Flávia Santoro: "Transformações sociais têm de ir de mão dada com iniciativa privada e inovação"

Num ano em que a Colômbia deve crescer mais de 5%, depois dos 10,6% de 2021, presidente da Procolombia, a AICEP local, explica estratégia vencedora e aponta oportunidades para Portugal.

A economia colombiana tem-se expandido significativamente, sendo a terceira maior economia da América do Sul com um PIB superior a 800 mil milhões de dólares. Quais foram as apostas?
Vários fatores contribuíram para sermos uma das economias mais fortes da América do Sul e de toda a região. Destacaria a nossa estabilidade política e jurídica, a localização privilegiada e a adoção de políticas económicas sensatas e responsáveis. Além disso, nos últimos quatro anos, a Colômbia apostou no setor privado, tanto nacional como estrangeiro com interesses no nosso território, capitalizando iniciativas como a Lei do Investimento Social, incentivos das Zonas Francas e a mega-investimentos ou a Lei de Transição Energética, que alarga os benefícios fiscais para as projetos em renováveis. Além disso, temos uma sólida rede de acordos comerciais que nos permitem o acesso preferencial a mais de 1500 milhões de consumidores em todo o mundo e fazem de nós uma plataforma estratégica para chegar a mercados terceiros. A Colômbia está a colher os frutos do que foi semeado nos últimos anos.

E há números que o demonstrem?
No ano passado, tivemos um crescimento de 10,6%, o maior da nossa história. O mais recente relatório da UNCTAD colocou-nos em 32.º lugar entre 211 países no que respeita a investimento direto estrangeiro (IDE) e no primeiro trimestre deste ano, o IDE cresceu mais de 120% face ao mesmo período de 2021. E as previsões de crescimento também são muito positivas: a OCDE estima que neste ano a Colômbia cresça 6,1%; o FMI aponta 5,8%; e o Banco Mundial 5,4%. Temos por isso a firme convicção de que as transformações sociais devem ser associadas à iniciativa privada, à inovação e ao empreendedorismo. Razão pela qual a promoção das exportações não mineiras, o turismo e a atração de IDE não extrativo são políticas do Estado.

Em que setores está a apostar a Procolombia para atrair IDE?
Temo-nos focado na atração de IDE sustentável e eficiente, ou seja, que acrescente valor, promova a transferência de tecnologia e conhecimento, e contribua para o crescimento e desenvolvimento das regiões, o que se reflete em maiores oportunidades para os colombianos a nível local. Este trabalho centra-se em setores prioritários para a competitividade e potencial de exportação, incluindo agroindústria, produtos químicos e ciências da vida, infraestruturas e logística, energias renováveis, metalomecânica, tecnologias de informação e indústrias criativas, bem como infraestruturas nas áreas de turismo, imobiliário e retalho. Beneficiamos de políticas como a nossa estratégia de "tapete vermelho", através da qual prestamos assistência e acompanhamento ao mais alto nível aos investidores que querem entrar ou expandir-se aqui. Além das vantagens de nearshoring que fazem do país uma boa plataforma de exportação. Queremos que as empresas que chegam ao nosso país tenham a possibilidade de crescer aqui e isso permitiu-nos atrair 83 projetos de investimento no valor de 1,8 mil milhões de dólares nos setores prioritários.

Que oportunidades se abrem para Portugal e outros países europeus que olhem para a Colômbia?
Este é o momento de acreditar na Colômbia. Somos um país seguro e de confiança, que é sinónimo de oportunidades. Por exemplo, em termos de investimento, até agora o governo de Ivan Duque atraiu investimentos portugueses superiores a 900 milhões de dólares de grupos como Jerónimo Martins (há 663 lojas Ara em todo o país, empregando 8 mil pessoas), EDP Renováveis (projetos eólicos com capacidade instalada de 492 MW), Sonae Sierra (construção de um centro comercial de 120 mil m2 em Cúcuta e outros shoppings em Cali), e Sovena (o Persea instalou uma fábrica de produção de óleo de abacate em Pereira, Risaralda, exportando a maior parte da produção para os EUA. E podemos aumentar estes números com possibilidades de negócio para os projetos portugueses em vários setores prioritários, das renováveis às infraestruturas e logística, da agricultura ao turismo e retalho.

