Culpas ao BdP no caso BES diz coordenador de relatório "secreto"

João Costa Pinto disse aos deputados que o Banco de Portugal devia ter atuado mais cedo no BES e que foi complacente em relação à elevada exposição do banco ao BES Angola.

OBanco de Portugal falhou, mas não é o único a ter culpas na resolução do Banco Espírito Santo(BES). O coordenador do relatório "secreto" sobre a atuação do supervisor na resolução do BES explicou ontem, ao longo de cinco horas de audição, por que o Banco de Portugal deveria ter feito uma intervenção "mais enérgica e mais cedo e não apenas no final do processo, quando os problemas se agudizaram, como se agudizaram".

João Costa Pinto, ex-presidente do conselho de Auditoria do Banco de Portugal, não poupou críticas à forma como foi efetuada a supervisão do BES e apontou também o dedo ao Governo e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Ainda atacou a forma como foi feito o acordo de venda do Novo Banco e o modelo seguido para a venda de ativos, que causou elevadas perdas.

Na primeira audição da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, Costa Pinto apontou também a "complacência" do supervisor em relação à exposição ao BES Angola. Esta Comissão Eventual de Inquérito surgiu na sequência das propostas do BE, PS e Iniciativa Liberal e tomou posse no dia 15 de dezembro de 2020. "O que a supervisão devia ter feito era controlar essa exposição (ao BESA) e ter tido uma intervenção no sentido de a limitar", disse Costa Pinto.

No parlamento, destacou ainda que a comissão independendente concluiu que o Banco de Portugal "devia ter-se preocupado" com o crescimento muito rápido da exposição do BES ao BESA. "Era de tal maneira, a forma pouco preocupada como a supervisão olhava para os problemas do BESA, que o Banco de Portugal só se deu conta dos graves problemas envolvidos pela carteira do BESA - créditos enormes de mais de 5000 milhões de dólares - pouco tempo antes das notícias na imprensa portuguesa, que deram conta que "o BESA tinha perdido o rasto a mais de 5000 milhões de dólares", afirmou.

Costa Pinto também alertou para "a atuação da KPMG em todo este processo", lembrando que a sociedade era o auditor externo do BES em Portugal e do BESA e "nunca colocou qualquer reserva em relação às contas do BESA", disse.

Salientou a existência de notas internas dos técnicos do supervisor que constituam sinais de alerta em relação à situação no Grupo Espírito Santo, nomeadamente sobre dificuldade colocada pelo facto de a holding do grupo ter sede no Luxemburgo. E contrariou Carlos Costa, antigo governador do Banco de Portugal, ao afirmar que o supervisor podia ter intervido mais cedo no BES, no que toca à questão da acumulação de cargos por parte de administradores do grupo.

Deixou também claro que houve vários momentos em que houve oportunidade de intervir no BES, nomeadamente aquando da chegada da troika a Portugal, com a capitalização do banco em troca de condições que teriam de ser cumpridas. Estas oportunidades "perdidas" são também mencionadas no "Relatório da Comissão de Avaliação das Decisões e atuação do Banco de Portugal na Supervisão do Banco Espírito Santo" elaborado por uma comissão independente que Costa Pinto coordenou. O documento, feito a pedido de Carlos Costa, acabou por ficar na gaveta e nunca foi tornado público. Aos deputados na Comissão Eventual de Inquérito chegou o relatório com o carimbo de confidencial, mas para João Costa Pinto, o documento deveria ter sido tornado público.

E também deveria ter sido alvo de análise e debate interno no Banco de Portugal: "Foi para isso que ele foi produzido", disse Costa Pinto aos deputados. "Sinceramente não consigo encontrar uma explicação para o destino (do relatório)", afirmou. "A comissão (independente) esperava que o relatório fosse objeto de discussão interna e até de validação, ou não, das conclusões a que chega". "Isso não foi feito. Pessoalmente, acho que isso foi mau porque teria permitido ao Banco de Portugal fazer uma avaliação do que porventura tivesse corrido menos ou corrido mal", indicou. Para Costa Pinto, "para se mudar tem que se reconhecer que se errou". "Se não se reconhece, não se muda", frisou.

Salientou ainda que o facto de estar a ser "escondido", levou a uma "mitificação" do documento, o que considera negativo para o supervisor. E remeteu para Carlos Costa as respostas sobre o porquê de ter mantido o documento secreto. Explicou ainda que "o Banco de Portugal é uma instituição com uma cultura fortíssima, uma cultura de banco central", de "sigilo", com a qual não está de acordo: "As instituições têm de ser transparentes, têm que prestar contas", defendeu.

Elisabete Tavares é jornalista do Dinheiro Vivo

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