Dinheiro
15 maio 2021 às 11h26

"Portugal já é visto como o próximo hotspot mundial dos vinhos"

Exportações cresceram em volume e valor mas não chegou para salvar vendas de 2020. Líder da Viniportugal quer diversificar mercados e acredita na recuperação neste ano.

Joana Petiz e Hugo Neutel (TSF)

O setor do vinho resistiu à pandemia. No ano passado, as exportações cresceram mais de 3% em valor, atingindo quase 850 milhões de euros. Em sentido contrário, os confinamentos fizeram afundar as vendas em Portugal, que caíram mais de 20%. Frederico Falcão, presidente da Viniportugal, fala sobre os desafios do setor.

Entre aumento de exportações e diminuição de vendas em Portugal, qual é o saldo de 2020?
Acabou por ser negativo. As exportações correram muito bem: aumentámos em volume e em valor, fomos o único país a consegui-lo; a Argentina aumentou só em volume e a Nova Zelândia em valor. É um dado positivo para o país e o setor. O negativo tem que ver com a quebra do mercado nacional. As exportações não compensaram a queda, apesar desse fantástico objetivo alcançado no ano passado.

Este aumento das exportações foi um esforço das empresas ou o resultado da conjuntura?
Há um pouco de tudo. Há o esforço das empresas, acumulado nos últimos anos - quer a Viniportugal quer as comissões vitivinícolas quer os institutos públicos e agentes económicos têm vindo a fazer de forma cada vez mais concertada muita promoção dos vinhos portugueses e da marca Portugal, e isso começa a dar frutos. Por outro lado, sentimos, neste ano de pandemia e confinamento, que as pessoas deixaram de perder algum tempo a escolher: entravam na loja e levavam o que gostavam, o vinho em que tinham confiança e que tinha uma boa relação qualidade/preço. E aí Portugal destacou-se em relação aos rivais e cresceu.

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Os números do primeiro trimestre mostram que as exportações continuam a subir, agora 13% face ao mesmo período de 2020. Quais as perspetivas para 2021?
A expectativa está em alta. Crescemos muito acima do normal, que nos últimos dez anos tem sido de 3,3% ao ano. Estes 13% é um valor a que não estamos habituados e estamos muito contentes, faz-nos olhar com esperança para 2021. E se tudo correr bem, a partir de junho começaremos a ter alguma presença física nos mercados caminhando para continuar esta senda de crescimento e atingir o objetivo de mil milhões em 2023.

E no mercado interno, como foi o primeiro trimestre?
Ainda não temos os dados, mas não há de ser muito diferente de 2020: retração do mercado com algum crescimento, pequeno, na grande distribuição - supers e hipers - e redução na restauração. Em janeiro e fevereiro de 2020 ainda tínhamos uma situação normal, com turismo e restaurantes abertos. Neste ano não. Portanto haverá uma quebra generalizada no mercado nacional.

Também pelas restrições nos horários de venda de álcool?
Claramente somos prejudicados por isso, é uma medida que o setor nunca entendeu, até porque quem estava a trabalhar e ia fazer as compras para jantar em casa não faria certamente espalhar esta pandemia... Felizmente o horário foi agora um pouco alargado. É um bom sinal e esperamos que continuem a ser dados esses sinais a este setor tão importante na economia.

A pandemia alterou o perfil dos consumidores?
Em geral, o que sentimos foi a deslocalização para formatos de maior dimensão, o bag in box, e no início da pandemia uma mudança para gamas mais baixas, vinhos mais baratos. Com o evoluir de 2020, a situação compôs-se um pouco e no fim do ano as pessoas já iam às gamas médias e médias-altas. E acabámos o ano com um preço médio de venda semelhante ao ano anterior, com mais cerca de 0,2%.

Num ano normal, que proporção do volume de negócios vem da exportação?
Em volume exportámos, nos últimos cinco anos, uma média de 47% da produção.

Há muitos produtores que fazem vinho só para exportar?
Exclusivamente não, mas conhecemos muitos que exportam mais de 80% do que produzem - mas há alguns que só vendem aqui.

Os apoios do Estado ao setor neste ano de pandemia foram bem desenhados?
Houve duas medidas abertas em 2020 com verbas comunitárias que destaco, dentro de um envelope específico para o setor do vinho: a destilação de crise e o apoio ao armazenamento. Não terão sido muito apelativas para o setor, porque não esgotaram a verba. A primeira consiste em ajudar produtores com excesso de vinho em casa que, aproximando-se a vindima, precisavam de libertar capacidade para receber a nova colheita. Houve um apoio à destilação desse vinho para ser transformado em álcool - não podia ser álcool de boca, aguardente ou consumo, tinha de ser para fins higiénicos.

