pessoas na área de gestão de projetos.

Emprega 18% de estrangeiros, e o maior grupo são brasileiros. Consegue que arranjem casa em Lisboa?
É um tema crítico. Temos que começar a pensar em alternativas até que a própria empresa possa impulsionar, porque há dois ou três temas em que também temos que ser mais ágeis no país, como habitação e vistos que demoram demasiado tempo. Tem que haver por parte do Estado um sentido de urgência, porque as empresas têm determinados timings e somos medidos ao trimestre, e não havendo uma reação rápida a estas dificuldades a estes custos de contexto, vamos ter dificuldade junto do nosso acionista de dizer que este é um bom sítio para investir.

Na política da habitação, o novo pacote de António Costa tem o que faz falta, ou é preciso mais?

Por tradição, a Siemens não faz política. O que achamos é que tudo o que sejam elementos facilitadores para o negócio são importantes e entendemos que mais capacidade de oferta no mercado, nomeadamente oferta no mercado de arrendamento, vai ser muito importante. Se é ou não a política certa, o tempo nos dirá.

Falou dos custos de contexto do país. É difícil para um CEO português justificar, na Alemanha, o porquê de manter este investimento em Portugal?
Não é difícil justificar pela nossa tradição no país. Os 117 anos e a participação em praticamente todos os projetos estruturantes do país nos setores dos edifícios, das estruturas, da indústria, da energia, dá-nos um track record que a casa-mãe reconhece. No entanto, é sempre fator de decisão, quer na manutenção de investimentos, quer em novos investimentos, uma política fiscal que seja pelo menos estável e previsível...

Seria benéfico para as empresas a descida do IRC, que chegou a ser discutida?
Num estudo recente, Portugal, ao nível da competitividade fiscal, aparecia num dos últimos lugares, muito longe da UE e dos países da OCDE. Enquanto estivermos nesta posição não conseguimos, junto do acionista, evidenciar que é por via da fiscalidade que vale a pena investir em Portugal. Temos que continuar a trabalhar em transformar a política fiscal, reduzir a carga fiscal das empresas e das pessoas, e há setores específicos em que é possível ter benefícios, que queremos dar aos colaboradores, fiscalmente eficientes para a empresa e para o colaborador.

Por exemplo?
Temas como os fundos de pensões, seguros de saúde, prémios de distribuição de resultados da empresa, a possibilidade de dar cheques-creche, garantir o carregamento de veículos elétricos, por exemplo. O país tem que evoluir e manter uma política de remuneração e um crescimento sustentado a todos os níveis. A Siemens não tem, por exemplo, colaboradores a ganhar menos de mil euros e consideramos que isso já é uma situação extrema.

Situação que será revista este ano?
Temos vindo a rever os salários e a política de recompensa da empresa. A nível salarial, atualizámos em 2023 acima do acordo de rendimentos que foi estabelecido em sede de concertação social e entendemos também que os lucros da empresa devem ser partilhados. No ano que terminou, em setembro, distribuímos aos colaboradores um valor equivalente à distribuição acionista em dividendos (11 milhões de euros para colaboradores e igual montante para acionistas). Esta política de justiça e de reconhecimento é crítica. Depois temos temas que são muito valorizados, como o seguro de saúde, onde decidimos manter as coberturas para os colaboradores e agregado familiar, assumindo sobrecustos que têm crescido, e contribuímos até 3% para o fundo de pensões. É o conjunto destas remunerações que para nós é importante para reter as pessoas. Como base há o contexto e a inflação, assim como o mérito de cada um, e a competitividade no mercado. Adicionalmente, tomámos algumas medidas como distribuir os subsídios de Natal e de férias ao longo dos 12 meses, para permitir uma gestão mais flexível dos nossos colaboradores relativamente às suas obrigações.

Uma empresa que não se adapte ao teletrabalho tende a perder colaboradores?
Acredito que sim. Temos pessoas que na primeira entrevista perguntam qual é a política de trabalho flexível e quais os objetivos da empresa ao nível da sustentabilidade e digitalização. Cada vez mais a nova geração olha para fatores que não são tão tangíveis, como os valores ou a conciliação com a vida pessoal.

Entre os valores que valorizam, o que o surpreende mais?
Já houve quem pedisse para ter aqui o seu animal de estimação. Há de tudo um pouco, e esse é um grande desafio na retenção. As políticas remuneratórias não se devem basear no princípio de que é igual para todos. Devemos introduzir elementos de flexibilidade.

