Reversão da venda da TAP é possível mas representa encargos

Bruxelas impede capitalização estatal. Anulação do negócio obriga o Estado a pagar custos dos vencedores

A venda da TAP a David Neeleman e a Humberto Pedrosa pode ter os dias contados. O programa de governo apresentado pelo Partido Socialista com o acordo de PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes volta a defender uma companhia maioritariamente pública, o que reabre a possibilidade de reversão do negócio assinado a 24 de junho mas ainda por fechar. Este cenário não está isento de custos para o Estado e muito menos para a TAP.

Se António Costa for chamado a formar governo antes da assinatura final - que, sabe o DN/Dinheiro Vivo, está por dias -, a anulação poderá ser feita em nome do "interesse público", com base numa cláusula presente nos processos de privatização desde o 25 de Abril de 1974. Esta possibilidade estava já assinalada no caderno de encargos que regulou o processo de privatização da companhia e que assinalava que "no caso de se verificar a suspensão ou o termo do processo de reprivatização (...) os potenciais interessados e/ou proponentes não têm direito (...) a qualquer indemnização ou compensação".

Em todo o caso, "esta cláusula não invalida que o Estado tenha de indemnizar os vencedores na proporção dos seus gastos com apoios jurídicos e outros encargos com processo", afirma fonte conhecedora do dossiê. Estes montantes podem rondar as várias dezenas de milhares, uma vez que envolvem também os custos que já foram realizados para levantar os cerca de 300 milhões de euros que estão prontos para entrar na companhia, afirmou outra fonte. O DN/Dinheiro Vivo tentou perceber junto do consórcio Atlantic Gateway quais os montantes em causa, mas não obteve resposta em tempo útil.

Além dos prejuízos gerados com o processo, o Estado teria de entregar os dois milhões de euros pagos à cabeça por David Neeleman e Humberto Pedrosa em junho, quando assinaram um primeiro acordo de venda. Caso o contrato final já tenha sido fechado, o reembolso seria maior, uma vez que entrarão nos cofres do Estado outros oito milhões de euros - dos dez prometidos ao Estado. No entanto, quando isto acontecer, a reversão terá de ser feita com base noutras regras, já que a cláusula que permite a reversão até ao fecho do processo perde a validade. O cenário mais provável é o de um acordo putativo com os dois investidores.

Reestruturação à vista

"A TAP está privada de meios." Foi assim que o ex-ministro António Pires de Lima justificou, perante o Supremo Tribunal Administrativo, o interesse da venda da TAP, de forma a travar as várias providências cautelares que tentaram bloquear o processo. É que à luz das regras europeias um Estado pode deter uma companhia de aviação mas não a pode capitalizar - e muito dificilmente se encontra um investidor privado disponível para injetar capital, mas sem maioria para tomar as rédeas da gestão.

Ora, num cenário de reversão da venda dos 61% da TAP atribuídos a David Neeleman e a Humberto Pedrosa - não foi possível perceber se o consórcio estaria disponível para deter a minoria do capital -, a promessa de capitalização da companhia, que pode chegar a 488 milhões de euros, cairia por terra.

No programa apresentado no sábado, os partidos à esquerda manifestam vontade de apelar a Bruxelas para que o Estado possa fazer este trabalho: "Capitalizar, modernizar, assegurar o desenvolvimento da empresa." Mas esta possibilidade obriga a uma reestruturação profunda da empresa.

Em 1994, quando a TAP recebeu 1450 milhões de euros de ajuda estatal, foi forçada a cortar 2600 postos de trabalho, congelou salários, suprimiu rotas e cortou seis aviões. Ficou, durante quatro anos, sob supervisão europeia e, tal como num programa de resgate, esteve sujeita a avaliações periódicas para receber as tranches de ajuda. A companhia cumpriu o plano e, no final, Bruxelas não teve dúvidas: era preciso iniciar um "processo de privatização parcial do capital da TAP".

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