Então muito do álcoolgel que aí anda vem daí?
Seguramente, muito vem do setor. A segunda medida foi uma ajuda à tesouraria das empresas: quem tivesse possibilidade de manter o vinho em casa, tinha um apoio monetário por litro para poder armazená-lo uns meses até a pandemia passar e então inseri-lo no mercado. Infelizmente a pandemia está a durar mais do que esperávamos...

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O PRR tem o setor dos vinhos em linha de conta?
Não aparece representado como gostaríamos. Mexemo-nos e contribuímos com muitas ideias, mas não há medidas específicas, os vinhos são englobados nas ajudas gerais à agricultura e às empresas.

O top 5 dos nossos mercados de destino inclui França, EUA, Brasil, Alemanha e Canadá. Pode alterar-se pela pandemia e diferente rapidez na imunização?
Pode sofrer ligeiras alterações, mas creio que o top 5 se manterá. Em 2020, cresceram todos, exceto França - um mercado com forte influência do Vinho do Porto e que representa muitas das exportações em valor, tendo a categoria sofrido uma grande recessão de consumo. Ainda assim, França manteve a liderança nos nossos mercados externos. EUA e Brasil cresceram muitíssimo, Canadá também, por isso, mesmo que os países a seguir no ranking estejam a subir, dificilmente estes perderão a liderança nos próximos dois ou três anos.

Ainda assim, há uma aposta em países como Bélgica, Dinamarca, Ucrânia ou México. Porquê?
Sim, queremos alargar o espetro de ação. A Bélgica é um mercado importante para nós, que tem vindo a crescer muito e está entre os 14 maiores. A Viniportugal e as comissões vitivinícolas têm, porém, feito pouco investimento ali. Ora mostrando bom acolhimento e aumento de venda dos nosso vinhos e somando a presidência portuguesa do conselho europeu, achámos que era tempo de fazer uma ação - mesmo com investimentos relativamente baixos - nesse mercado. O México já vem de trás, de uma tentativa de há dois anos que não se concretizou em 2020 e mantivemos no plano porque está a crescer muito; os espanhóis estão a posicionar-se e a ganhar quota de mercado e pode ser bom para nós também. E temos tido muito sucesso em alguns países de Leste. Na Polónia, começámos a apostar em 2014 e tornou-se num dos mercados de maior crescimento nas nossas exportações, com Portugal a avançar mais que todos os outros. Também na Rússia sentimos isso. Antes de decidir, estudamos e entendemos o potencial dos mercados e sentimos que também temos boa hipótese de crescimento e de conquistar uma boa quota na Ucrânia. Concentrando investimento nos nossos principais mercados, vamos diversificar um pouco e tentar conquistar algo onde julgamos poder ser estratégicos.

O brexit está a ter consequências nas vendas para o Reino Unido (RU)?
Teve uma imediata, em 2020: um grande aumento das exportações, que pode explicar-se por uma tentativa de antecipação de problemas por parte dos importadores do RU. Já neste primeiro trimestre, continuou a ter um ótimo comportamento. Já sabemos que não haverá aumento da carga fiscal sobre os vinhos importados, e isso é um bom sinal. O que sentimos no início foi um aumento brutal da carga burocrática nas alfândegas, porque as regras não estavam bem definidas, causando muitos atrasos na entrada das mercadorias. Ao longo deste tempo, os problemas foram-se esbatendo e temos esperança de que o RU continue a ser um bom mercado para nós.

E por cá, a carga fiscal nos vinhos está bem desenhada?
Sim, bastante bem. A única queixa que temos é antiga: que os espumantes paguem 23% de IVA em vez de 13%.

Os vinhos portugueses já são reconhecidos pelo seu valor mais do que pelo preço?
Temos vindo a fazer um trabalho na Viniportugal - não é meu, que só cheguei há um ano -, com os produtores e as comissões vitivinícolas, de posicionamento da marca Portugal. Para aumentar o valor percebido dos vinhos. E sentimos, a nível de líderes de opinião, jornalistas e até importadores, que já não olham para nós como vinhos baratos, de entrada de gama, desconhecidos. Hoje olham-nos com respeito, consideração, e reveem-nos no slogan que usamos: Um Mundo de Diferenças. Somos um pequeno país com uma gigantesca diversidade de castas, estilos de vinhos, solos... que produz vinhos muito diferentes de todos os outros e com grande qualidade. Por isso já estão dispostos a importar vinhos de preço mais alto, com melhor posicionamento. O trabalho que demora um pouco mais é o de chegar aos consumidores. Os líderes de opinião já nos veem como o próximo hotspot mundial dos vinhos, mas o "mercado para onde todos devem olhar" demora algum tempo a chegar aos consumidores. Não temos orçamento que permita fazer o barulho que gostávamos, mas devagarinho estamos a dar os passos certos.

