Governo gasta dois mil milhões, mas tem margem para ir até 3,5 mil milhões

IVA a zero em alimentos essenciais, cheques de 360 euros para famílias pobres e de 180 euros por cada filho com abono, aumentos salariais de 1% no Estado, subida do subsídio de refeição para 6 euros e apoios à habitação consomem pouco mais de metade da folga de 2022.

A boa saúde das contas públicas do ano passado deu luz verde ao governo para avançar com novos apoios dirigidos às famílias para mitigar o impacto do aumento do custo de vida, provocado pela escalada inflacionista. O conjunto das medidas vai custar aos cofres do Estado 2035 milhões de euros, pouco mais de metade (58%) da folga orçamental de 2022, que chegou aos 3,5 mil milhões de euros, revelou ontem o INE. Ou seja, o governo contava com um défice de 4,4 mil milhões (1,9% do PIB) que mingou para os 944 milhões de euros (0,4%).

O governo tem margem para ir mais além. Por isso, o ministro das Finanças, Fernando Medina, foi perentório em afastar a necessidade de um orçamento retificativo para acomodar o pacote de medidas aprovado ontem em Conselho de Ministros. O governante sinalizou que a despesa com os novos apoios será "integrada no quadro da execução orçamental".
Aos 460 milhões de euros que o Estado vai gastar com a bonificação do adicional dos juros nos créditos à habitação e com os subsídios às rendas, juntam-se agora novos apoios, no valor de 1575 milhões de euros, que perfazem um total de 2035 milhões de euros. IVA a zero em alguns alimentos essenciais, cheques de 360 euros para famílias carenciadas e de 180 euros por cada filho com abono, aumentos salariais de 1% no Estado e subida do subsídio de refeição para 6 euros são as novas armadas lançadas pelo executivo para conter o efeito da escalada dos preços nos bolsos dos portugueses.

IVA a zero só com acordo

O governo quer chegar a um acordo tripartido com os setores da produção e distribuição alimentar para avançar com o IVA a zero nalguns bens alimentares essenciais, durante seis meses, entre abril e outubro. A perda desta receita fiscal vai custar ao Estado 410 milhões de euros.

Fernando Medina espera que "as negociações com a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) e as associações representativas dos produtores fiquem concluídas no início da próxima semana". Mas sem este pacto, não haverá a anulação do imposto, alertou o ministro das Finanças, até porque "é preciso ter a garantia de que a redução do IVA se irá traduzir numa diminuição efetiva do custo para o consumidor", defendeu. Com este acordo, o governo quer o compromisso da distribuição e dos produtores de que o alívio fiscal não será absorvido pelas empresas que, assim, aumentariam as margens de lucro, tal como aconteceu em Espanha ou França.

Sobre os alimentos essenciais que poderão beneficiar do IVA a zero, o governante referiu que ainda estão por definir, revelando apenas que serão "produtos acordados" com a distribuição e os produtores, "que têm por base um cabaz de alimentação saudável elaborado pelo Ministério da Saúde e que serão cruzados com o que é mais vendido para chegar aos alimentos mais consumidos pelos portugueses". À partida, serão alguns dos alimentos que já estão com a taxa reduzida (6%).

Governo está a negociar com a produção e a distribuição alimentar um acordo que garanta que os preços de um cabaz de bens essenciais não subam após a redução do IVA para zero por cento.

Analisando apenas os alimentos que integram o Programa de Alimentação Saudável da DGS, podem beneficiar do IVA a zero produtos como leite meio gordo, massa, arroz, cereais de pequeno-almoço, bolachas Maria, feijão, grão-de-bico, ervilhas, frango, pescada, atum e cavala em conserva, azeite, tomate em conserva, mistura de vegetais para preparação de sopa, brócolos, espinafres, feijão-verde, alho francês, cenoura, creme vegetal e marmelada.
Relativamente às contrapartidas para os produtores agrícolas, orçamentadas em 140 milhões de euros, Medina disse apenas que irá "reservar os detalhes para quando for feita a apresentação do acordo".

Famílias pobres

Cerca de 1,07 milhões de famílias mais vulneráveis, beneficiárias da tarifa social de energia e das prestações mínimas, terão direito a um apoio mensal de 30 euros.
O pagamento será automático e feito de forma trimestral, vigorando entre janeiro e dezembro deste ano. Os cheques de 90 euros atribuídos por trimestre serão processados em abril, junho, agosto e novembro, perfazendo um apoio total anual de 360 euros por família. A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, alertou que "as famílias devem ter o IBAN correto" na Segurança Social Direta, uma vez que o pagamento será feito exclusivamente por transferência bancária, para permitir uma "maior capacidade de verificação imediata dos destinatários", evitando situações de fraude.