Tudo enquadrado na lei laboral?
Diria que a maior parte das atuações que queremos fazer a este nível já se podem fazer à luz da legislação atual. A questão será mais ao nível da fiscalidade destas compensações flexíveis, que seria importante uniformizar.

Na legislação laboral, o que está fora de tempo e devia ser atualizado, em seu entender?
Tem que ser mais rápida e adaptar-se a estas necessidades do trabalho flexível, casos em que os horários deixam de ser passíveis de controlo, como é exigido na legislação laboral. Há que torná-la mais flexível e adaptada a estes modelos.

Amanhã assinala-se o Dia Internacional da Mulher. A Siemens tem 43% de mulheres, 27% em posições de liderança, e 77% com grau superior ou doutoramento. Estas métricas são para crescer?
As métricas são certamente para crescer. Em particular a métrica das mulheres em posições de chefia. Entendemos que temos que acelerar esse processo e também a paridade em relação a essa percentagem nos lugares de chefia. Obviamente que há aqui um princípio que é importante, e que é a preparação deste processo, que não pode ser feito de uma forma imediata.

A Siemens não impõe quotas?
Temos algumas recomendações de quotas, mas estamos acima de todas elas. Vamos trabalhar para garantir a aproximação da percentagem de mulheres em lugares de chefia face à percentagem atual. Relativamente ao resto, se tivermos mais de 50% de mulheres, de pessoas de outras nacionalidades, o mais importante é que se identifiquem com a cultura da empresa e que possam contribuir para o seu desenvolvimento e também melhorar as suas capacidades.

"Queremos ter mais mulheres em lugares de chefia. Hoje são 43% do total, 27% em posições de liderança, 77% com grau superior ou doutoramento. Só uma administradora."

A administração tem mulheres?
Sim, conta com uma mulher, mas, sendo cinco pessoas, ainda estamos abaixo do desejável. Também aí temos que trabalhar e há um caminho a fazer.

No olhar de um homem, o que é que as mulheres terão que fazer para ascender ao topo?
Julgo que há dois ou três pontos que são absolutamente críticos. Primeiro, tendencialmente um homem faz as coisas a 90% e já acha que é suficiente. Uma mulher, tendencialmente, faz tudo a 110%. Este grau de exigência próprio que as mulheres põem em tudo o que fazem tem que ser de alguma forma aligeirado. Ou seja, queremos que ambos façam as coisas bem, mas a perceção do que é fazer bem coloca uma pressão acrescida nas mulheres, nomeadamente a perceção de perceberem se são capazes de assumir novas responsabilidades mantendo o nível de performance. O segundo tema passa muitas vezes por autoconfiança. Passa por assumir que as mulheres de facto são capazes de fazer tão bem ou melhor do que os homens. Elas impõem-se um maior grau de exigência. No entanto, sinto que a nova geração está muito mais bem preparada para isto.

Vamos falar de contas. Qual foi o volume de negócios em 2022 e o que antevê para 2023?
Fechámos o ano de 2022 na Siemens Portugal com 420 milhões de euros de volume de negócio. Estimamos este ano ultrapassar os 500 milhões de forma clara, e o objetivo para 2025 é ficar acima dos 600 milhões. Queremos manter um crescimento de duplo dígito no volume de negócios e associar a isto a criação de emprego, daí o objetivo de ultrapassarmos os quatro mil colaboradores, e queremos, cada vez mais, exportar mais a partir de Portugal. Já o ano passado excedemos os 50% de exportações e queremos manter esta taxa de crescimento na exportação, porque a partir daí induzimos na economia um crescimento importante.

"A Siemens exporta mais de metade do que faz em Portugal. Fechámos o ano com 450 milhões de euros de volume de negócios e 500 milhões é previsão este ano. Mais de 600 milhões será em 2025."

Serão cerca de 200 milhões as exportações previstas para 2023?
Em 2023 ficará acima dos 200 milhões, mais próximo dos 300.

