31 dezembro 2017 às 00h44

Espumante português tem qualidade, champanhe tem glamour

Perante os elegantes primos franceses, os espumantes nacionais não ficam malvistos. Falta aumentar produção e atrair consumidor

Bárbara Silva

Hoje, à meia-noite, a grande maioria dos portugueses estará a fazer o mesmo gesto: erguer a mão para comemorar a chegada de 2018 com um copo de champanhe. Ou será espumante? Sim, muito provavelmente o tradicional brinde ao Ano Novo será feito com espumante, e de produção nacional. Mais provavelmente da região da Bairrada, responsável por mais de 60% do total de espumante produzido em Portugal. Por ano, a região coloca no mercado 7,5 milhões de garrafas, das quais dois milhões são certificadas. De 2016 para 2017, a produção de espumante na Bairrada cresceu 18%, muito impulsionada pelo lançamento da marca Baga Bairrada, uma nova geração de espumantes nacionais (com base na casta tinta predominante na região) para competir diretamente com os Cava da Catalunha ou os Asti e Prosecco de Itália.

Quanto aos champanhes, esses têm o seu próprio campeonato à parte, uma espécie de Liga dos Campeões do universo vínico em que só entram os vinhos produzidos na mítica região francesa de Champagne, e de acordo com regras rígidas, com mais de três séculos de existência. Uma exclusividade geográfica que se reflete no sabor (uma combinação de solos únicos, o chamado terroir, castas e clima), mas sobretudo nos preços: em média entre 5 e 50 euros para os espumantes; e entre 30 e 3000 euros para os champanhes.

Na prática, explica António Lopes, wine guru do Anantara Vilamoura Algarve Resort, espumante existe em todo o mundo, mas o champanhe é apenas da região com o mesmo nome. "O champanhe e o espumante nunca podem ser comparados, são completamente diferentes. O espumante tem um perfil muito mais mineral, cítrico, mais floral, mais terroso. O champanhe tem um perfil mais de brioche, de pão seco, fruta tropical, com acidez mais elevada. São muito distintos, não pode haver comparação", garante.

Mas as diferenças não ficam por aqui: "O champanhe é mais caro e tem algo que mais nenhum tem. Tem história, savoir faire. Portugal faz espumante há 120 anos, enquanto os franceses inventaram a espumantização há 300 anos." Uma curiosidade: Champagne é a única região do mundo onde se pode misturar vinho branco e vinho tinto, para champanhe rosé.

Garantindo que Portugal já produz espumantes a bons preços (a partir de 5 euros), sobretudo nas regiões da Bairrada e Távora-Varosa, António Lopes sublinha, no entanto, que nos champanhes de topo a qualidade é melhor. "Se pusermos espumante e champanhe à frente de dez pessoas, nove vão escolher champanhe", garante, deixando um aviso sério para a noite de hoje: "Beber um bom espumante em copos de plástico na passagem de ano é um crime!"

De acordo com os dados mais recentes apresentados num estudo da ViniPortugal, o consumo per capita de espumante em Portugal é de apenas 0,34 litros, ou seja, um valor cerca de 120 vezes inferior ao consumo de vinho (41 litros). Embora a crescer nos últimos anos, o vinho espumante nacional ainda representa menos de 0,6% do total de vinho produzido em Portugal. Ainda assim, e de acordo com dados do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), em 2017 a categoria dos espumantes destacou-se em termos de valor, com um crescimento de 30,7%, acompanhado por um significativo aumento do preço médio.

"Portugal é o maior consumidor mundial de vinho, mas somos pouco conhecedores de espumantes. As pessoas acham que o espumante é caro e é para festas, o que não é verdade. Numa refeição, pode acompanhar desde a entrada à sobremesa. Vai bem com tudo, exceto com chocolate", diz o wine guru.

A nível mundial, o mercado dos espumantes vale 4,6 mil milhões de euros, sendo certo que Portugal tem apenas uma parcela de 0,3% em valor e 0,2% em volume. Uma percentagem que o presidente da ViniPortugal, Jorge Monteiro, diz que podia chegar aos 2%. Mais: Portugal ocupa o nono lugar no comércio internacional de vinhos, mas não aparece em nenhum ranking de espumantes.

O que falta então para os espumantes portugueses ganharem fama e dimensão dentro e fora de portas? "Falta, em primeiro lugar, um branding nacional de espumantes, com uma informação precisa ao consumidor sobre se o espumante é feito ou não com vinhos e uvas portuguesas", responde Pedro Soares, presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada.

"Falta no fundo conceptualizar o que é isso do espumante português. Estamos disponíveis para esse trabalho em conjunto com as restantes regiões demarcadas, até porque a única forma de o consumidor ter garantia sobre a proveniência das uvas é ser um espumante certificado", sublinha.

Identificadas as diferenças, importa referir que tanto o champanhe como o espumante nascem da mesma forma: de vinhos brancos de altíssima qualidade que, depois da primeira fermentação (em barricas ou inox), são sujeitos a uma segunda fermentação em garrafa, com a adição de leveduras que vão fazer nascer as tão apreciadas bolhas. O tempo de estágio é de nove meses no mínimo (não existe um prazo máximo), ao fim do qual é feito o dégorgement (processo para retirar sedimentos) e adicionado, ou não, o licor de expedição (vinho com açúcar) que vai determinar se o espumante é bruto, seco ou doce (com as taxas de açúcar a variar entre 3 e 80 gramas por litro).

E se no champanhe francês brilham as castas Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Meunier, no espumante português são usadas as castas Maria Gomes, Cercial, Arinto, entre outras. "Fazemos espumantes espetaculares, mas nunca conseguiremos fazer um espumante igual a um champanhe, porque não temos o clima, os solos, ou o marketing", explica João Chambel, sommelier da garrafeira Estado D"Alma, que por esta altura vê as suas vendas de espumante aumentarem em 50%.

Este especialista garante que os espumantes nacionais deram um salto enorme na qualidade. "Temos a capacidade de fazer vinhos para ombrear com qualquer vinho do mundo. Temos produtos de altíssima qualidade e continuam baratos, quando comparados com os champanhes. Somos exímios na relação preço-qualidade", garante.

Para aumentar o consumo em Portugal, defende, falta ainda as pessoas olharem para o espumante como um vinho altamente gastronómico e não apenas como uma bebida para fazer um brinde em festas e ocasiões especiais. "Os portugueses estão dispostos a pagar entre 20 e 25 euros por um bom espumante", garante João Chambel.