"Eles queriam que o BES desaparecesse"
Ricardo Salgado quebra o silêncio de ano e meio no livro Dias do Fim, a publicar em março. Da jornalista Alexandra Almeida Ferreira, a obra resulta de conversas com o banqueiro durante o período de prisão domiciliária
"Eles sabiam que o BES ia desaparecer. Eles queriam que o BES desaparecesse. Resolveram aplicar a resolução. Porque é que recusaram dois investidores a quererem o aumento de capital? Acha normal depois exigirem em 48 horas uma recapitalização que era completamente inviável?" É Ricardo Salgado na primeira pessoa, no livro Dias do Fim, que retrata os momentos vividos pelo ex-banqueiro que conduziram à queda do Grupo Espírito Santo.
Foram cerca de quatro meses de confissões e revelações feitas à jornalista Alexandra Almeida Ferreira, durante o período em que Ricardo Salgado esteve em prisão domiciliária, que agora são reunidos num livro que será publicado no início do próximo mês pela Chiado Editora.
Ricardo Salgado - que se encontra em liberdade com termo de identidade e residência com obrigatoriedade de apresentações periódicas na esquadra da PSP - não poupa críticas ao governo de Passos e ao Banco de Portugal sobre a aplicação da medida de resolução.
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"Já se tinha falado de tudo, de escutas, comissão de inquérito, auditorias, a única coisa que faltava era ver o lado da pessoa. Saber como viveu os últimos momentos do seu legado", explicou ao DN a autora do livro, adiantando que na obra também constam "revelações mais pessoais" e "alguma autocrítica".
O primeiro contacto da jornalista com Ricardo Salgado foi feito em maio e só em julho é que o ex-banqueiro aceitou o desafio. Seguiram-se quase quatro meses de conversas. E uma das conclusões expressas no livro é que a solução encontrada para o BES não partiu da sua vontade.
"A ministra das Finanças [Maria Luís Albuquerque] assistiu! Isso é uma coisa que me choca! Nas reuniões em que ela convocava os banqueiros para apoiar as empresas públicas, dentro e fora do perímetro do Estado - dívida oculta -, quando os bancos estrangeiros estavam a pedir os reembolsos das operações de crédito. E assistiu sempre, e eu fui sempre a várias reuniões, ou iam colegas como o Dr. Amílcar e o Dr. António Souto, à enorme disponibilidade que o banco sempre teve para apoiar as empresas do Estado, a área não financeira do Estado. E eram emergências porque os bancos estrangeiros estavam a exigir os reembolsos. E o governador, na mesma altura, dizia que era melhor que existissem mais bancos estrangeiros em Portugal. Quando eram os bancos estrangeiros que estavam a tirar o tapete ao Estado." Conta Salgado, que também explica a origem da designação por que ficou conhecido. "A pessoa que me falou, pela primeira vez, do Dono Disto Tudo foi o Manuel Pinho [antigo ministro da Economia]. Ele contou-me "Sabe como lhe chamam agora? Dizem que é o Dono Disto Tudo"."
Salgado fala ainda das suas relações pessoais durante o processo e chega à conclusão: "As amizades à séria contam-se pelos dedos de uma ou duas mãos. Mas essas valem tudo. Às vezes somos também surpreendidos pela positiva."