Atualmente tem mil pessoas a desenvolver software de cibersegurança. Uma área de aposta e com potencial de exportação?
Sim, sem dúvida. A pandemia e a guerra tornaram isso mais evidente, porque o número de ataques e a deteção de vulnerabilidades cresceram exponencialmente, não só nos setores tradicionais, que já eram regularmente atacados, e não só a nível dos sistemas de gestão corporativos, mas muitos ataques vieram através dos componentes operacionais de uma empresa, como os equipamentos. Essa capacidade de proteger tudo o que são as tecnologias operacionais das empresas é muito importante, e é aí que a Siemens consegue diferenciar-se, porque conhecemos os domínios de atividade dos nossos clientes. Seja na indústria, muito crítica a este nível, nas infraestruturas e também na energia e até nos edifícios. Este conhecimento faz com que sejamos capazes de desenvolver estratégias de cibersegurança para a parte de tecnologias operacionais. E no futuro falar-se-á cada vez mais de tecnologias de segurança ciberfísica, ou seja, que integrem a segurança física das instalações com a segurança cibernética dos dados e das operações. A Siemens tem mais de 100 pessoas a trabalhar especificamente em cibersegurança em Portugal, detetando vulnerabilidades em clientes em todo o mundo. E dos mil colaboradores que temos a trabalhar na área da cibersegurança, temos pessoas na área de IoT, na área da conectividade, mas também na área de análise de dados e inteligência artificial, garantindo que estes dados se convertem em valor para o cliente. Somos uma das cinco localizações da área na Siemens que desenvolve tecnologias fundamentais, que tem 11 áreas, e em Portugal atuamos com centros de competências em quatro dessas áreas. Portanto, estamos juntos com países como a China, Alemanha e Estados Unidos nestas cinco localizações mundiais de tecnologia da Siemens.

A inovação na saúde - e só os hospitais representam 75 milhões de euros de negócio por ano - é para continuar?
Sim, temos duas componentes: a área da saúde e equipamentos in vivo e in vitro, mas também temos uma atuação integral junto dos investimentos, isto é, desenvolvemos as tecnologias de gestão dos edifícios, de controlo de acessos de segurança, toda a infraestrutura de distribuição de energia associada e tudo o que é ligação à eletromobilidade, além de todo o equipamento médico e de análise que temos nesta área. Em qualquer destes setores antevemos um crescimento, no caso português, com duplo dígito. Continuamos a crescer acima do mercado, quer por ganharmos quota de mercado em Portugal, quer por exportarmos cada vez mais a partir do país. As áreas dos hospitais, farmacêutica e das ciências da vida são onde a criticidade do objetivo dessas instalações leva a que a Siemens queira estar presente.

A Siemens tem experiência também em aeroportos. O seu antecessor chegou a desabafar que parece que Portugal só faz aeroportos quando há catástrofes. Acha que há um atraso gritante no que toca ao novo aeroporto em Lisboa?
Julgo que é reconhecido por todos que o aeroporto de Lisboa está sobrelotado há vários anos e, agora que o nível turístico voltou ao pré-pandemia, esta situação não se modificará, a menos que se faça um investimento significativo no aeroporto existente e se tome uma decisão relativamente à nova infraestrutura. O que dizemos é que em qualquer setor que possa induzir um impacto noutros setores a nível de investimento é onde o país deve investir. Falamos de aeroportos, portos, logística, data centers, hospitais, todas estas áreas são geradoras de emprego e é aí que julgamos que devem ser feitos os grandes investimentos para o país.

E a Siemens já está a posicionar-se para o novo aeroporto?
A Siemens está a acompanhar o processo, tem uma estrutura interna que agrega várias equipas que trabalham nas soluções que podem ser implementadas especificamente nestas infraestruturas.

O que é que o aeroporto do futuro tem de ter e que o atual não tem?
Julgo que o tema da sustentabilidade é crítico, pois todos os aeroportos têm de ser infraestruturas sustentáveis do ponto de vista do meio ambiente, mas também do ponto de vista do consumo de recursos. Depois, têm de ser flexíveis, e para isso é preciso que estejam digitalizados. Isto é, é preciso ser capaz de adaptar as operações a cada momento e cada situação específica de uma forma rápida. A digitalização, a inteligência artificial, a conectividade jogarão aí um papel, mas é indiferente ser um aeroporto ou outra infraestrutura qualquer. E terão de ser centrados nas pessoas, as pessoas não devem ser vistas como apenas os utilizadores, devem ser parte na forma como a infraestrutura é gerida, e para isso é preciso mais transparência, comunicação e informação.

Que mensagem gostaria de deixar ao governo a propósito do novo aeroporto?
Uma decisão rápida e, considerando que qualquer uma dessas soluções só estará pronta em três ou quatro anos, que haja uma decisão rápida relativamente às intervenções a realizar no atual aeroporto.

A Siemens fez parte da construção da Expo"98, onde terá tido 500 pessoas a trabalhar. Portugal precisa de ter mais Expos para se modernizar?
Creio que o que se atingiu com a Expo é meritório e vê-se hoje na zona oriental da cidade. Acho que temos de ser capazes de desenvolver polos de atração nas cidades para empresas, para startups e para criar ecossistemas onde trabalhemos em conjunto no desenvolvimento de novas soluções.