Era importante nesse movimento conseguir entrar no canal HORECA lá fora?
O nosso maior esforço é dirigido à restauração. Trabalhamos muito os sommeliers (escanções) e jornalistas especializados e generalistas para passarem a imagem de Portugal. Entrar em supers em alguns países implica chegar com preços baixos e volumes que muitas vezes não temos. Portanto a aposta clara é no segmento mais alto, o objetivo são lojas de vinho especializadas, com foco num trabalho em restaurantes e garrafeiras onde se vende com mais valor acrescentado e melhor posicionamento.

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O enoturismo, a ponte feita pelos turistas, tem aqui um papel?
Não tenho qualquer dúvida de que o sucesso, sobretudo nos últimos anos, deste grande aumento de vendas está fortemente ligado ao turismo. Sentimos isso. As pessoas saem daqui apaixonadas pela comida, pela cultura, pelos vinhos, pelas pessoas. Quando regressam a casa, além de falarem aos amigos do que aqui experimentaram, vão à procura dos vinhos portugueses.

Os prémios e concursos também ajudam na divulgação. Mas não há prémios a mais?
Não direi a mais, mas há de facto muitos, uns com mais prestígio do que outros - e quem está no setor sabe-o. Para um regular consumidor, será mais difícil distinguir, mas de facto os prémios também ajudam a vender. A Viniportugal, com o IVV, tem um concurso, que acontece para a semana, e tivemos um recorde de inscrições, porque os produtores sentem que quando são medalhados vendem melhor.

Mas se todos forem medalhados perde-se a distinção.
Sim, é verdade. E de facto há muitos concursos, até a nível nacional, o que pode baralhar os consumidores. Se chegar ao super e todos tiverem medalha, deixa de ser distintivo. Caberá aos produtores entender que valorização cada concurso traz.

Há concursos pouco credíveis?
Há concursos pouco credíveis, sim, não vou nomear, mas há.

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O setor dos vinhos tem sofrido alterações no sentido de responder aos desafios ambientais e de sustentabilidade, é uma adaptação que está a aprender a fazer?
Claramente. Portugal tem sido líder, mesmo em termos mundiais, por exemplo em estudo e preservação do património genético das videiras. Somos líderes mundiais e até nos olham com alguma inveja e a tentar imitar-nos - e ainda bem porque se preserva património genético. Mas em termos de certificação de sustentabilidade dos produtores atrasámo-nos um pouco. Somos o único dos principais produtores do mundo que ainda não tem um sistema nacional de sustentabilidade do setor vitivinícola. A região do Alentejo adiantou-se e criou um plano regional, que implementou em 2019, mas o setor sabe que isso é uma preocupação, está consciente dessa lacuna, e temos vindo a trabalhar para termos, se possível ainda em 2021, um plano nacional de sustentabilidade para certificar os produtores e eles não serem excluídos. Porque esse já é um fator de elegibilidade em muitos países.

Qual é a proporção de trabalhadores imigrantes no setor?
Depende das zonas, há algumas em que há muita população imigrante e noutras quase ninguém. O Douro tem claramente problemas de mão-de-obra e portanto tem muitos estrangeiros...

Suponho que sobretudo na fase da vindima.
Sim, apenas nessa fase e em regiões onde a vindima tem de ser feita essencialmente de forma manual. Tem de se recorrer a estrangeiros porque não há mão-de-obra portuguesa suficiente. Mais a sul, muita da vindima já é feita de forma mecânica e não se vê isso.

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Mas nessas áreas com mais migrantes, há ideia de onde vêm?
Depende da época, já houve muitos de Leste, agora vêm sobretudo do Norte de África... tem que ver com os chamados empreiteiros, que angariam os trabalhadores e prestam serviços nas empresas em trabalho sazonal.

Nas últimas semanas o país descobriu o fenómeno já antigo de Odemira. Na vitivinicultura há fenómenos semelhantes?
Odemira é um problema nacional. Mas neste setor, nas regiões onde sentimos que há mais imigrantes, não temos reporte ou conhecimento de situações dessas.