Mais de um milhão de famílias mais vulneráveis vão receber este ano um novo apoio de 360 euros, que será repartido em cheques de 90 euros a pagar em abril, junho, agosto e novembro.

Haverá ainda um subsídio mensal de 15 euros para filhos beneficiários do abono de família, ou seja para agregados com rendimentos brutos anuais até 16 815 euros ou 1201 euros mensais, que correspondem ao quarto escalão do abono de família. A medida irá abranger 1,1 milhões de crianças e jovens. A transferência bancária também será trimestral, com a primeira prestação a chegar em maio com o abono de família. O apoio será depois pago em junho, agosto e novembro. No conjunto do ano, o valor do subsídio será de 180 euros por filho.
No total, estes dois apoios às famílias mais vulneráveis terão um custo orçamental de 580 milhões de euros.

Subsídio de refeição em cartão sobe para 9,6 euros

O valor do subsídio de refeição pago em cartão ou vale isento de IRS vai subir, em 2023, de 8,32 euros por dia para 9,6 euros, um adicional de 1,28 euros, que corresponde a uma subida de 15,4% ou a um incremento de 1,97 euros ou de 25,8% relativamente aos 7,63 euros definidos para o ano passado.

Esta valorização acontece à boleia do aumento do apoio diário pago à Função Pública, que avançou 0,80 euros, de 5,2 euros para seis euros. O ministro das Finanças esclareceu que "a subida do subsídio de refeição para os seis euros se traduz também no aumento do patamar da isenção fiscal". Ou seja, "a medida tem impacto não só nos trabalhadores da Administração Pública, mas também em todos os trabalhadores do setor privado", frisou.

Assim, e de acordo com o Código do IRS, está livre do imposto o valor pago em cartão que exceda em 60% o apoio à alimentação determinado para os trabalhadores do Estado. Tendo em conta que seis euros é o valor que vai passar a ser pago aos funcionários públicos e que, por isso, se encontra isento de IRS, somando 60% ou 3,6 euros, se o subsídio for creditado em cartão, o montante final diário livre do imposto irá progredir para 9,6 euros.

Salários no Estado sobem 1%

Todos os 742 260 trabalhadores da Administração Pública vão ter direito a um aumento salarial adicional de 1%, além das subidas nominais atribuídas, no início do ano, de 52,11 para vencimentos brutos até 2612,03 euros ou de 2% para valores superiores.
Com esta subida intercalar, os funcionários públicos vão receber pelo menos mais 7,6 euros, caso aufiram a remuneração mínima no Estado, que passa de 761,58 euros para 769,2 euros, o que representa uma valorização acumulada de 9% face ao salário mínimo do ano passado de 705 euros, ou seja mais 1% do que os 8% atribuídos no início do ano. Para um salário médio de 1552,11 euros, que já beneficiou do aumento nominal de 52,11 euros, o incremento adicional será de 15,52 euros para 1567,63 euros, uma aceleração de 4,5% face ao ordenado de 1500 euros de 2022, mais 1% relativamente aos 3,5% definidos inicialmente. No caso de um vencimento de 2613 euros, que beneficiou de um avanço de 2% (52,26 euros) para 2 665,3 euros, agora terá direito a mais 1% (26,65 euros), o que dá 2 691,9 euros. Em termos globais, esta revisão salarial eleva o aumento médio de 3,6% para 4,6%. A medida terá um custo de 195 milhões de euros, se for aplicada a partir de abril, como pretende o executivo.

Perante o risco destes incrementos serem absorvidos pelas tabelas de retenção na fonte do IRS, o ministro das Finanças garantiu que o governo "está a trabalhar numa solução para que assegure que este aumento não se traduzirá numa diminuição do rendimento líquido", abrindo assim a porta a uma nova revisão das tabelas, que, a concretizar-se, será a segunda este ano.
Resta saber se esta revisão salarial terá efeitos retroativos a 1 de janeiro. A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, adiantou que, na reunião de 29 de março, com os sindicatos representativos do Estado, o governo vai "propor que os aumentos se apliquem a partir de abril". Ao DN/ Dinheiro Vivo, o secretário-geral da Federação de Sindicatos da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos (Fesap), José Abraão, revelou que vai "colocar a questão na reunião com o governo" e solicitar que "a medida tenha efeitos retroativos a janeiro". Este aumento salarial terá um custo de 195 milhões de euros, se for aplicado a partir do próximo mês, como pretende o executivo. Também o aumento de 0,80 euros do subsídio de refeição no Estado, de 5,2 euros para 6 euros, só se irá efetivar a partir de abril, segundo a governante. Trata-se de um incremento de 15,4% face aos 5,2 euros ou de uma valorização acumulada de 1,23 euros ou de 25,8% relativamente ao valor de 2022.

Salomé Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo

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