Sinais de alerta da banca americana pouco prováveis em Portugal
Especialistas assinalam que por cá não há bancos com uma dependência tão forte de um único setor de atividade, nem com tanto valor depositado de um número reduzido de clientes
O que aconteceu, em março, de nos Estados Unidos da América (EUA) com o Silicon Valley Bank dificilmente aconteceria em Portugal e não deverá afetar a economia nacional. É esta a conclusão de um conjunto de especialistas que se reuniram, ontem, na Universidade Católica para debater a falência do 16.º maior banco americano. Os bancos nacionais têm uma carteira de clientes muito mais diversificada, não têm tamanha concentração de depósitos não cobertos e o investimento em títulos da dívida é muito menor.
Relacionados
"A situação como aconteceu nos EUA não tem paralelo com o contexto europeu. Desde logo porque as regras são distintas e não temos as mesmas isenções. Adicionalmente, os nossos bancos têm um modelo de negócio mais diversificado e não existem concentrações depósitos não cobertos desta magnitude (o Silicon Bank tinha mais de 98% de depósitos não cobertos) e o grau de investimento em títulos de dívida pública dos bancos nacionais é muito menos expressivo", garantiu o diretor do departamento de Supervisão do Banco de Portugal, Luís Costa Ferreira, que encerrou o seminário "Silicon Valley Bank, Lessons Learned", realizado no âmbito do curso de banca para empresas.
A ideia do seminário, explicou o dean da Católica Porto Business School, Rui Soucasaux Sousa, era "contextualizar, refletir e evitar erros para que situações destas não voltem a acontecer" e, durante mais de duas horas, o caso foi "analisado à lupa".
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
No momento da queda, o Silicon Bank era o 16.º maior banco dos EUA e foi o maior banco a falir desde 2008 e o segundo maior em toda a história da América.
Trabalhava, explicou Gonçalo Faria, co-diretor do curso, quase exclusivamente no segmento de tecnologias e, entre 2021 e 2022, "triplicou a sua atividade". No início do ano, num contexto de subida das taxas de juro - que passaram de 0,25%, em 2020, para 4,75%, em fevereiro de 2023, numa tentativa de controlar a inflação - e desaceleração do setor tecnológico, sucederam-se os levantamentos, o banco perdeu liquidez e, com os títulos do tesouro a descer, tinha, agora, na realidade, menos dinheiro.
Num dia perdeu 1,8 mil milhões na venda de títulos do tesouro. Os clientes assustaram-se. "No dia 9 de março, foram levantados quase 25% dos depósitos - 42 mil milhões de dólares americanos - e, no dia 10 de março, 100 mil milhões. É a primeira queda de um banco aceleradíssima pelo Twitter", frisou Gonçalo Faria, lembrando que o modelo de negócio, com "poucos clientes, hiperconectados" e "94% dos depósitos não garantidos" (acima de 240 mil dólares) precipitou a queda. Depois, a facilidade de, por via digital, proceder aos levantamentos com um clique fez o resto. "Um pânico sem filas", que, em 24 horas, deixou o Silicon Bank com 1/4 dos depósitos. A falência haveria de ser decretada a 17 de março.
"Aparentemente, triplicou a sua base de clientes num curto espaço de tempo, sem que a governação tenha acompanhado esse crescimento", rematou, lembrando que o próprio regulador, o Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC), reconhece hoje que havia "uma série de vulnerabilidades" e o banco "não tomou medidas em tempo útil para lidar com elas".
"A surpresa não é o que ocorreu. É a velocidade com que ocorreu", remata.
Luís Barbosa, da PwC, diz que foi "a tempestade perfeita", acelerada pela subida das taxas de juro e uma gestão de risco mal calculada.
Corretor de crédito do Novo Banco e com mais de 20 anos de experiência na gestão de risco, Rui Fontes, diz que, por cá, idêntico cenário é "altamente improvável". Cá não há uma dependência tão forte de um único setor de atividade, num banco com tão elevado montante de depósitos nas mãos de um número tão pequeno de clientes. Com a crise no BES, em 2014, o banco de Ricardo Salgado perdeu 17% de depósitos num mês, o Slicon Bank, 25% num dia.
E o que faltou? "Faltaram testes de stress levados a sério, exercícios honestos de riscos potenciais, planos de contingência e indicadores de alerta", tudo coisas que, na banca nacional e, em particular no Novo Banco, garante, são levadas muito a sério.
"Todos os anos fazemos simulacros de incêndio. Estamos cada vez melhores. A melhor forma de reagir, na banca, é igual: estudando um conjunto de cenários, fazendo simulações, analisando os impactos e, sobretudo, sendo transparente com os mercados para evitar pânicos", rematou.
Tudo começou, afinal, com um artigo do Financial Times que punha em causa algumas das fragilidades do banco, explicou António Ramalho, também ele co-diretor do curso de Banca para Empresas da Católica. O banco não soube gerir "o risco reputacional", a comunicação falhou e, quando num dia as ações caíram 60% em bolsa, a corrida aos depósitos não tardou.
Com tantos riscos e tão má gestão - 8500 trabalhadores, mas nenhuns quadros "com conhecimentos básicos", capazes de gerir o crescimento do negócio, conclui Luís Costa Ferreira, o "suicídio" era "quase inevitável".
Ainda assim, remata, é preciso "não nos esquecermos que estas situações podem acontecer e de uma forma muito rápida e o que temos que fazer para as evitar".