E porque é que não os teremos?
Falta que nos juntemos e que acreditemos que em conjunto podemos fazer esses projetos e encontrar financiamento para os fazer. Acho que os portugueses raramente se unem.

Mas quem é que terá de dar o pontapé de saída?
Tem de ser, em conjunto, o governo, as autarquias, as empresas, e dessa forma conseguir estruturar estes projetos. O PRR deveria ajudar neste âmbito, há atuações previstas que deveriam ajudar nesse sentido, inclusive nós estamos em duas delas. Uma delas o Be Neutral, que pretende desenvolver ecossistemas urbanos e políticas de carbono zero a nível da mobilidade, estamos com parceiros, concorrentes e empresas com quem nunca trabalhámos. Também estamos num outro projeto mais associado aos portos e à logística, que é o Nexus, com o Porto de Sines. Temos essas duas agendas mobilizadoras, mas estamos em muitos outros.

"Recrutar é um desafio. O governo deve aumentar vagas no ensino em ciências, tecnologias e matemáticas. Temos 230 empregos em aberto. E habitação e vistos são críticos. O Estado tem de ter sentido de urgência."

2022 foi um ano recorde de trocas comerciais entre Portugal e a Alemanha. A sua expectativa é de que possam crescer?
A expectativa é de que continuemos a crescer, tanto a nível do incremento das relações comerciais entre os dois países, como do intercâmbio tecnológico e formação na atuação sobre todas as áreas estruturantes. Acreditamos que a Alemanha já provou que é um investidor de longo prazo em Portugal, é um investidor que gera emprego em áreas tecnológicas e de digitalização que têm futuro.

Haverá 50 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, criados por empresas alemãs em Portugal. Também aqui há potencial para crescer?
Sim, julgo que nesse número a Siemens estará em primeiro lugar em termos de colaboradores, ou num dos primeiros, assim como a Autoeuropa e a Bosch, e há espaço para crescer porque o mercado português tem-se mostrado uma excelente base para trabalhar em projetos inovadores. E creio que este ambiente é ideal e tem a dimensão certa, mas, como esses projetos pela inovação e tecnologia são escaláveis, a partir daí o passo seguinte é exportá-los. Portanto, temos um perfil de clientes inovadores, temos capacidade técnica, fazendo os projetos cá, a possibilidade de exportarmos e escalarmos a partir de Portugal é incrível.

Depois da pandemia esperava-se uma forte reindustrialização da Europa. O que é que falhou?
Creio que o que falhou foi a complexidade da própria estrutura da UE, em algumas situações a incapacidade de tomar decisões rápidas e que sejam alinhadas entre todos. Penso que é um problema que a Europa tem, mas também tem muitas virtudes, e creio que historicamente temos uma base de valores e de democracia muito importante. Quando é necessário a nível empresarial ter medidas que impactem diretamente, isso não acontece. Os Estados Unidos estão a avançar mais rápido do que a Europa agora com a questão do IRA, tomando medidas que nos podem parecer mais protecionistas, mas a verdade é que são tomadas rapidamente e agora eles já partem de uma posição privilegiada nas negociações com a Europa, e temos de nos adaptar e reagir rapidamente.

Qual é o grande desafio de digitalização para as empresas?
Diria que para as indústrias, principalmente, é a virtualização de praticamente toda a cadeia de valor de uma indústria. O mesmo para a energia e infraestruturas. Mas mais na indústria, porque cada vez mais é preciso desenhar os produtos, prototipá-los, preparar o processo industrial e mesmo a componente de serviços que têm associada ao produto de uma forma digital e virtual. É o que chamamos Digital Twin, que é a forma de ser mais eficiente e de garantir esta digitalização total de uma cadeia de valor. Nesta virtualização já se fala no passo seguinte, que é migrá-la para o metaverso industrial. Este é o grande desafio.

Isso quer dizer exatamente o quê?
No fundo, é a criação de uma realidade virtual num ambiente virtual, que permite testar todas as componentes de desenhar, prototipar e produzir um determinado equipamento, e com isto garantir que se fazem simulações e que se faz continuamente uma melhoria do produto, sem a necessidade de o fazer fisicamente. Isto é crítico porque permite fazer mais rápido, com custos mais otimizados. Outras situações são o 3D printing, a impressão 3D, o additive manufacturing, que são temas que estão na nossa agenda mas já são mais tradicionais.

Já fez alguma pergunta ao ChatGPT?
Ainda não. Sei, por exemplo, que estamos a analisar como podemos integrá-lo nos nossos processos, mas temos que resolver algumas questões de segurança. Mas é certamente uma tendência de futuro.

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