Em que áreas concretas?
Tendo em conta a agenda para a descarbonização, há grandes oportunidades nas renováveis, dado o potencial da Colômbia para a produção de energia solar e eólica. Nas infraestruturas, são interessantes os projetos 5G, que o nosso governo tem como prioridade de desenvolvimento económico, incluindo nas duas primeiras vagas de concessões 27 projetos rodoviários, ferroviários, fluviais e aeroportuárias, que representarão investimentos a rondar 13,3 mil milhões, que criarão 65 mil postos de trabalho qualificados. Na agricultura, há potencial nos alimentos processados, onde a Colômbia tem promovido a aquisição de empresas locais por multinacionais para abastecer o mercado local e regional. E mesmo no turismo, dado que o país é visto como destino de classe mundial, a crescer a um ritmo duas vezes superior à média global (9%/ano, entre 2012 e 2019, contra os 5,3% globais e os 4,4% das Américas). Só entre 2018 e 2020, abriram mais de 70 hotéis nas diferentes cidades colombianas, totalizando 8100 quartos, e há outros 40 (5600 quartos) previstos para os próximos quatro anos, com investimento das maiores cadeias hoteleiras, como Accor, Four Seasons, Hyatt, IHG, Marriott, Meliá, NH Hotels, Wyndham, BlueBay Hotels, entre outros. Por último, o retalho tem crescido exponencialmente, graças à estabilidade económica e política que contribuiu para o aumento do consumo das famílias - o consumo representou 88% do crescimento do PIB no ano passado. Portanto, estamos preparados para fortalecer os laços com o setor privado português e mostrar as razões que fazem da Colômbia o país mais acolhedor do mundo para os negócios.

O investimento estrangeiro é chave para compensar a redução do peso dos combustíveis fósseis no rendimento do país?
Na ProColombia focamo-nos em atrair IDE fora da área de mineração e energia. E embora seja verdade que os setores extrativos têm um papel fundamental no crescimento económico do país, é também certo que já temos caminho feito nesse sentido, com o investimento não extrativo a ganhar relevância. O nosso IDE, como disse, cresceu 120%, atingindo 5,2 mil milhões de dólares até março e desse total perto de 4 mil milhões corresponderam a investimentos diversificados.

Existindo interesse no desenvolvimento de renováveis, Portugal pode ser um aliado?
Sem dúvida, este é precisamente um dos setores com maiores possibilidades - e não é uma aposta de ocasião. Veja o papel da Colômbia na COP26, em Glasgow, na qual nos comprometemos a ser um país neutro em carbono até 2050, reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 51% até 2030, declarar 30% do território nacional como área protegida até ao final deste ano e liderar a transição energética na América Latina. Além disso, temos avanços como a Taxonomia Verde, apresentada pelo presidente Duque na Bolsa de Nova Iorque em abril - iniciativa que inclui uma série de políticas ambientais que são referência para os mercados emergentes e o setor privado latino-americano. E criámos um quadro regulatório institucional e de mercado com vista à diversificação da matriz energética. Isto está muito em consonância com os objetivos da descarbonização e a liderança regional na transição energética, de forma a garantirmos uma matriz com fontes de geração diversificadas, que assegurem fiabilidade e segurança do serviço energético.
Estamos no caminho certo para estes propósitos. A Colômbia posiciona-se hoje no ranking do Energy Transition Index 2021 do Fórum Económico Mundial como a terceira economia das Américas, à frente de Brasil e Chile, e ocupa a 29.ª posição entre 115 países do mundo. Desde 2018, a capacidade instalada de renováveis aumentou 30 vezes, passando de 28,2MW para 848 MW até à data. E esperamos que até ao final de 2022 tenhamos 2800 MW, o que será possível graças aos resultados dos leilões de longo prazo que se realizaram em 2019 e 2021.

E há espaço para novas tendências como o hidrogénio?
A abordagem de energia limpa do governo inclui novas tecnologias como o hidrogénio verde e azul, bem como a eólica offshore. O governo colombiano lançou o roteiro do hidrogénio, com o apoio do Banco Interamericen de Desenvolvimento - IDB, um plano de 30 anos que procura estabelecer uma economia azul e verde do hidrogénio com incentivos à sua utilização. Da mesma forma, em abril de 2022 foi lançado o roteiro para o desenvolvimento de energia eólica offshore no país, e para a sua implementação o Ministério das Minas e Energia e a Direção-Geral marítima da Colômbia (Dimar) publicaram um projeto de resolução que definirá as regras pelas quais as áreas marítimas serão afetadas ao desenvolvimento de projetos, o que foi muito bem recebido pelos vários atores globais e locais no mercado. Por último, para incentivar o investimento em energias renováveis, a Colômbia tem incentivos fiscais como a dedução de 50% do imposto sobre o rendimento durante 15 anos para investimentos em fontes alternativas; A venda de energia de fontes não convencionais está isenta; e há isenções fiscais para a importação de equipamentos para o desenvolvimento de projetos de geração, de painéis solares e equipamentos para solar.

O presidente eleito, Gustavo Petro, o primeiro de esquerda na Colômbia, quer "democratizar a economia" e fazer uma reforma fiscal. Poderá isso assustar investidores?
A Colômbia é um país que, ao longo da sua história, se tem destacado como uma das mais antigas democracias do continente e por usufruir de uma solidez institucional que se refletiu no dia das eleições de 19 de junho. Durante décadas, a Colômbia teve uma economia estável e adotou medidas responsáveis, tornando-a num país fiável e previsível em matéria económica. Os números de crescimento, a subida do investimento e as previsões de crescimento dos diferentes organismos internacionais que mencionei há pouco são sinais irrefutáveis da boa saúde da nossa economia e ratificam que a atração de IDE é um pilar fundamental para o país e que mais do que dos governos, é uma política de Estado que assumimos com convicção e determinação.

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